Ailton Magioli
ESTADO DE MINAS: 03/02/2013
O Afroreggae ainda era uma banda cover do Olodum, segundo Santone Lobato, do Tambolelê, quando seus integrantes conheceram a rapaziada no Sesc Venda Nova, de Belo Horizonte. Convidado a morar em Vigário Geral, uma das mais temidas favelas do Rio de então, o percussionista mineiro teve a chance de participar da repaginação do grupo carioca, que, depois de ganhar identidade própria e embrenhar-se na área social, acabaria se tornando a organização não governamental cultural mais influente do país.
Com cerca de 40 projetos – o foco hoje é TV e internet –, por meio dos quais o coordenador José (Pereira de Oliveira) Júnior, de 44 anos, administra orçamento anual de R$ 20 milhões, o Afroreggae comemora duas décadas de atuação de olho no futuro.
Além do desejo de retornar a BH, considerada a segunda pátria da ONG, está acertada a abertura de escritórios de representação em Minas e em São Paulo. Na capital paulista, o grupo também vai desenvolver trabalho social no entorno do Itaquerão, novo estádio do Corinthians. Paralelamente, a marca do time paulistano está sendo levada pelo Afroreggae para o Rio, onde será montado um centro de treinamento de MMA, no Complexo do Alemão.
“Bebemos muito na fonte de Minas Gerais”, reconhece José Júnior, lembrando que, no início, o público não entendia a mistura que eles faziam de congado com funk e reggae. Por outro lado, a atuação do grupo crescia a ponto de os próprios integrantes se surpreenderem com a repercussão do trabalho artístico-social. Ainda dentro das comemorações de aniversário, depois do sucesso das séries Conexões urbanas e Papo de polícia, em parceria com o canal Multishow, a ONG carioca vai lançar em março, no GNT, a série Mulher de bandido.
“Nós conseguimos tirar gente do narcotráfico, fazer mediação de conflitos e, por meio da música, quebrar paradigmas, conceitos e preconceitos”, afirma, orgulhoso, José Júnior. Além da atuação em diferentes regiões de risco social, nas Olimpíadas 2012, em Londres, o Afroreggae chegou à Inglaterra, onde também desenvolveu ações. “Se antes éramos vistos como bandidos pela própria polícia, acabamos tendo a oportunidade de transformá-los em multiplicadores culturais”, comemora o coordenador.
“Toda e qualquer ação para melhoria e desenvolvimento humano e social é sempre bem-vinda”, apoia Santone Lobato. “Por mais que possa haver divergências em relação à atuação do Afroreggae hoje, enquanto projeto social ele salvou muitas vidas e, apesar de não ser uma igreja ou religião, continua salvando muitas almas”, acrescenta o percussionista mineiro. O rapper Flávio Renegado, do Negros da Unidade Consciente (NUC), que também firmou parceria com a ONG carioca no Alto Vera Cruz, lembra que a dobradinha ajudou a apontar caminhos na trajetória da organização mineira.
“Na época, achei o Juventude e Polícia (projeto criado em 2004, numa parceria entre o Afroreggae e a Secretaria de Estado da Defesa Social) muito ousado, porque mudava a questão de o Estado simplesmente agir como órgão repressor, para começar a explorar outro parâmetro dessa relação, atuando como agente social”, recorda o rapper. Depois de levar artistas como Caetano Veloso e Regina Casé ao Vigário Geral, em pleno 1995, quando ninguém conseguia chegar à favela, dominada pelo narcotráfico, o Afroreggae assinava, em 2001, contrato com a multinacional do disco Universal Music, pelo qual lançou seus principais discos. Madonna e outras celebridades também visitaram o local.
A história da ONG começa, na verdade, com o lançamento do jornal Afro Reggae Notícias, em 1993, na Lapa carioca. Em decorrência da chacina ocorrida no mesmo período na favela de Vigário Geral, foi criado o Grupo Cultural Afroreggae, que se desdobraria em ações e programas que mais tarde seriam imitados e adotados em outras regiões.
