terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

JOÃO ANTONIO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Fazer da política o interesse público
A transformação da crítica de vereadores em instrumento de defesa de interesses particulares não cabe em uma relação republicana
São Paulo é uma cidade multifacetada, mundialmente conhecida, exerce influência no território nacional e internacional por seu potencial econômico, cultural e político. O município está entre os dez maiores PIBs do mundo. Isoladamente representa 12,26% do PIB nacional e 36% de toda a produção de bens e serviços do Estado de São Paulo.
Mais de 60% das sedes de empresas multinacionais instaladas no Brasil estão na cidade, responsável também por 28% de toda a produção científica do país. É uma cidade com uma diversidade econômica e cultural que impressiona.
Se, por um lado, os dados demonstram sua pujança desenvolvimentista, por outro, revelam uma cidade repleta de vulnerabilidades próprias de suas características históricas -em particular, no campo social, por conta da má distribuição das riquezas aqui produzidas. A capital se agigantou sem planejamento estratégico e a ocupação de sua malha urbana ficou à mercê dos interesses econômicos.
A principal metrópole brasileira cresce desordenamente. Romper com esse ciclo de fragmentação do tecido social do nosso município é um dos desafios do prefeito Fernando Haddad. Iniciado o novo governo, a expectativa dos paulistanos é ver uma administração que combine eficiência dos serviços públicos, planejamento estratégico e equilíbrio nas relações políticas que envolvem os interesses da cidade.
No campo do equilíbrio político, é fundamental que o relacionamento do Executivo com o Legislativo tenha contornos precisos. A articulação política do governo Haddad tem como norte o respeito à autonomia da Câmara Municipal e o estabelecimento de uma pauta programática comum, focada nas prioridades da população. A propósito, esse é o melhor remédio para combater o pragmatismo político e eventuais interesses patrimonialistas.
O caminho traçado pelo governo para a consolidação de sua base de sustentação no Legislativo -composta por uma ampla coalização partidária- envolve ações coordenadas entre esses dois Poderes. Embora cumpram papéis distintos, Executivo e Legislativo não exercem atividades contraditórias, pois ambos devem fortalecer o papel do Estado de promover o desenvolvimento integral e a dignidade do ser humano.
Se cabe ao Executivo a implementação de um programa de governo, ao Legislativo cabe o debate plural, visto que este é composto de representações partidárias que expressam variados programas e ideologias.
Um bom chefe do Executivo demonstra sua capacidade quando atende aos anseios da coletividade. Já um bom Parlamento é aquele capaz de elaborar boas leis, aperfeiçoar projetos originários do Executivo e fazer um eficiente controle externo -a fiscalização.
Todo mundo concorda que não faz bem à democracia e à saúde política da cidade a existência de relações promíscuas entre prefeitura e Câmara, e a sociedade cobra dos seus representantes posturas éticas e altivas. As críticas do Parlamento em sintonia com o interesse público merecem respeito. O que não cabe numa relação republicana é a transformação da crítica em instrumento de defesa de interesses particulares ou de grupos.
De sua parte, o governo Fernando Haddad fará da ponderação, da serenidade e do respeito à pluralidade de opiniões um método de ação com os vereadores para que as eventuais tensões entre os dois Poderes sejam amortecidas pelo respeito aos marcos legais e às regras do jogo democrático.
A construção de uma base de sustentação política do governo no Legislativo não pode estar dissociada do interesse público. A cidade só tem a ganhar quando Executivo e Legislativo se respeitam, e ambos respeitam a população.


EDSON ROGATTI
TENDÊNCIAS/DEBATES
O risco de colapso das Santas Casas
A cada R$ 100 gastos na assistência pública, apenas R$ 65 são ressarcidos pelo governo. O SUS deixou de cumprir sua obrigação
As Santas Casas e hospitais beneficentes iniciam 2013 com dívidas de R$ 12 bilhões. Até o final do ano, o valor será de cerca de R$ 17 bilhões, considerando o deficit anual de mais R$ 5 bilhões nos contratos e convênios com o SUS (Sistema Único de Saúde).
Em 2011 -e a situação em 2012 foi semelhante, embora o rombo ainda não tenha sido totalmente contabilizado-, o custo nessas modalidades de atendimento foi de R$ 14,7 bilhões e a remuneração para as entidades, de R$ 9,6 bilhões.
Esse cenário se arrasta há anos e não existem indicações de que uma solução esteja a caminho. Nessas condições, muitas instituições não sobreviverão até 2014. Fecharão as portas ou diminuirão sensivelmente o volume de atendimento ao SUS.
Atualmente, a cada R$ 100 gastos na assistência pública, apenas R$ 65 são ressarcidos pelo governo. Essa diferença é ainda maior nos atendimentos de média e baixa complexidade, tanto ambulatorial como hospitalar.
Do total da dívida, 44%, ou R$ 5 bilhões, é devido ao setor financeiro, com a incidência permanente de juros. Ou seja, amanhã o valor já será maior. Esse passivo crescente, é importante lembrar, existe porque o SUS deixou de cumprir sua obrigação no acordo que celebrou com as instituições filantrópicas para viabilizar sua criação. Naquela ocasião, o Estado não tinha -e ainda não tem- estrutura suficiente para oferecer o atendimento público e universal ao qual se propôs e é obrigado pela Constituição.
As entidades beneficentes são responsáveis por mais da metade do atendimento público no país. Embora tenham a obrigação de oferecer 60% da sua capacidade ao SUS, a grande maioria põe à disposição mais de 90%. Em várias, a assistência é integral. E 56% delas estão localizadas em municípios com até 30 mil habitantes, onde normalmente é a única alternativa gratuita para a população.
O colapso -ou mesmo a diminuição no atendimento para o limite da lei- vai provocar um grave problema assistencial. E essa possibilidade é iminente.
O prejuízo é maior ao se analisar que os hospitais filantrópicos são eficientes. Operam com menos custos do que os federais e estaduais (que são cerca de cinco vezes mais caros) e recebem apenas um terço da remuneração paga às Organizações Sociais (OS).
Diante disso, as Santas Casas e hospitais beneficentes estão organizados em torno de reivindicações básicas, que consideram indispensáveis para o início de um processo de recuperação financeira.
No documento "Carta de Votuporanga", assinado por mais de 200 instituições que atendem a 31 milhões de usuários do SUS, solicitam 100% de reajuste sobre os cem procedimentos de média e baixa complexidade com maior incidência nos valores pagos pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do SUS em 2011, os quais corresponderam a 84% do total das internações realizadas, devendo ser incluídas as diárias na área da psiquiatria.
O impacto será de R$ 6,8 bilhões, se alcançarem todos os prestadores, ou cerca de R$ 4 bilhões somente com o setor das Santas Casas e hospitais filantrópicos. Isso poderá ser efetivado por meio da contratualização ampliada a todas as instituições (possibilidade de aumento de receita por meio do estabelecimento de metas qualitativas e quantitativas).
Também pedem anistia das dívidas relacionadas a tributos e/ou contribuições, a partir de lei específica, bem como a possibilidade de reestruturação do endividamento bancário.
Sem essas medidas, 2013 pode ser o ano do colapso do atendimento público realizado pela rede filantrópica de saúde.

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