quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO

DORENI CARAMORI JÚNIOR
TENDÊNCIAS/DEBATES
Crítica à meia-entrada
Trata-se de uma política pública feita com recursos privados que tem como efeito aumentar o preço das entradas e prejudicar o setor de produção de eventos
O benefício da meia-entrada, que concede desconto de 50% para estudantes em eventos esportivos e culturais, está tornando inviável uma atividade que movimenta ao menos R$ 2 bilhões por ano, gera milhares de empregos e contribui para o desenvolvimento econômico e cultural do Brasil: a produção de eventos e de entretenimento.
Diante da falta de fiscalização na emissão das carteirinhas de estudante, elas se proliferam indiscriminadamente, nem sempre beneficiando aqueles que supostamente necessitam do benefício. Fazem com que alguns eventos cheguem a ter mais de 90% da carga de ingressos adquirida por metade do preço.
Os impactos mais visíveis desta política pública -viabilizada por recursos privados-, são o aumento no preço das entradas e a consequente queda de arrecadação nas bilheterias, causando o cancelamento de shows, como ocorreu recentemente com a cantora britânica Joss Stone.
O projeto de lei que tramita em regime de urgência na Câmara dos deputados, já aprovado pelo Senado, tenta minimizar esta situação insólita ao fixar em 40% a proporção de ingressos destinados aos beneficiados pela meia-entrada -a proposta original do projeto era 30%. Não se pretende discutir aqui se a porcentagem é a ideal. Mas é fato que a iniciativa é pertinente.
Numa época na qual se fala tanto em planejamento, a falta de teto para a venda de ingressos de meia-entrada impede que os produtores de shows internacionais, por exemplo, façam um cálculo razoável de quanto devem custar os ingressos para que estes eventos gerem arrecadação suficiente para garantir o cachê do artista, o pagamento de funcionários e, de preferência, lucro.
Na impossibilidade de fazer essa conta elementar para qualquer modalidade de negócio, a solução que resta ao setor é aumentar o preço dos ingressos, tornando ilusório o suposto benefício da meia-entrada.
É preciso lembrar que, até o início da década de 1980, os poucos artistas estrangeiros que se aventuravam a se apresentar no Brasil voltavam reclamando de falta de pagamento e de equipamentos danificados ou roubados.
Não foi por incentivos governamentais que o país se tornou um dos destinos preferidos de atrações internacionais nos últimos anos. Foi pelo trabalho de empresários, que suaram para trazer credibilidade ao mercado nacional de eventos, transformando o Brasil numa vitrine rentável e segura para artistas do porte de Paul McCartney, U2 e diversos outros de menor fama, mas de relevância cultural inegável, como Iggy Pop e Bob Dylan.
De acordo com levantamento feito por esta própria Folha, o número de shows internacionais triplicou em 2012 em relação a 2010.
Da maneira é hoje, a meia-entrada é uma intervenção estatal numa atividade privada, inadmissível numa economia de livre mercado.
Por um lado, o Estado faz com que os demais frequentadores de shows e outros eventos paguem pelo beneficio dos possuidores das carteirinhas. Por outro, os empresários brasileiros, acusados por alguns de privatizar o lucro e estatizar os prejuízos, acabam financiando a política pública da meia-entrada. E sem nenhuma contrapartida do Estado a quem concede o benefício.



FERNANDO SERAPIÃO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Concessão e arquitetura de aeroportos
Em Guarulhos, o edital ignorou que já havia um ótimo projeto de ampliação. Ele custou caro, mas será jogado fora e trocado por um que parece rodoviária
Os problemas na concessão dos aeroportos brasileiros foram reconhecidos até mesmo por integrantes do governo. Mas pouco se tem falado na arquitetura dos terminais -e no consequente conforto.
Ainda no governo Lula, a Infraero começou a projetar novos terminais, sempre seguindo as burocráticas e lentas licitações.
Em Guarulhos, a licitação de projeto foi vencida em 2009 por um consórcio de várias empresas projetistas -estrutura, hidráulica, elétrica etc. Eles contavam com os arquitetos da Biselli+Katchborian, um dos poucos escritórios brasileiros habilitados a desenhar aeroportos.
A empresa, liderada por dois sócios na casa dos 50 anos de idade, é uma das mais prestigiadas do país. Já tinha ganho, em 2006, a disputa pelo desenho do terminal de Florianópolis (ainda não construído). Por isso, a vitória na licitação em Guarulhos foi recebida positivamente no meio arquitetônico, que percebeu a oportunidade de construir um terminal interessante.
Após dois anos de labor, o desenho foi apresentado publicamente, sem decepção: em forma de avião, o desenho do terminal 3 não só era original por sua cobertura tecnológica, semelhante aos encontrados em projetos high-tech, como reverberava o modernismo brasileiro.
Ciente da urgência, o grosso da área construída utilizava elementos pré-moldados, deixando a sofisticação para a porção visível. A presidente Dilma se entusiasmou, e o terminal foi detalhado e entregue para a licitação da obra.
Mas eis que a Anac, ao preparar o edital para a concessão, simplesmente desconsiderou o projeto coordenado pela Infraero.
O edital transferiu para o consórcio vencedor, Invepar, a decisão de construir ou não o terminal projetado pela Infraero.
Mais que isso, incentivou o sepultamento do desenho ao diminuir o padrão de conforto da nova construção (do nível máximo, AAA, para C, dentro da nomenclatura de padrão de conforto de aeroportos internacionais). Em outras palavras, a Anac permitiu que a operadora entregasse aos brasileiros um terminal menos confortável.
Sem clareza, a concessionária apresentou algumas imagens do seu projeto, suficientes para atestar a baixa qualidade arquitetônica do desenho importado: quase uma rodoviária que, se construída, perpetuará o desespero e a trapalhada governamental contra o caos aéreo.
É importante lembrar o desperdício: o governo está jogando no lixo um projeto de R$ 22 milhões, pronto para ser construído. A baixa gerencia alegará que o governo arrecadou R$ 16,21 bilhões com a licitação e que, nessa escala, o que foi para o lixo não é nada. Mas como justificar aos eleitores?
A arquitetura deveria ser um item estratégico para o país. Veja a Alemanha: eles aproveitaram a Copa do Mundo em seu país para especializar algumas firmas de projeto em estádios. Resultado? Nos mundiais seguintes, emplacaram 30% dos projetos na África e 41% no Brasil. Além dos honorários, o pacote conta com especificações de produtos alemães, das caríssimas coberturas de lona até cadeiras.
No que se refere aos aeroportos internacionais, a arquitetura como estratégia de Estado tem outro sentido: os terminais são as portas de entradas dos países. O filósofo francês Paul Virilio acredita que eles representam hoje os antigos portais das muralhas das cidades-estados. Se a civilização trocou grossos muros de pedras por edifícios cristalinos, continua o simbolismo da entrada.
Entre dezenas de exemplos, em Londres a precisão inglesa é vista em todos os detalhes, até nos parafusos; em Paris, a graça francesa esta presente nos arcos de concreto da cobertura, caprichosamente abauladas para baixo; e a luz filtrada por pequenas aberturas na Cidade do México lembram-nos da delicadeza e da aspereza mexicana.
No fundo, é fácil impressionar com um prédio mágico quem passou horas dentro de um avião. Além de ser mais factível do que resolver as mazelas do país, perpetuar edifícios simbólicos também eleva a estima nacional. Que o digam Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer.

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