Dependente conta que foi internado contra a vontade, mas superou vício
Empresário conta que nunca foi a uma biqueira e diz que pegava droga com garotas de programa
À noite, ligava para uma prostituta. Queria prazer, mas não só sexual. Na bolsa dela sempre havia uma encomenda: cocaína ou crack para ele.
"Escravo" da droga há dez anos, Fábio saiu de sua segunda internação no fim do ano passado, após nove meses dentro da clínica Greenwood, na Grande São Paulo. Um mês lá sai por R$ 30 mil (leia texto ao lado).
Fábio não é só um exemplo de dependente químico que já foi internado involuntariamente, mas também a prova de que o crack não é exclusividade da multidão que se acotovela na chamada boca do lixo do centro da cidade em busca da pedra. O crack está na elite paulistana.
Para definir o destino de pessoas tão viciadas quanto ele, o governo estadual tem, há duas semanas, um programa para facilitar a internação à força -médicos, juízes, promotores, advogados e defensores públicos fazem plantão num posto de atendimento a dependentes, no centro.
Os atendidos, são, na maioria, famílias do extremo da pobreza. Exemplo da outra ponta, de família abastada e aluno de escolas renomadas da cidade, Fábio usa cocaína desde os 28 anos.
O abuso de drogas pesadas foi precedido por despretensiosas bebericadas em destilados, na adolescência.
"Meu começo foi com o álcool, que levou ao cigarro. Juntos, abriram as portas para a maconha. Fiquei assim até os meus 28. Aí apareceu a cocaína e, depois, o crack. Daí para frente, todas juntas", disse à Folha, um mês após sair do isolamento.
O vício nunca o obrigou a frequentar as biqueiras ou cracolândias da vida.
"Em qualquer lugar do mundo, se você quer comprar droga, é só abrir o jornal e ligar para o número de uma garota de programa."
SOLIDÃO
Comprar e vender gado em suas fazendas é a principal atividade de Fábio, que também é escravo da solidão. "Sou assim desde os 19 anos, quando assumi as fazendas. Sempre tive um grau de responsabilidade muito grande. Por outro lado, uma vida pessoal muito solitária."
Esse "desajuste" o levou às drogas. "Estou vivo porque meu lado profissional ajudou. Mas não me impediu de usar drogas e recair várias vezes a ponto de quase morrer."
Até o uso era solitário. "Quase sempre me droguei só, em casa, no hotel. Mas nunca no trabalho. Os negócios nunca foram afetados."
Dois motivos, no mesmo ano de 2002, foram o que ele chama de desculpas para se enterrar no vício.
"Ficou crônico quando meu pai morreu e eu me separei do meu primeiro casamento. A vontade sempre vinha a cada quatro meses, de forma mortal."
"Magro, quase morto", foi internado pela família em 2007 pela primeira vez. Após oito meses na clínica, pediu para sair. Desde então, as recaídas não cessaram. Na última delas, no ano passado, terminou na UTI de um hospital, após uma overdose. "Tive alta e, na mesma semana, estava usando cocaína."
Ele acredita que a genética é responsável pelo seu vício. "Tenho casos de alcoolismo nos dois lados da família."
Diz que procurou a morte nos últimos dez anos. "O uso é suicida. Um dia os dentes vão cair, ou vou acabar preso, morto, não há saída."
Fábio se orgulha de estar limpo. "Se entro num lugar em que tenha acesso a bebida e drogas, consigo aguentar. Na segunda vez, vou recair. Tenho que sofrer para não recair." A entrevista à Folha aconteceu no escritório dele. Fábio estava sozinho.
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