A notícia da entrada da UPP na Maré,
maior favela do Rio de Janeiro, chega
precedida de forte especulação. Afinal,
não se sabe quando e como será instalada.
Diante disso, os moradores aguardam a
confirmação da ação com expectativa e apreensão.
Em geral, eles entendem que essa iniciativa
representa a chegada, embora tardia, do direito
à segurança pública. Sem duvida, a garantia
desse direito é um passo importante para a legitimação
da condição de cidadão dos moradores
desses territórios.
Há muitos desafios a serem considerados na
extensão da UPP, por ser uma ação no campo da
segurança que intenciona, avalio, de maneira
progressiva, tornar-se política pública. A complexidade
em pauta que intriga e aviva governantes,
estudiosos do tema, profissionais da
área e todos que vivem nesse estado, precisa ser
considerada com matizes que combinem bomsenso
e reconhecimento do que já se produziu
até aqui. Diante disso, a população não pode ser
apenas testemunha do que está por vir e que
chega carregado com ares de espetacularização.
No caso da Maré não se pode deixar de considerar
o histórico de luta e conquistas de seus
moradores que, desde a formação de cada uma
das 16 favelas ali existentes, buscaram ampliar e
efetivar direitos básicos. Em função disso, a região
possui variados equipamentos públicos,
incomuns na grande maioria das favelas cariocas.
Mas isso não é suficiente. Ainda falta qualidade
nos serviços prestados, assim como muitos
outros direitos ainda são negados.
Chamo atenção, ainda, para a articulação das
Associações de Moradores da Maré que de maneira
singular protagonizaram no tempo todas
as conquistas assinaladas e, mais recentemente,
se fazem representar a partir do movimento A
Maré que Queremos. Essa iniciativa que, desde
fevereiro 2010, vem reunindo mensalmente as
16 instituições comunitárias e outras organizações
formulou um documento com as demandas
estruturais para a Maré e vem, de maneira
paulatina, discutindo com os diferentes órgãos
públicos como garantir qualidade e ampliação
dos serviços e direitos básicos para a região.
Como se pode observar, há um longo e frutífero
trabalho que já se conforma na Maré, mas,
sem dúvida, um direito ainda a ser perseguido é
o da segurança pública. E ai chegamos a um
ponto que devemos assinalar, qual será a agenda
da segurança pública para a Maré com a chegada
da UPP? Veremos acontecer iniciativas
inerentes a esse campo, como identificação e
enfrentamento das violências relacionadas ao
abuso de crianças e adolescentes, de mulheres,
de mediação de conflitos, de acesso à Justiça?
Os direitos dos moradores de ir e vir, de privacidade
e de expressão serão preservados?
Como já noticiado, a Redes da Maré, a Anistia
Internacional e o Observatório de Favelas iniciaram
a campanha Somos da Maré e Temos Direitos,
no intuito de contribuir para a garantia
desse conjunto de direitos e fortalecer as políticas
públicas no campo da segurança, através do
esclarecimento do morador sobre os seus direitos
e deveres no momento de uma abordagem
policial: nada de dificultar a ação dos policiais,
mas o Estado deve respeitar premissas básicas,
tais como não entrar nas casas sem a permissão
dos moradores.
Desse modo, não assistiremos de forma passiva
à ação das forças de segurança. Elas devem
representar a chegada efetiva de uma perspectiva
de presença republicana do Estado, e não
funcionar como um “exército de ocupação”,
considerando que está em um território de
guerra e com seus moradores sendo considerados
a “população civil do exército inimigo”.
Como cidadãos, o reconhecimento do direito
à segurança pública dos moradores da Maré,
dentre todos os outros, deve ser o ponto de partida.
E essa é a nossa perspectiva diante da possibilidade
de chegada da nova estratégia de segurança
pública que vem sendo construída pelo
governo estadual.
Eliana Sousa Silva é diretora da Redes da Maré e da Divisão de Integração Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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