Pequenas notáveis
Microeditoras, como A Bolha, oxigenam mercado com livros de alta qualidade
A fantástica fábrica de chocolates se foi. Mas quem sobe os cinco estreitos lances de escada que levam ao terraço da antiga Bhering, em Santo Cristo, encontra lá no topo um galpãozinho amarelo onde se produzem alguns dos melhores confeitos do mercado editorial brasileiro.
É ali que fica A Bolha, caprichosa editora de livros de arte, quadrinhos e ficção contemporânea que tem só duas funcionárias, suas sócias, a mineira Rachel Gontijo e a californiana Stephanie Sauer.
São elas que escolhem os títulos, negociam direitos, encomendam traduções, editam, cuidam da produção, impressão e, a partir de março, venderão os livros pedalando pela zona sul do Rio num triciclo batizado de A Bolha Móvel.
No bauzinho dessa minilivraria móvel viajarão obras de artistas e escritores de Finlândia, Reino Unido, França, Moçambique, Estados Unidos, Argentina e Canadá.
Criada há um ano e meio, a editora já publicou 15 títulos. Só dois são de brasileiros.
Um deles é o livro de arte "Talvez o Mundo Não Seja Pequeno", com desenhos do brasiliense Virgílio Neto, 26. O outro é "The Obscene Madame D", de Hilda Hilst.
Publicado em parceria com a editora nova-iorquina Nightboat Books, a versão para o inglês de "A Obscena Senhora D" é a primeira de uma série de obras de Hilst (1930-2004). Logo virão volumes gringos de "Cartas de um Sedutor" e "Fluxo-Floema".
A ligação d'A Bolha com os EUA não é fortuita. Foi lá que as fundadoras se conheceram, em 2006, quando estudavam na escola do prestigiado Art Institute of Chicago.
O inglês também é a língua que a brasileira Rachel, 34, escolheu para se expressar como escritora. Sua ficção já apareceu em boas publicações alternativas de língua inglesa, como "Action Yes", "Everyday Genius" e "Mandorla", e será neste idioma seu primeiro "romance".
As aspas ela mesma é quem sugere. "Primary Anatomy", ficção relacionada com livros de anatomia, será um livro sem um gênero muito definido.
CATÁLOGO
São assim boa parte das obras da editora. O "best-seller" da casa, por exemplo, se chama "Vá para o Diabo", do argentino Federico Lamas.
Do tamanho de uma caderneta de telefone, o livrinho tem apenas desenhos. Quando vistos através de um slide vermelho, mostram algo diferente (um simpático rapaz vira um lobisomem, Frida Kahlo vira Diego Rivera sentado sobre um crânio).
No catálogo d' A Bolha, há espaço para um livro em capa dura sobre jazz (do americano Studs Terkel), um livreto brochura apenas com desenhos de um rapaz fazendo sexo com neve ("Ice Fuckers", do francês Frédéric Fleury), para o quadrinho "udigrudi" de Gary Panter ("O Babaca") e para um delicado romance sueco chamado "A Traidora Honrada", de Tove Jansson.
Bem acabados, os livros são impressos em tiragens pequenas, em geral de mil exemplares. Não são comercializados em livrarias tradicionais, mas pelo site da editora e em lojas como a da estilista Isabela Capeto e a livraria Blooks (no Rio), além da paulistana Loja da Iara.
A Bolha também vende livros em sua sede, onde organiza animados microeventos culturais. Todo sábado, a editora realiza o happy hour "Hora Feliz". No próximo dia 26 de março, no mesmo espaço, ela promoverá seu festival de cinema. É o "A Bolha Open Air - o menor festival de cinema ao ar livre do Rio".
Artesanais aliam tradição a tecnologia para baixar preços
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAÉ como um fast food, diz o editor Vanderley Mendonça. Se alguém pede um hambúrguer, falta só fritar. O pão já está pronto, a salada também.A analogia diz respeito à agilidade do novo modelo de produção do selo Demônio Negro, mas tem sua ironia. Numa escala culinária de resultados, os livros que Mendonça edita decerto estariam mais para a alta gastronomia do que para um lanche rápido.
O selo já apostava desde 2009 num misto de impressão digital e acabamento artesanal para produzir, em pequenas tiragens, obras de qualidade como "O Guesa", de Sousândrade (1833-1902).
Mendonça agora reduziu ao máximo a ideia de tiragem. Alguns miolos dos títulos ficam prontos, à espera; o acabamento é feito quando há encomenda. Com isso, é possível inclusive imprimir no volume o nome do comprador.
O método ficará ainda mais charmoso em março, quando Mendonça abrirá uma oficina tipográfica no espaço cultural Intermeios, em Pinheiros, que ganhará também livraria. O cliente poderá então ver o livro sendo feito.
O selo tem margem de lucro mínima, em especial se considerado o tempo dedicado a cada volume. Um livro com capa em tecido alemão, como "O Guesa", não passa de R$ 70.
"Não ganho muito com isso, mas também não perco dinheiro", diz o editor e único funcionário da Demônio Negro. Seu sustento, na verdade, vem de seu trabalho como diretor de multinacional de embalagens de alimentos.
A dedicação ao livro artesanal é também mais paixão do que fonte de renda para Maria Lutterbach. A jornalista acaba de editar o título de estreia da versão nacional da Mínimas, editora espanhola criada por Iván Larraguibel.
"Bonecas" tem poemas de Duda Fonseca ilustrados por Ana Vilar como as antigas revistas de bonecas de papel, com figurinos para recortar e montar (isso para quem tiver coragem de tesourar o livro).
As ilustrações foram feitas a partir de retalhos cortados a laser. A edição só em papel, com 470 cópias, custa R$ 30; a com capa de pano terá 30 unidades, a R$ 60 cada uma.
Em comum, além de recorrer a novas tecnologias, as artesanais tendem a eliminar intermediários para oferecer preços acessíveis: as vendas são apenas pela internet ou em poucas lojas selecionadas.
"Estudamos distribuir para livrarias, mas encareceria os livros", diz Alexandre Nodari, editor na Cultura e Barbárie, que vende só pelo site. A casa passou a editar só artesanalmente no fim de 2012.
Com livraria própria, a curitibana Arte e Letra oferece, em sua recém-lançada primeira leva de artesanais, clássicos como "Luzes", de Anton Tchékhov, a R$ 60 a unidade.
A editora preferiu ser tradicional na tecnologia, usando impressão tipográfica. Caprichou, mas não foi nada fast food: até pegar todos os macetes, demorou um ano inteiro para editar três títulos.
ONDE COMPRAR
Pelo site abolhaeditora.com.br; na sede da editora, na r. Orestes, 28, no Rio; ou em lojas do Rio como Blooks e Isabela Capeto
Mínimas
Pelo editoraminimas.com ou em lojas selecionadas no Rio, em São Paulo e Belo Horizonte (inf.: maria@editoramininas.com)
Arte e Letra
Pelo arteeletra.com.br ou na al. Pres. Taunay, 130, Curitiba
Cultura e Barbárie
Pelo culturaebarbarie.org
Demônio Negro
Pelo demonionegro.com ou no espaço cultural Intermeios, na r. Luis Murat, 40, São Paulo
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