Para vencer preconceitos
Belo Horizonte, 2004. De acordo com o então secretário-adjunto de estado de Defesa Social, Luiz Flávio Sapori, ele foi procurado pelo Afroreggae com a proposta de desenvolver trabalho nos batalhões da Polícia Militar. “Achei a ideia inovadora e instigante, fechando acordo com o comando da PM à época”, recorda o professor e sociólogo, que hoje é coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas.
Sapori resolveu então implementar o projeto Juventude e Polícia, com o objetivo de aproximar os jovens da periferia e a Polícia Militar, em particular os chamados “praças”, visando superar preconceitos recíprocos. “Fizemos isso com oficinas de rap, dança, basquete de rua e grafitagem, que nos foram oferecidas pelo Afroreggae”, acrescenta Sapori, lembrando que o programa acabou concentrado no 22º Batalhão da Polícia Militar, com sede no Bairro Santa Lúcia, e no 34º BPM, no Caiçara.
“Inicialmente, seriam apenas quatro meses, mas acabamos ficando quatro anos”, recorda José Júnior. De acordo com Luiz Flávio Sapori, cerca de 100 PMs de BH participaram das oficinas ministradas pela ONG carioca, consolidando a carreira de um grupo de percussão formado pelos praças, que acabou ganhando repercussão nacional. “Quando a gente vê a polícia pacificada aqui no Rio, não dá para esquecer o que vivemos em Minas”, diz o coordenador do Afroreggae. “Devemos muito a BH. Hoje a polícia do mundo inteiro procura a gente.”
Resistência
A partir de 2007, no entanto, constata Luiz Flávio Sapori, o projeto foi perdendo força. “Houve aquele momento em que a iniciativa voluntária começa a enfrentar o desafio da institucionalização. Como a PM ia formalizar o projeto em sua estrutura organizacional? Como o governo, por meio da Secretaria de Estado de Defesa Social, ia arrumar recursos para dar sustentação a ele?”, interroga-se o ex-secretário adjunto, lembrando que nem uma coisa nem outra aconteceram, com o Juventude e Polícia praticamente deixando de existir.
“Lamento, porque foi um dos projetos mais inovadores na área”, prossegue Sapori. Como faz questão de lembrar o sociólogo, a violência sempre foi a marca da relação conflituosa entre a juventude da periferia e a PM. “O projeto tinha um potencial enorme de expansão, além da capacidade de transformação de uma realidade existente. Principalmente na periferia. Mas teria de ser assumido de maneira mais intensa pela PM, mas alguns setores da corporação deixaram de vê-lo com bons olhos”, lembra.
José Júnior anuncia que depois do carnaval vai se encontrar com o governador Antonio Anastasia, que, coincidentemente, era o secretário de Defesa Social à época do projeto. “A ideia é que nos 20 anos do Afroreggae a gente retorne para desenvolver novas ações em Minas Gerais. Queremos voltar para a nossa casa”, afirma. “Nunca fomos tão bem tratados. Da PM aos moradores de aglomerados, passando pela imprensa. Desde então, aprendi a amar Minas Gerais por tudo que fizeram pela gente”, conclui.
Isto é afroreggae
» R$ 20 milhões de orçamento anual
» 3 mil pessoas, egressas do sistema penal e moradores de favelas, encaminhadas para o trabalho com carteira assinada
» 300 funcionários contratados
» 280 multiplicadores formados em Londres, de 2006 a 2012
» 40 projetos em execução
» 9 grupos artísticos (AR 21, Afro Circo, Afro Lata, Afro Samba, Párvati, Trupe de Teatro, Makala Música & Dança, Orquestra Afroreggae e Bloco Afroreggae)
» 7 centros culturais multimídia, todos no Rio
» 6 núcleos (Vigário Geral, Parada de Lucas, Nova Iguaçu, Complexo do Alemão, Cantagalo e Vila Cruzeiro)
» 3 programas de TV (Conexões urbanas, já na sexta temporada, e Papo de polícia, na terceira, ambos no Multishow) além de Mulher de bandido, que estreia em março, no GNT)
» 1 aplicativo sobre blocos do carnaval carioca, em parceria com a Catraca Livre, que acaba de ser lançado – Carnaval de Rua – Catraca Livre
» 1 loja virtual
» 1 portal
» 1 produtora
Informações: www.afroreggae.org
Com cerca de 40 projetos – o foco hoje é TV e internet –, por meio dos quais o coordenador José (Pereira de Oliveira) Júnior, de 44 anos, administra orçamento anual de R$ 20 milhões, o Afroreggae comemora duas décadas de atuação de olho no futuro.
