terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ciência no rastro do crime-Flávia Ayer‏

Com material biológico de vítimas e vestígios de cenas, Polícia Civil monta, com ajuda do FBI, banco de DNA para identificar com rapidez culpados em casos de difícil solução 

Flávia Ayer
Estado de Minas: 12/02/2013 
Uma mancha de sangue, um fio de cabelo, uma gota de esperma. Evidências de crimes que ficavam restritas a investigações pontuais começam a compor em Minas um banco de material genético para rastrear bandidos. Comum em seriados de TV e usado por serviços de inteligência internacionais, o sistema finalmente se consolida no estado e promete revolucionar o trabalho da perícia. Antes usado apenas em crimes sexuais, o banco de DNA mineiro incluirá vestígios das cenas do crime, material biológico de cadáveres desconhecidos, de mortos em desastres em massa e condenados por crimes hediondos. De imediato, o sistema surge com a intenção de ser o maior do país, de acordo com o Instituto de Criminalística da Polícia Civil. Até o meio do ano, a expectativa é de chegar a 1 mil perfis genéticos cadastrados.

Já é um início, mas ainda está muito distante da marca de 12 milhões de amostras registradas pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), nos Estados Unidos. Foi a instituição que cedeu o Codis, software que começa a ser usado em Minas e está presente em mais 14 estados. Os dados lançados pela polícia mineira farão parte de uma rede nacional que usará o DNA para resolver casos que, sem a tecnologia, seriam de difícil solução. Apesar de não usar a plataforma Codis, a experiência com o banco de evidências sexuais, trabalho pioneiro em Minas e que este ano completa 10 anos, é exemplo disso e mostra a potencialidade do uso da tecnologia nas investigações.

Por causa da prova do DNA, a polícia acaba de pôr atrás das grades um maníaco que estuprou pelo menos oito mulheres na região do Bairro Morro Alto, em Vespasiano, na Grande BH. Sem dar detalhes da investigação sigilosa, a delegada responsável pelo caso, Talita Martins Soares, conta que o autor dos crimes usava touca ninja, luvas e artifícios que dificultavam sua identificação. Mas, como o material genético do agressor havia sido coletado de uma das vítimas, a prova do DNA comprovou ser o suspeito de fato o culpado pelo crime. “Era um pai de família, trabalhador, acima de qualquer suspeita. Não há dúvida de que a comparação de DNA nestes casos se torna uma prova quase irrefutável, por isso a importância da coleta e a preservação do material biológico”, afirma.

CRIMES SEXUAIS Casos célebres também tiveram solução no banco de material genético. Em 2010, veio à tona a história de Marcos Antunes Trigueiro, que violentou e estrangulou cinco mulheres na Grande BH. O cruzamento entre o DNA dele e os vestígios genéticos deixados nas vítimas deu à polícia a certeza de estar diante do serial killer. De acordo com a bioquímica Maria Jenny Mitraud, perita criminal da Seção Técnica de Biologia Legal do Instituto de Criminalística, desde o início do banco houve a identificação de 17 perfis de maníacos que praticavam crimes em série. 

O banco de evidências de crimes sexuais conta hoje com 745 amostras, que serão transferidas para o Codis. Também estão sendo inseridos vestígios recolhidos em locais de crimes pela perícia. “Passamos a inserir o DNA de amostras de sangue, esperma e, em breve, faremos o cruzamento desses perfis genéticos com bancos de todo o país”, explica o perito da Biologia Legal da Criminalística Giovanni Vitral Pinto. Dessa forma, a polícia pode descobrir, por exemplo, que o material genético de um suspeito de um crime em outro estado é o mesmo de um caso até então sem solução em Minas.

Outra função do banco de DNA é a identificação de cadáveres de desconhecidos e mortos em desastres em massa, como incêndios ou quedas de aviões. “Os parentes fornecem material genético de referência e o sistema constrói possíveis vínculos, verificando qual daqueles corpos cadastrados poderia ser o da vítima procurada”, explica Giovanni, que ressalta ainda o uso do banco para inocentar suspeitos. “Pessoas que estão sendo acusadas de algum crime podem provar que são inocentes pelo material genético.”
Coleta obrigatória de material genético

A ampliação do banco de material genético criminal e a integração com os de outros estados dependem ainda da publicação de um decreto regulamentando a Lei 12.654, que entrou em vigor em novembro e prevê a coleta do perfil genético como forma de identificação criminal. O Ministério da Justiça informou que o documento está na Casa Civil, e que não há informação sobre quando sairá o decreto. De acordo com a Polícia Federal, que firmou acordo com o FBI permitindo o uso do sistema Codis, é o decreto que tornará oficial a Rede Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG).

A lei prevê que condenados por crimes hediondos sejam submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético pela extração do DNA, por técnica adequada e indolor. Com isso, ficará mais fácil cercar criminosos em caso de reincidência. Antes da lei, sancionada em maio pela presidente Dilma Rousseff, a legislação brasileira não previa a coleta de material biológico dessa maneira.


PALAVRA DE ESPECIALISTA: ROBSON SÁVIO, INTEGRANTE DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 

Mais controle do cidadão
Tudo que é feito no sentido de melhorar a qualidade da investigação é um valor agregado, ainda mais no Brasil, onde 90% dos homicídios não têm solução e os inquéritos policiais são peças baseadas em discursos e na subjetividade. Mas não adianta ter melhor tecnologia, se não há recurso humano suficiente nem aperfeiçoamento constante. Outra questão é que o uso dessas ferrramentas de ponta aumenta o controle do Estado sobre o cidadão. A contrapartida da implantação desses sistemas é a garantia de que esses dados não vão ser usados de forma autoritária pelo poder público nem inadequada pelos agentes.

Ações contra crimes sexuais 
Flávia Ayer
Os crimes sexuais estão na mira do Ministério Público estadual. A Promotoria de Justiça da Infância e Juventude elabora uma recomendação para que a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) encaminhem vítimas de estupros apenas a hospitais que são centros de referência ao atendimento à violência sexual. O documento deve ser assinado até o fim do mês. Nesses locais, além do tratamento contra doenças e traumas, os vestígios deixados pelo agressor são recolhidos e enviados ao Instituto de Criminalística. O material genético é decodificado e compõe um banco de DNA dos crimes sexuais.

Por meio de uma parceria com a Polícia Civil, hospitais credenciados são autorizados a recolher a prova pericial. Fazem parte da rede conveniada em Belo Horizonte a Maternidade Odete Valadares, o Hospital Júlia Kubitschek, o Hospital das Clínicas e o Odilon Behrens, além da Maternidade Municipal de Contagem, o Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em Nova Lima, e casas de saúde de Pirapora, no Norte de Minas, e Ituiutaba, no Triângulo. “Nos hospitais credenciados, as vítimas recebem atendimento individualizado e fazem a coleta do material”, reforça a promotora de Justiça da Infância e Juventude Maria de Lurdes Rodrigues Santa.

Desde a assinatura do protocolo autorizando o recolhimento das provas, em 2011, os hospitais de BH enviaram 228 amostras de material genético ao Instituto de Criminalística, que mantém 745 perfis genéticos registrados no banco de DNA de crimes desse tipo. O cadastro prioriza casos em que há suspeitos ou o mesmo modus operandi, que pode indicar a atuação de maníaco sexual. “Temos mais de 5 mil amostras na cadeia de custódia”, explica a perita criminal da Seção Técnica de Biologia Legal do Instituto de Criminalística, a bioquímica Maria Jenny Mitraud. As amostras que não foram inseridas no banco ficam à disposição da Polícia Civil.

Antes, pessoas violentadas sexualmente na capital tinham que percorrer caminho doloroso. Na delegacia, a vítima prestava queixa e era encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para o exame de corpo de delito. Só depois ia para o hospital, onde recebia tratamento. Se a porta de entrada era o hospital, nem sempre a vítima fazia a denúncia e o exame de corpo de delito. “O atendimento que a vítima faz no hospital se transforma num laudo policial. O paciente recebe um tratamento muito mais eficaz, já que, no IML, ela não pode ser medicada. Além disso, evita a revitimização, ou seja, que a pessoa conte quatro ou cinco vezes a mesma história”, afirmar o médico-legista  Waterson Brandão.

CENTROS ESPECIALIZADOS
Pessoas violentadas sexualmente devem procurar imediatamente atendimento em hospitais de referência, onde será dado o tratamento médico e recolhidas provas materiais do crime. O material pode ser recolhido até 72 horas depois do ocorrido. É importante que as vítimas não tomem banho e levem roupas e objetos onde possam ser encontrados vestígios do agressor.
» Maternidade Odete Valadares
Avenida do Contorno, 9.494
Bairro Prado. (31) 3291-5595 

» Hospital Júlia Kubitschek 
Rua Doutor Cristiano Resende, 2.745
Bairro Araguaia. (31) 3389-7800

» Hospital das Clínicas da UFMG

Avenida Professor Alfredo Balena, 110
Bairro Santa Efigênia. (31) 3409-9300

» Hospital Odilon Behrens 
Rua Formiga, 50
Bairro São Cristóvão. (31) 3277-6122

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