ESTADO DE MINAS: 03/02/2013
Há muito venho observando as bermudas. Vivemos não apenas num triângulo, mas num círculo vicioso de bermudas. Tenho várias. Isso me compromete. Estou envolvido no crime. No Natal (ou aniversário), as filhas insistem em me presentear com bermudas. Na última vez em que isso aconteceu, troquei-as (as bermudas, não as filhas) por camisas, aproveitando o pretexto de que eram pequenas (as bermudas, claro).
Contra as bermudas, em geral, não tenho nada. Mas me pergunto: será que todo mundo deve usar bermudas? Pesquisei a respeito. Sei que se difundiram nos anos 1990, que os surfistas as popularizaram. Dizem que essa roupa vem das Ilhas Bermudas, onde significava uma forma mais informal e arejada de se vestir e enfrentar o calor.
Até aí, nada demais.
Mas, como dizia meu pai, “tudo que é demais é sobra”. E as bermudas invadiram nossa praia, nossas ruas, shoppings, cinemas e aeroportos. Estou nesta fila de banco, horrorizado com o festival de bermudas à minha frente. Brancos, pretos, pardos, aposentados, porteiros, donas de casa, num festival espantoso de mau gosto. E começo a ver aí uma questão sociológica, econômica e irremissivelmente estética. Possivelmente, a questão estética me levou às outras.
Por onde começar?
Sendo também (parcialmente) réu ou refém dessa moda, tenho um certo conhecimento de causa (ou calça?). Me parece que conseguiram nos iludir: vendem-nos bermudas que têm um ou dois terços de pano de uma calça pelo preço da própria calça. Nisso a moda nos impingiu um paradoxo: compramos roupas remendadas e furadas por preços altíssimos, porque o lixo virou luxo.
Mas o ilusionismo que o modismo provoca é ainda mais sedutor: a gente vê o garotão de praia usando aquelas espantosas bermudas. Eles são sarados, têm dorso olímpico, tatuagens rocambolescas nos músculos. São corpos padronizados, Neles, pele, roupa e corpo se completam. Os anúncios, você sabe, botam os manequins em situação paradisíaca, ideal. Como na arte conceitual, a gente compra o conceito.
Como diria a Bíblia, a bermuda foi feita para o homem, mas nem todo homem foi feito para a bermuda. Reparem na rua, na praia, nos aeroportos, cinemas, mercados etc. Sobretudo no “etc”. Tem gente que não nasceu para usar bermuda. Por exemplo: os que têm aquela barriginha de bebedor de cerveja. E se o dono daquela barriga é pequeno, a situação se agrava, porque a lei áurea das proporções praticada por Leonardo da Vinci não funciona. Aquela barriguinha (ou barrigona avantajada) briga com o resto da estrutura. E surge esta questão física e metafísica: o que fazer das canelas finas? As bermudas colocaram à vista o ridículo das canelas finas, que durante séculos escondemos. A questão das canelas piora com o tipo de tênis que usamos.
Os tênis merecem também uma tese universitária. Aí se estudaria a importação desse hábito dos EUA e teríamos que retomar aquela frase de ex-ministro Juracy Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Será? E depois esta coisa assombrosa: cobram pelos tênis o mesmo preço dos sapatos. Quer dizer: a sociedade consumista faz da gente gato e sapato, quer dizer, gato e tênis. Estamos levando gato por lebre.
Mas há ainda dois elementos que me chamam a atenção: a semelhança entre certas bermudas e a roupa dos palhaços. Espero não estar ofendendo ninguém, isso é apenas uma constatação semiótica, também uso bermudas. Na teoria da carnavalização, estuda-se a introdução da ideia de transgressão na vestimenta ordinária. A roupa do palhaço é assim. As roupas carnavalescas são assim: uma inversão do cotidiano. E a moda, nos liberando de amarras, fez isto com a gente: saímos fantasiados, a fantasia virou rotina. As bermudas levaram isso ao máximo: listradas, cada perna de uma cor, enfim, um carnaval do baixo ventre para as canelas finas.
