quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Registro de referência, disco introduz músico ao século 21 [Camargo Guarnieri]

folha de são paulo

Max Barros inicia gravação integral de Camargo Guarnieri
Pianista apresenta 1º álbum duplo da obra completa do compositor, morto há 20 anos
IRINEU FRANCO PERPETUOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAAlém dos bicentenários de nascimento de Verdi e Wagner, 2013 marca, no mundo da música, os 20 anos de falecimento de um dos principais compositores brasileiros do século 20, o paulista Camargo Guarnieri (1907-1993).
Celebrando a efeméride, o selo Naxos, de distribuição internacional, acaba de lançar o primeiro volume da gravação integral de suas obras para piano, por Max Barros.
Generoso, o disco duplo traz, entre outras composições, os 50 "Ponteios" do compositor nacionalista.
"A escrita pianística de Guarnieri apresenta muitos desafios, pois sua linguagem é bastante complexa", afirma Barros. "O uso constante de polifonia, por exemplo, requer uma independência completa das vozes. A estrutura rítmica de suas obras apresenta vários níveis que se justapõem de maneira bastante intrincada, e tudo isso precisa soar claro na execução das obras."
Nascido na Califórnia, criado no Brasil e radicado em Nova York desde 1984, ele gravou para a Naxos, entre 2003 e 2007, os seis concertos de Guarnieri para piano e orquestra, acompanhado pela Filarmônica de Varsóvia, sob a batuta de Thomas Conlin.
"No processo de preparar os concertos para gravação, desenvolvi uma afinidade natural pelo estilo e pela linguagem de Guarnieri, e senti que deveria gravar as obras para piano, como uma consequência natural do meu envolvimento com os concertos", conta o pianista.
INTEGRAL
A maioria das peças já teve registro separado, por diversos intérpretes, mas essa será a primeira gravação integral, por um só pianista. Boa parte do material está disponível em edições das editoras Ricordi Brasileira e Irmãos Vitale.
"Fiz um trabalho minucioso de correção das edições, baseando-me nos manuscritos e em outros tipos de documentos como testemunhos e gravações do próprio Guarnieri. Infelizmente, as correções do próprio Guarnieri para os 'Ponteios' foram perdidas", afirma.
A empreitada deve ocupar seis CDs e durar três anos. "Ao estudar as obras para gravação, uma das minhas preocupações fundamentais foi manter o caráter de brasilidade que permeia toda a obra de Guarnieri, mas ao mesmo tempo deixar clara a enorme evolução estilística que ocorreu durante sua longa carreira como compositor", diz.


    CRÍTICA / MÚSICA ERUDITA
    SIDNEY MOLINACRÍTICO DA FOLHAAo assinar uma polêmica "Carta Aberta", em 1950, Camargo Guarnieri (1907-93) foi associado ao pensamento musical conservador, na contramão das poéticas que nasciam com a Guerra Fria.
    Paradoxalmente, contudo, ele talvez seja um dos compositores brasileiros mais próximos da proposta de Arnold Schoenberg (1874-1951) de conectar melodia, contraponto, harmonia e ritmo num desenvolvimento integral coeso.
    De fato, a percepção da força de sua obra tem aumentado com o passar do tempo. Um exemplo: em junho, a Osesp apresentará a "Sinfonia nº 4" ao lado da radical "Sinfonia" de Luciano Berio (1925-2003) em programa central da temporada.
    Gravações recentes também contribuem para esse resgate. É o caso do CD duplo recém-lançado pelo pianista Max Barros, o primeiro volume da integral para piano solo do compositor paulista para o selo Naxos.
    O novo álbum traz as três famosas danças ("Brasileira", "Selvagem" e "Negra"), a "Suíte Mirim", a impressionante "Sonata" (1972) e o ciclo dos cinquenta "Ponteios".
    Divididos em cinco cadernos, os "Ponteios" (1931-59) formam talvez o mais importante ciclo da história do piano brasileiro. Já no segundo livro (1947-49), Guarnieri inverte de vez a esperada alternância de andamentos. O ciclo impõe sua escrita elaborada, tensa e melancólica.
    No "Ponteio" nº 12, uma obstinada figura tonal na mão esquerda convive com uma torrente de notas sem tonalidade clara, que desloca tudo. Com clareza, Barros enfatiza a reexposição variada, que poderia passar despercebida dada a densidade.
    Já no nº 16, uma melodia modal grave toma conta do discurso até quase o final, quando surge fugaz no agudo, apenas para se despedir.
    É uma gravação de referência - a integral anterior dos "Ponteios", por Laís de Souza Brasil, foi de 1979 -, e que ajuda a lançar internacionalmente Guarnieri como compositor do século 21.

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