quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Escavações revelam taberna e palafitas do 'velho Pinheiros' - Jairo Marques

FOLHA DE SÃO PAULO

Obras de revitalização do bairro levaram à descoberta de sítio arqueológico
Para pesquisadores, construções e objetos mostram região como ponto estratégico para viajantes do século 19
JAIRO MARQUESDE SÃO PAULOA história da formação e da ocupação urbana de Pinheiros e da zona oeste de São Paulo está ganhando contornos inéditos com as escavações arqueológicas no largo da Batata, hoje em sua segunda fase.
Foram descobertos 30 mil objetos do século 19 e até estacas de palafitas, pois a área era altamente alagável no passado. Elas foram achadas neste ano e surpreenderam os pesquisadores.
Desde 2007, a região do largo da Batata passa por obras de requalificação -que fazem parte da Operação Urbana Faria Lima, criada em 1995, para transformar a área em polo de escritórios.
O Sítio Arqueológico Pinheiros 1 começou a ser explorado após ordem do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2009, após os primeiros objetos serem localizados.
As estruturas descobertas agora aparecem em um terceiro nível de escavação. O primeiro é de casas da década de 1960, quando o bairro sofreu uma explosão urbana.
"As escavações revelaram estacas de madeiras, as palafitas, que talvez visualmente não digam muito para as pessoas, mas trazem enorme contribuição histórica, diz o arqueólogo Juliano Meneghello, coordenador do trabalho.
TABERNA
Na primeira fase dos trabalhos, em 2010, a equipe liderada pelo arqueólogo Plácido Cali conseguiu mapear objetos como xícaras, canecas, sopeiras e outras louças, além de garrafas e potes de cerâmica do século 19, vindos principalmente da Inglaterra.
A análise dos objetos ajuda a entender melhor, de acordo com pesquisadores, como Pinheiros foi habitado e sua importância já nas décadas finais do século 19. Um relatório para o Iphan aponta, por exemplo, que foi achada uma espécie de taberna.
"Com o material que coletamos é possível mostrar que ali houve um ponto estratégico para pessoas que saíam do centro da cidade e rumavam para Sorocaba ou para o sul do Estado", afirma Cali.
A segunda fase, tocada pela empresa A Lasca Arqueologia, começou em maio deste ano, após 17 meses sem escavações por causa de entraves burocráticos.
De lá para cá, outros 50 mil resquícios de objetos foram colhidos -em sua maioria, do começo do século 20.
Os trabalhos arqueológicos devem se estender até o meio do ano que vem, pelo menos.
Também foram descobertos trilhos e dormentes de bonde -que circulava pela rua Teodoro Sampaio. Cerca de 80 metros deles vão ficar expostos em uma praça que ainda está sendo construída.

    ANÁLISE SÍTIO ARQUEOLÓGICO
    No novo Pinheiros, as raízes do bairro encontram seu futuro
    Escavação de sítio arqueológico atrasa revitalização, mas é um ganho para a cidade
    FERNANDO SERAPIÃOESPECIAL PARA A FOLHA
    É IRÔNICO: NA CIDADE QUE NÃO TEM MEMÓRIA, A MUDANÇA DE PINHEIROS É ATRAPALHADA POR SEU PASSADO
    Há uma década, a Prefeitura de São Paulo organizou um concurso de arquitetura para reorganizar o largo da Batata. Nas entrelinhas, a ideia era rearranjar o sistema viário da região, preparando-a para uma drástica mudança de uso.
    Potencializada por uma operação urbana e pela chegada do metrô, a verticalização não emplacava na região, que resistia graças à força do comércio popular, ao arruamento confuso e ao caótico terminal de ônibus.
    Mas legislação e mercado imobiliário entendem Pinheiros como extensão natural da Faria Lima, com torres de escritórios e serviços -sai o camelô, entra o engravatado.
    O concurso foi vencido pela equipe de Tito Livio Frascino e as obras demoraram cinco anos para começar. Mas ninguém previu o inevitável: ao escavar o coração do bairro mais antigo de São Paulo, era muito provável encontrar material arqueológico.
    Pinheiros foi fundado oficialmente em 1560 -e há pistas de que ali já existisse uma aldeia indígena. No final do século 16, habitavam a região cerca de 600 índios.
    Após ataques de etnias rivais, incêndios da igreja, briga entre jesuítas e beneditinos etc., a localidade entrou em decadência e transformou-se em um local de parada de viajantes que saíam de São Paulo rumo ao Sul do país.
    A provável explicação é a geografia: naquele trecho, o rio Pinheiros era mais estreito, facilitando a travessia; com a alta do rio, havia necessidade de pernoitar.
    A descoberta do sítio arqueológico é importante e a velocidade da escavação não é pautada pela vida cotidiana. A demora prejudica, por exemplo, os comerciantes, que desde 2007 aguardam o fim. Infelizmente, não existem instrumentos para compensar as perdas econômicas.
    Quem ganha é a cidade e o cidadão, que poderão conhecer um pouco mais sobre sua história. É irônico pensar que, na cidade que não tem memória, a maior mudança da existência de Pinheiros seja atrapalhada por vestígios de seu passado.

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