Houve um tempo (deprezível) em que cada classe social usava um tipo de roupa. Aí veio a democracia. Ótimo. Tudo ao alcance de todos. E aí instaurou-se a confusão. Eles continuam escolhendo por nós e nós achamos que estamos escolhendo.
Contra as bermudas, em geral, não tenho nada. Mas me pergunto: será que todo mundo deve usar bermudas? Pesquisei a respeito. Sei que se difundiram nos anos 1990, que os surfistas as popularizaram. Dizem que essa roupa vem das Ilhas Bermudas, onde significava uma forma mais informal e arejada de se vestir e enfrentar o calor.
Até aí, nada demais.
Mas, como dizia meu pai, “tudo que é demais é sobra”. E as bermudas invadiram nossa praia, nossas ruas, shoppings, cinemas e aeroportos. Estou nesta fila de banco, horrorizado com o festival de bermudas à minha frente. Brancos, pretos, pardos, aposentados, porteiros, donas de casa, num festival espantoso de mau gosto. E começo a ver aí uma questão sociológica, econômica e irremissivelmente estética. Possivelmente, a questão estética me levou às outras.
Por onde começar?
Sendo também (parcialmente) réu ou refém dessa moda, tenho um certo conhecimento de causa (ou calça?). Me parece que conseguiram nos iludir: vendem-nos bermudas que têm um ou dois terços de pano de uma calça pelo preço da própria calça. Nisso a moda nos impingiu um paradoxo: compramos roupas remendadas e furadas por preços altíssimos, porque o lixo virou luxo.
Mas o ilusionismo que o modismo provoca é ainda mais sedutor: a gente vê o garotão de praia usando aquelas espantosas bermudas. Eles são sarados, têm dorso olímpico, tatuagens rocambolescas nos músculos. São corpos padronizados, Neles, pele, roupa e corpo se completam. Os anúncios, você sabe, botam os manequins em situação paradisíaca, ideal. Como na arte conceitual, a gente compra o conceito.
Como diria a Bíblia, a bermuda foi feita para o homem, mas nem todo homem foi feito para a bermuda. Reparem na rua, na praia, nos aeroportos, cinemas, mercados etc. Sobretudo no “etc”. Tem gente que não nasceu para usar bermuda. Por exemplo: os que têm aquela barriginha de bebedor de cerveja. E se o dono daquela barriga é pequeno, a situação se agrava, porque a lei áurea das proporções praticada por Leonardo da Vinci não funciona. Aquela barriguinha (ou barrigona avantajada) briga com o resto da estrutura. E surge esta questão física e metafísica: o que fazer das canelas finas? As bermudas colocaram à vista o ridículo das canelas finas, que durante séculos escondemos. A questão das canelas piora com o tipo de tênis que usamos.
Os tênis merecem também uma tese universitária. Aí se estudaria a importação desse hábito dos EUA e teríamos que retomar aquela frase de ex-ministro Juracy Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Será? E depois esta coisa assombrosa: cobram pelos tênis o mesmo preço dos sapatos. Quer dizer: a sociedade consumista faz da gente gato e sapato, quer dizer, gato e tênis. Estamos levando gato por lebre.
Mas há ainda dois elementos que me chamam a atenção: a semelhança entre certas bermudas e a roupa dos palhaços. Espero não estar ofendendo ninguém, isso é apenas uma constatação semiótica, também uso bermudas. Na teoria da carnavalização, estuda-se a introdução da ideia de transgressão na vestimenta ordinária. A roupa do palhaço é assim. As roupas carnavalescas são assim: uma inversão do cotidiano. E a moda, nos liberando de amarras, fez isto com a gente: saímos fantasiados, a fantasia virou rotina. As bermudas levaram isso ao máximo: listradas, cada perna de uma cor, enfim, um carnaval do baixo ventre para as canelas finas.
Houve um tempo (deprezível) em que cada classe social usava um tipo de roupa. Aí veio a democracia. Ótimo. Tudo ao alcance de todos. E aí instaurou-se a confusão. Eles continuam escolhendo por nós e nós achamos que estamos escolhendo.
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