A fé verdadeira
SÃO PAULO - Bento 16 vai se aposentar. Embora eu não partilhe de praticamente nenhuma de suas posições conservadoras, admiro seus dotes intelectuais. Joseph Ratzinger pode ser descrito como um pensador fino que não teme ir aonde suas ideias o levam, como o atestam as polêmicas em que se envolveu.O tom de seu pontificado começou a ser dado antes mesmo de ele ser sagrado papa, quando, na condição de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (o novo nome da velha Inquisição), participou ativamente da elaboração da epístola "Dominus Iesus" (2000). Ali, o Vaticano diz que os que não acatam a "verdade" como interpretada pela Igreja Católica estão em apuros teológicos. "Dominus Iesus" coloca a questão de forma até diplomática, pois admite a possibilidade de graça para os não católicos, ainda que "objetivamente" menor do que para o católico.
Se quisermos, essa carta é a versão "light" do "Extra Ecclesiam nulla salus" (fora da Igreja não há salvação), do papa Bonifácio 8º (1294-1303).
É difícil comprar essa tese. Ela bate de frente contra o que considero um dos mais convincentes argumentos antirreligiosos, que é o do pluralismo. Para onde quer que olhemos no mapa, encontraremos uma "verdade religiosa" diferente. Qual o critério para decidir qual é, de fato, a verdadeira? Por que o catolicismo seria melhor que o calvinismo? No que eles superariam o judaísmo e o islamismo? E o que haveria de errado com Zeus e o panteão olímpico ou com os deuses nórdicos, que já foram providencialmente enterrados por todos? Nós, ateus, estamos apenas um deus à frente dos demais.
Parece mais razoável compreender os diversos sistemas de crença religiosa como manifestações diferentes da mesma predisposição humana, que pode ter base biológica (como acredito) ou divina (como pensa a maioria). Mesmo que Deus exista, é difícil conceber que ele tenha criado só uma fé certa e dezenas de erradas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário