Maria Esther Maciel
Estado de Minas: 12/02/2013
Escrevo esta crônica num dia de sol, céu azul e carnaval. Mas não, não estou no Rio de Janeiro nem em Diamantina. Bons carnavais já passei nessas cidades, anos atrás. No momento, estou aqui, na biblioteca, olhando para os livros, imaginando como seria bom, um dia, desfilar na Mangueira. No próximo ano, quem sabe?
Mas vamos aos livros. “Livros num dia de carnaval?”, pergunta o leitor folião, admirado. E respondo com outra pergunta: quem diz que literatura não tem a ver com a folia? É só ler Jorge Amado, Manuel Bandeira, Cyro dos Anjos, que escreveram sobre a festa. Até Clarice Lispector, com sua escrita de abismos, já tratou do carnaval num conto de Felicidade clandestina. É possível achar o carnaval nos livros, sim. É o que procuro hoje, neste dia luminoso, comendo um bombom de cereja enquanto tiro os livros das prateleiras.
Leio o “Sonho de uma terça-feira gorda” e o “Rondó de colombina”, de Bandeira. O carnaval dele era muito diferente do meu, do nosso. Havia arlequins, pierrôs, colombinas, bailes de máscaras e lança-perfume. O de Cyro dos Anjos também era assim. Basta pegar O amanuense Belmiro e ler os capítulos seis e sete para encontrar esse carnaval que não se conhece mais. Lá está o personagem Belmiro, um burocrata melancólico, diante das colombinas na Praça Sete, em 1935. Ele, que sente, de modo vivo, “a impossibilidade de se fundir à massa”, se vê de repente “envolvido no fluxo de um cordão”, deixando-se arrastar pela onda humana, embriagado de éter, entre uma boneca holandesa, um príncipe russo e um marinheiro. Acaba sendo levado, não sabe como, ao salão de um clube, onde se enamora da moça Arabela. É uma passagem inesquecível desse belo romance do escritor mineiro.
Procuro o País do carnaval, de Jorge Amado, e não encontro o livro em nenhuma estante. Pode ser que achava que o tivesse. Mas não tenho. Sei que o romance é sobre um homem que, depois de ter vivido anos na França, volta ao Brasil, aportando no Rio de Janeiro em pleno carnaval. Pego, agora, o conto “Restos do carnaval”, de Clarice. Lindo. Tento visualizar a menina da história, com sua fantasia de rosa, feita com os restos do papel crepom usado na confecção da fantasia de uma amiga. Comovo-me quando ela diz: “Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma”. Pura Clarice. E o que vem depois só reforça a poesia do começo.
Ainda há João do Rio, Aníbal Machado, Lima Barreto, Vinicius de Moraes e vários outros. Até Arnaldo Antunes tem um poema sonoro-visual chamado “Carnaval”. Mas chega. Não quero, de jeito nenhum, fazer coro ao famoso verso de Mallarmé: “A carne é triste, sim, e eu li todos os livros”. Uma última nota, entretanto, talvez valha a pena: a literatura mais carnavalizada não é, necessariamente, a que tem o carnaval como tema ou cenário. Quer melhor carnaval literário que o romance Macunaíma, de Mário de Andrade? Gregório de Matos nunca escreveu sobre carnaval, mas sua poesia punha a vida pelo avesso, rompia com a seriedade do mundo, na maior gozação. Isso, no século 17, quando não existia ainda o carnaval de Salvador.
Bem, já é tarde. Agora que a crônica chegou ao fim, é hora de cair na folia. Ou no sonho.
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