Roberta Machado
Estado de Minas: 11/01/2013
Brasília – Durante um longo período, o movimento dos astros era suficiente para marcar a passagem dos meses e dos anos. O desenvolvimento da sociedade trouxe consigo dias mais cheios, repletos de compromissos que pediam horários cada vez mais exatos. Dessa forma, a noção de tempo deixou de ser representada pela sombra marcada no chão pelo sol e ganhou referências cada vez mais elaboradas: o correr da areia na ampulheta, o balançar do pêndulo e a vibração do quartzo, que hoje cronometra cada segundo dos relógios digitais de pulso.
Mas o horário oficial existe num sistema chamado elementar, representado num aparelho de precisão máxima. Os relógios atômicos marcam, há mais de 60 anos, o horário exato baseado na vibração de partículas que seguem um ritmo milhões de vezes mais fugaz que o segundo. Com a ajuda desse princípio, um grupo de físicos da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, construiu um novo relógio que não somente marca o tempo melhor que qualquer mecanismo suíço, como também pode revolucionar o conceito que a humanidade tem do peso. É o conceito do relógio que mede a massa, tema da revista especializada Science.
Para entender a conquista desses visionários, é preciso lembrar a teoria da relatividade de Albert Einstein, segundo a qual a matéria pode ser tanto uma partícula quanto uma onda. Seguindo essa premissa, é possível medir a massa de algo tão minúsculo quanto um átomo, desde que seja colocada na equação a energia que esse corpo representa. A relação pode parecer complicada, mas já é conhecida na ciência há muito tempo. A complicação está em traduzir a energia em números, já que a frequência de uma onda dessas pode ser 10 bilhões de vezes maior que a da luz visível.
O grupo liderado pelo físico alemão Holger Müller conseguiu construir um poderoso relógio atômico que controla toda essa energia e torna possível sua medição. Partindo da ideia de que um corpo em movimento “envelhece” mais devagar do que um imóvel, ele usou um interferômetro para comparar as oscilações de um átomo de césio parado com a frequência que ele tinha ao se mover. A diferença entre as duas oscilações é relativamente pequena e pôde ser medida e colocada na equação para o cálculo da massa da partícula.
“No passado, o tempo sempre foi medido observando-se o movimento de sistemas de partículas. Se essa é a única forma de fazê-lo, então o tempo não faz sentido se você tem apenas uma partícula”, ilustra Müller. “Queríamos descobrir se o tempo pode ser medido usando uma única partícula, e construímos um relógio que faz isso”, esclarece. Bem maior que um relógio de pulso, a máquina ocupa duas salas com cabos e fibras ópticas e levou dois anos para ser construída.
Chamado relógio Compton, o aparato ainda não tem a mesma precisão dos melhores marcadores, e calcula-se que ele varie um segundo a cada oito anos. Mas a equipe ainda planeja melhorar o desempenho da máquina, o que pode revolucionar o conceito do segundo. Depois de dois anos de estudos, o pesquisador já aponta a intenção de investir num relógio antimatéria, que usaria positrons como referência.
Relógios atômicos são o padrão de excelência na medida do tempo desde 1967, quando o segundo foi definido como um conjunto de mais de 9 bilhões de oscilações de um átomo de césio. A medida é tão exata que sua variação é estimada em apenas um segundo a cada 100 milhões de anos. Até então, o período era calculado de acordo com os movimentos da Terra. “O básico para construir um relógio é ter um pêndulo confiável, pois é ele que define uma frequência característica de oscilação. Quanto mais estável é a fonte que gera essa frequência, mais preciso será o relógio”, explica Dimiter Hadjimichef, físico de partículas e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A fonte da frequência, no caso, é a radiação eletromagnética emitida pelo átomo quando ele passa por uma transição eletrônica. A diferença entre o modelo antigo e o proposto pela equipe de Müller é que o relógio de Compton não precisa criar uma interação entre vários átomos para gerar a frequência desejada – ele reduz o sistema a um átomo apenas, o que resulta numa precisão maior. “Como a frequência é periódica, é fácil usá-la para definir o tempo. É como um relógio de pulso, em que um quartzo fica vibrando numa frequência de milhares de vezes por segundo”, exemplifica Ênio Frota da Silveira, físico da PUC Rio.
Peso Mesmo na fase de testes e ainda sem alcançar a precisão desejada, o relógio da Universidade da Califórnia já criou um debate entre os especialistas em física quântica e pode levar a uma mudança radical na referência de gramas e quilos usada hoje. Há quase um século, cada quilo medido, seja na balança da farmácia ou do supermercado, compara o peso dos objetos à massa do quilo original: uma peça de platina pertencente à Conferência Geral de Pesos e Medidas e guardada a sete chaves na França. Para Müller, relacionar o peso a um átomo em vez de depender de um objeto em particular pode significar não somente praticidade, como também uma precisão incomparável.
O novo padrão sugerido pelo alemão é composto de um cristal de silício fabricado com um número definido de átomos, uma peça apelidada de esfera de Avogadro. “Todas as outras unidades são definidas por propriedades físicas, e seria ótimo fazer o mesmo com a massa. Quanto menor um sistema for, mais difícil será perturbá-lo. Átomos são atualmente a melhor referência que temos”, compara Müller. Calculando-se a massa de cada partícula com a ajuda do relógio de Compton, seria possível saber o peso exato do objeto, independentemente da temperatura ambiente ou de qualquer outro fator que possa influenciar na medida.
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