Além do desejo de retornar a BH, considerada a segunda pátria da ONG, está acertada a abertura de escritórios de representação em Minas e em São Paulo. Na capital paulista, o grupo também vai desenvolver trabalho social no entorno do Itaquerão, novo estádio do Corinthians. Paralelamente, a marca do time paulistano está sendo levada pelo Afroreggae para o Rio, onde será montado um centro de treinamento de MMA, no Complexo do Alemão.
“Bebemos muito na fonte de Minas Gerais”, reconhece José Júnior, lembrando que, no início, o público não entendia a mistura que eles faziam de congado com funk e reggae. Por outro lado, a atuação do grupo crescia a ponto de os próprios integrantes se surpreenderem com a repercussão do trabalho artístico-social. Ainda dentro das comemorações de aniversário, depois do sucesso das séries Conexões urbanas e Papo de polícia, em parceria com o canal Multishow, a ONG carioca vai lançar em março, no GNT, a série Mulher de bandido.
“Nós conseguimos tirar gente do narcotráfico, fazer mediação de conflitos e, por meio da música, quebrar paradigmas, conceitos e preconceitos”, afirma, orgulhoso, José Júnior. Além da atuação em diferentes regiões de risco social, nas Olimpíadas 2012, em Londres, o Afroreggae chegou à Inglaterra, onde também desenvolveu ações. “Se antes éramos vistos como bandidos pela própria polícia, acabamos tendo a oportunidade de transformá-los em multiplicadores culturais”, comemora o coordenador.
“Toda e qualquer ação para melhoria e desenvolvimento humano e social é sempre bem-vinda”, apoia Santone Lobato. “Por mais que possa haver divergências em relação à atuação do Afroreggae hoje, enquanto projeto social ele salvou muitas vidas e, apesar de não ser uma igreja ou religião, continua salvando muitas almas”, acrescenta o percussionista mineiro. O rapper Flávio Renegado, do Negros da Unidade Consciente (NUC), que também firmou parceria com a ONG carioca no Alto Vera Cruz, lembra que a dobradinha ajudou a apontar caminhos na trajetória da organização mineira.
“Na época, achei o Juventude e Polícia (projeto criado em 2004, numa parceria entre o Afroreggae e a Secretaria de Estado da Defesa Social) muito ousado, porque mudava a questão de o Estado simplesmente agir como órgão repressor, para começar a explorar outro parâmetro dessa relação, atuando como agente social”, recorda o rapper. Depois de levar artistas como Caetano Veloso e Regina Casé ao Vigário Geral, em pleno 1995, quando ninguém conseguia chegar à favela, dominada pelo narcotráfico, o Afroreggae assinava, em 2001, contrato com a multinacional do disco Universal Music, pelo qual lançou seus principais discos. Madonna e outras celebridades também visitaram o local.
A história da ONG começa, na verdade, com o lançamento do jornal Afro Reggae Notícias, em 1993, na Lapa carioca. Em decorrência da chacina ocorrida no mesmo período na favela de Vigário Geral, foi criado o Grupo Cultural Afroreggae, que se desdobraria em ações e programas que mais tarde seriam imitados e adotados em outras regiões.
Para vencer preconceitos
Belo Horizonte, 2004. De acordo com o então secretário-adjunto de estado de Defesa Social, Luiz Flávio Sapori, ele foi procurado pelo Afroreggae com a proposta de desenvolver trabalho nos batalhões da Polícia Militar. “Achei a ideia inovadora e instigante, fechando acordo com o comando da PM à época”, recorda o professor e sociólogo, que hoje é coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas.
Sapori resolveu então implementar o projeto Juventude e Polícia, com o objetivo de aproximar os jovens da periferia e a Polícia Militar, em particular os chamados “praças”, visando superar preconceitos recíprocos. “Fizemos isso com oficinas de rap, dança, basquete de rua e grafitagem, que nos foram oferecidas pelo Afroreggae”, acrescenta Sapori, lembrando que o programa acabou concentrado no 22º Batalhão da Polícia Militar, com sede no Bairro Santa Lúcia, e no 34º BPM, no Caiçara.
“Inicialmente, seriam apenas quatro meses, mas acabamos ficando quatro anos”, recorda José Júnior. De acordo com Luiz Flávio Sapori, cerca de 100 PMs de BH participaram das oficinas ministradas pela ONG carioca, consolidando a carreira de um grupo de percussão formado pelos praças, que acabou ganhando repercussão nacional. “Quando a gente vê a polícia pacificada aqui no Rio, não dá para esquecer o que vivemos em Minas”, diz o coordenador do Afroreggae. “Devemos muito a BH. Hoje a polícia do mundo inteiro procura a gente.”
Resistência
A partir de 2007, no entanto, constata Luiz Flávio Sapori, o projeto foi perdendo força. “Houve aquele momento em que a iniciativa voluntária começa a enfrentar o desafio da institucionalização. Como a PM ia formalizar o projeto em sua estrutura organizacional? Como o governo, por meio da Secretaria de Estado de Defesa Social, ia arrumar recursos para dar sustentação a ele?”, interroga-se o ex-secretário adjunto, lembrando que nem uma coisa nem outra aconteceram, com o Juventude e Polícia praticamente deixando de existir.
“Lamento, porque foi um dos projetos mais inovadores na área”, prossegue Sapori. Como faz questão de lembrar o sociólogo, a violência sempre foi a marca da relação conflituosa entre a juventude da periferia e a PM. “O projeto tinha um potencial enorme de expansão, além da capacidade de transformação de uma realidade existente. Principalmente na periferia. Mas teria de ser assumido de maneira mais intensa pela PM, mas alguns setores da corporação deixaram de vê-lo com bons olhos”, lembra.
José Júnior anuncia que depois do carnaval vai se encontrar com o governador Antonio Anastasia, que, coincidentemente, era o secretário de Defesa Social à época do projeto. “A ideia é que nos 20 anos do Afroreggae a gente retorne para desenvolver novas ações em Minas Gerais. Queremos voltar para a nossa casa”, afirma. “Nunca fomos tão bem tratados. Da PM aos moradores de aglomerados, passando pela imprensa. Desde então, aprendi a amar Minas Gerais por tudo que fizeram pela gente”, conclui.
Isto é afroreggae
» R$ 20 milhões de orçamento anual
» 3 mil pessoas, egressas do sistema penal e moradores de favelas, encaminhadas para o trabalho com carteira assinada
» 300 funcionários contratados
» 280 multiplicadores formados em Londres, de 2006 a 2012
» 40 projetos em execução
» 9 grupos artísticos (AR 21, Afro Circo, Afro Lata, Afro Samba, Párvati, Trupe de Teatro, Makala Música & Dança, Orquestra Afroreggae e Bloco Afroreggae)
» 7 centros culturais multimídia, todos no Rio
» 6 núcleos (Vigário Geral, Parada de Lucas, Nova Iguaçu, Complexo do Alemão, Cantagalo e Vila Cruzeiro)
» 3 programas de TV (Conexões urbanas, já na sexta temporada, e Papo de polícia, na terceira, ambos no Multishow) além de Mulher de bandido, que estreia em março, no GNT)
» 1 aplicativo sobre blocos do carnaval carioca, em parceria com a Catraca Livre, que acaba de ser lançado – Carnaval de Rua – Catraca Livre
» 1 loja virtual
» 1 portal
» 1 produtora
Informações: www.afroreggae.org
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