Redesenho urbano e criação de novos espaços públicos orientam maiores bienais de arte deste ano
Nos últimos meses, tratores vêm arrasando o centro antigo de Charjah, emirado vizinho a Dubai, para construir novos espaços de exposição. Em Istambul, está em debate a construção de uma nova ponte sobre o Bósforo, canal que separa a Ásia da Europa na metrópole turca.
Veneza planeja erguer uma enorme torre de escritórios em sua zona continental, que pode ofuscar os canais com a sua sombra. Obras também tomam conta do cais do rio Guaíba, em Porto Alegre, que deverá virar um grande polo de lazer até a Copa de 2014.
Mais do que a transformação, essas cidades têm em comum o fato de receberem as maiores mostras de arte contemporânea deste ano.
De olho nas mutações de planos urbanos, curadores das bienais de Charjah, Veneza, Lyon, Moscou e do Mercosul, que acontece em Porto Alegre, estão escalando artistas que também veem no redesenho urbano e na criação de novos espaços públicos um motor para suas obras.
Tomando como base os pátios abertos da arquitetura árabe tradicional, a japonesa Yuko Hasegawa, que está à frente da próxima Bienal de Charjah, marcada para março, convidou artistas para ocuparem essas praças.
Um pavilhão transparente, de plástico e acrílico desenhado pelo escritório Sanaa, vencedor do prêmio Pritzker, estará numa delas. Sara Ramo, artista espanhola radicada no Brasil, fará uma instalação num andar inteiro de um banco agora desativado.
"Esses pátios são metáforas do espaço público", diz Hasegawa à Folha. "São espaços que têm uma memória local ao passo que são atravessados por várias correntes históricas de migração."
Esse trânsito de culturas também alimenta a próxima Bienal de Istambul, em setembro. "Há projetos que prometem mudar toda a cidade", diz Fulya Erdemci, curadora da mostra turca. "A Bienal vai focar espaços que estão no limbo, perderam o propósito e aguardam novas funções, chamando artistas para discutir essas transformações."
No caso, são ações marcadas para ocorrer em escolas, antigos tribunais de justiça, agências de correio e até portos desativados de Istambul.
Em Porto Alegre, uma das sedes da Copa-2014, obras urbanas expulsaram a Bienal do Mercosul de seu endereço histórico nos armazéns do cais do rio Guaíba.
Esse deslocamento deve pôr em evidência outros espaços culturais da cidade, como a Usina do Gasômetro e até algumas fábricas da capital gaúcha, onde artistas escalados para a mostra deverão produzir algumas obras.
"Estou interessada nas obras de arte que opõem as noções de experimentação nos campos da cultura e da indústria", diz a mexicana Sofía Hernández Chong Cuy, curadora da Bienal do Mercosul. "Por isso, teremos uma série de colaborações com empresas e indústrias da região, que estão abrindo suas portas para nossos artistas."
Na mesma pegada, as mostras da Bienal de Lyon, marcada para setembro, já se dividem entre um museu, um centro cultural e uma antiga refinaria de açúcar, mas este ano vão além, espalhando obras de seus artistas por uma centena de casas e apartamentos da cidade francesa.
"Queremos que as pessoas convidem seus amigos para ver parte da mostra em casa", diz o islandês Gunnar Kvaran, curador de Lyon. "Nos últimos anos, bienais têm focado muito a história da arte e se parecem com museus. Mas o ideal é que façam o contrário e sirvam para testar novos terrenos ainda em ascensão."
São esses terrenos, mais livres e híbridos, que a belga Catherine de Zegher, curadora da Bienal de Moscou, quer ocupar na capital russa. "Um questão da mostra é perguntar o que aconteceu com os espaços livres. O mundo está cada vez mais loteado em espaços corporativos", diz ela.
Marcada para setembro num antigo estábulo que ganhou roupagem neoclássica ao lado do Kremlin, a bienal russa tenta discutir como diferentes noções de tempo e espaço de culturas distintas entram em conflito quando ocupam o mesmo espaço.
"A Rússia é um enorme campo de tensão entre Ocidente e Oriente, norte e sul. Há uma colisão de culturas e influências", afirma Zegher.
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