quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

São Francisco pode ser extinto, diz biólogo

FOLHA DE SÃO PAULO

Pesquisador de equipe que monitora as águas do rio e obras da transposição afirma que processo é 'inexorável'
Segundo José Alves Siqueira, programas de recuperação de áreas degradadas não estão sendo implementados
DANIEL CARVALHODE SÃO PAULOApós quatro anos de monitoramento do rio e das obras de transposição de parte das águas do São Francisco, o biólogo José Alves Siqueira, 41, e outros 99 pesquisadores alertam: o rio está em processo de "extinção inexorável".
O professor integra a equipe da Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), em Petrolina (PE), contratada pelo governo federal para fazer o inventário da flora e da fauna ao longo de todo o trecho da obra.
O resultado encontrado no rio e nos 469 quilômetros de canais está no livro "Floras das Caatingas do Rio São Francisco: História Natural e Conservação" (Andrea Jackobsson Estúdio). Leia os principais trechos da entrevista.
-
Folha - O título do primeiro capítulo do livro assusta: "A extinção inexorável do rio São Francisco". Como vocês identificaram esse processo e por que o consideram inexorável?
José Alves Siqueira - Eu fiz uma pesquisa minuciosa sobre todos os problemas históricos que ocorreram no São Francisco desde o seu descobrimento. A gente teve um dos rios mais piscosos do país. Com as barragens [Três Marias, Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó], a gente perdeu todos aqueles peixes que sobem as corredeiras para se reproduzir. O São Francisco é o rio mais barrado do Brasil.
Se as coisas continuarem do jeito que estão, quanto tempo o São Francisco ainda tem?
A gente não tem como fazer um cálculo preciso. O processo está em curso, o rio está sofrendo profundamente com o desmatamento de suas matas ciliares.
Qual a participação da transposição neste processo?
Existe um passivo ambiental da obra, em torno de R$ 20 milhões, R$ 25 milhões. Esse recurso deve ser usado para implementar unidades de conservação. Podemos transformar o problema da transposição numa oportunidade.
Na prática, como a obra da transposição está colaborando com o processo?
Ainda não temos as respostas claras. A gente encontrou 62 espécies exóticas invasoras, que não são da flora brasileira, já nas áreas do canal. Quando ela [a invasora] chega, ocupa espaço de espécies nativas e provoca destruição das outras.
O senhor é favorável à obra?
A gente não está discutindo se é a favor ou contra porque a obra já está em curso. Hoje o nosso papel é tentar mitigar os impactos. Os impactos existem. [Mas] o que a gente pode fazer para tornar isso razoavelmente viável?
O senhor fala que ainda tem muito a se avançar nesse processo de mitigação dos impactos. Como?
Algo para ser feito em caráter emergencial [é] a implementação dos programas de recuperação de áreas degradadas. As grandes empreiteiras têm obrigação de implementar esses planos de recuperação. Isso não está acontecendo. Quando oferecem a possibilidade de fazer, fazem com espécies exóticas invasoras. A gente tem um conjunto de oportunidades que não pode perder vista. Não teremos uma segunda oportunidade. Não há nada de sensacionalista nisso. Não é uma crítica gratuita.
Qual o papel dessa estiagem prolongada no Nordeste neste processo de extinção do rio?
É mais um agravante porque a demanda por água aumenta. Os bancos de areia no São Francisco estão cada vez maiores. A gente está vivendo um processo de aquecimento global e a caatinga é o lugar do Brasil mais suscetível a essas mudanças climáticas.

    FRASE
    "Existe um passivo ambiental da obra em torno de R$ 20 milhões. Esse recurso deve ser usado para implementar unidades de conservação. Podemos transformar o problema da transposição numa oportunidade"
    JOSÉ ALVES SIQUEIRA
    biólogo


    OUTRO LADO
    Governo afirma que área afetada por transposição será recuperada
    DE SÃO PAULOO Ministério da Integração Nacional declarou que as ações de recuperação de áreas afetadas pelas obras de transposição do rio São Francisco serão implementadas pelas empreiteiras após a aprovação dos Prads (Planos de Recuperação de Áreas Degradadas) pelo Ibama.
    O órgão ambiental, no entanto, informou à Folha que eles fazem parte de outro plano aprovado em 2007.
    O ministério afirmou também que a erradicação das espécies exóticas invasoras deve estar prevista nos Prads.
    A pasta defende que a ocorrência dessas espécies "independe da existência das obras de integração do rio".
    O ministério informou que pretende investir R$ 968,6 milhões na execução de programas ambientais relacionados às obras de transposição.
    Desse montante, R$ 60 milhões são para o programa de conservação de fauna e flora.
    Segundo a pasta, o Ibama autorizou a supressão de 22,8 mil hectares para a execução da transposição.
    Cerca de oito mil hectares já foram suprimidos. Desses, 5.000 devem ser recuperados. Os outros 3.000 são de área construída.

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário