Criminalistas dizem rejeitar clientes que querem fazer acordo com a Justiça
Instrumento que dá benefício a réus colaboradores ajuda a combater organizações criminosas, dizem juízes
A legislação estimula criminosos a colaborar com investigações criminais em troca de benefícios como redução da pena em até dois terços e até o perdão judicial.
"Eu não trabalharia para ninguém que fizesse a delação", afirma o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que tem entre seus clientes governadores e parlamentares. "Não sou do Ministério Público e não sou polícia."
O caso mais notório de delação premiada no Brasil permitiu comprovar o envolvimento do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e de dezenas de políticos no esquema de corrupção conhecido como mensalão do DEM, no fim de 2009.
O ex-secretário do governo Durval Barbosa filmou durante meses encontros em que distribuiu propina aos políticos beneficiados pelo esquema, e depois entregou o material às autoridades.
Barbosa obteve nove perdões judiciais, oito na área criminal e um na cível, por ter colaborado com a investigação. "O caso é sem precedentes no Brasil e desafiador", diz a advogada Margareth Almeida, que defende Barbosa.
O desembargador George Lopes Leite, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, escreveu que concedeu os perdões para incentivar "a delação premiada de organizações que não possam ser alcançadas pelos sistemas tradicionais de investigação".
Para o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, o Estado não deveria incentivar alguém a trair seus pares, mesmo que para denunciar um esquema criminoso.
"Não gosto da instituição da delação premiada. Mexe com os piores instintos do ser humano", afirma Thomaz Bastos, que no ano passado defendeu o ex-executivo do Banco Rural José Roberto Salgado, um dos condenados no julgamento do mensalão.
O doleiro Lucio Bolonha Funaro, dono de uma empresa que repassou recursos do mensalão, foi excluído do processo após concordar em colaborar com a Procuradoria-Geral da República.
Outros advogados que atuaram no caso criticam o instituto da delação premiada por considerá-lo ineficaz. "Quem troca a liberdade vai dizer o que quer que digam", afirma Arnaldo Malheiros, que defende o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
O advogado José Luís de Oliveira Lima, que defende o ex-ministro José Dirceu no mensalão, também considera a eficácia da lei duvidosa. "Procuro não atuar [com o instrumento]", diz. "Não é algo com que me sinta confortável."
Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, que já homologou diversos acordos de delação premiada, a resistência dos advogados tem outra razão. "A opção pela não delação passa a ser vantajosa porque sabe-se que, de alguma forma, o processo criminal não vai ser eficaz", afirma.
Há dezenas de projetos no Congresso para reformar a legislação sobre o tema. O mais avançado está em discussão no Senado e cria mecanismos que podem incentivar os acordos com os delatores.
Se o projeto for transformado em lei, na maioria dos casos caberá aos juízes apenas homologar os acordos feitos pelo Ministério Público, sem que possam rejeitá-los como hoje, e réus poderiam se tornar colaboradores mesmo após a sentença judicial.
ANÁLISE
Recurso jurídico é precioso meio de prova, mas ainda faltam regras
CELSO VILARDIESPECIAL PARA A FOLHAA delação pode ser traduzida como uma traição premiada. Daí porque sempre foi estigmatizada. Apesar das críticas de ordem ética, a delação premiada é um importante instrumento de investigação e vem sendo utilizada em países em que o Estado democrático de direito é efetivo.Com o aumento da criminalidade, em especial da organizada, a delação é um precioso meio de prova, propiciando revelações que só um membro da organização poderia fazer e, com isso, favorecendo processos e condenações de criminosos perigosos.
Nem por isso, vale ressaltar, a palavra do delator deve ser considerada como verdade absoluta. Ao contrário, a delação precisa ser confirmada por outras provas ao longo do processo, sob o crivo do contraditório.
A delação tem sido utilizada com frequência cada vez maior, mas seus resultados, até o momento, são apenas razoáveis. Isso porque o ordenamento carece de regras que regulem a forma como a delação deve ser negociada, formalizada e investigada.
Por exemplo, não há nada que impeça o juiz de participar das negociações. O magistrado deve ser imparcial, cabendo-lhe analisar se o conteúdo da delação pode embasar um decreto condenatório e o grau de benefício merecido pelo delator.
SECRETA
Da mesma forma, não foi estabelecido o momento em que a delação deve surgir nos autos, nem se o conteúdo deve ser exposto na íntegra. Mesmo quando a delação deixa de ser secreta, nossas autoridades insistem em esconder a íntegra do depoimento, sob o argumento de que não se deve expor o delator.
Ora, se a delação pode livrar um criminoso da prisão, é necessário que suas palavras sejam confrontadas, especialmente para se certificar de que são verdadeiras.
Se há risco à sua integridade física, cabe ao Estado tomar providências para impedir qualquer agressão, sem, contudo, restringir importante debate sobre um tema que pode gerar graves consequências para as partes envolvidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário