folha de são paulo
SERGEI COBRA ARBEX
TENDÊNCIAS/DEBATES
Juízes devem ter férias de 60 dias?
NÃO
Regra única para todos
A judicatura tem uma nobre e difícil missão de dizer o direito, e a finalidade do direito é a realização da Justiça. Entendo que o magistrado deve ser o primeiro a defender a equidade, que é buscada pela lei.
Ao estabelecer que os magistrados dispõem de um período de férias dobrado em comparação aos demais trabalhadores brasileiros, na esfera pública ou na esfera privada, quebra-se o princípio da equidade que deve existir, a despeito das peculiaridades do cargo exercido.
O próprio Supremo Tribunal Federal, dentro de suas atribuições legais, estuda reduzir as férias dos magistrados de 60 para 30 dias, dentro de uma reforma da Lei Orgânica da Magistratura.
Há quem afirme que a produtividade da magistratura aumentaria com a redução do período de férias. Estudo da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro publicado por esta Folha afirma que o corte no período de descanso dos magistrados aumentaria a produtividade em "2 milhões de sentenças ao ano".
Esse dado é relevantíssimo, principalmente diante de um Judiciário sobrecarregado, moroso e que não propicia em tempo razoável as respostas demandadas pelo jurisdicionado. O Brasil possui 90 milhões de processo em tramitação, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Foram ajuizadas em 2011 um total de 26,5 milhões de novas ações. O país conta com mais de 16 mil juízes, resultando na média de oito magistrados por 100 mil habitantes, uma situação similar a que encontramos em países europeus. Na Espanha, há dez juízes para cada 100 mil habitantes. Na Itália, onze por 100 mil.
A sociedade vem se expressando sobre o tema. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, encomendado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, apontou que para 44% dos entrevistados a Justiça melhorou, mas ainda é vista como lenta, cara, enviesada e influenciável.
A análise da questão deve ser avaliada dentro da realidade viva.
Certamente a função de julgar é desgastante, a carga de trabalho atual dos magistrados é pesada. Tenho plena convicção de que os juízes têm uma jornada longa, sem condições ideais, levam trabalho para casa, trabalham nos finais de semana e nas férias. Mas esse é o ônus de uma profissão voltada ao interesse público que, por isso mesmo, não comporta qualquer tipo de distinção dos demais trabalhadores.
O período de descanso anual dos magistrados deve acompanhar os parâmetros definidos para os demais atores do Poder Judiciário, para que busquemos uma solução justa.
Aliás, os advogados, que precisam cumprir prazo processual, não têm um período definido para descanso anual. Há um projeto nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional, que ainda não foi apreciado. Por isso mesmo, defendo que o Judiciário estabeleça férias forenses coletivas de um mês, para beneficiar o conjunto da comunidade jurídica, sem que a justiça pare, mantendo a atividade burocrática, mas suspendendo as audiências e os prazos processuais.
Certamente, a manutenção das férias de 60 dias para os magistrados -amparados nos mais diferentes argumentos- vem causando um desconforto em grande parte da sociedade, porque a democracia pede equanimidade e o Judiciário precisa encontrar um equilibro entre o que é justo e o que é ético.
NELSON CALANDRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
A emenda constitucional 45 de 2005, na chamada reforma do Judiciário, extinguiu as férias coletivas em primeiro e segundo grau, mantendo dois períodos de férias coletivas nos tribunais superiores.
Juízes devem ter férias de 60 dias?
Judiciário: muito além dos factoides
Na reforma, ficou declarado algo que já existia há muitas décadas no nosso Judiciário: que o seu funcionamento é essencial e ininterrupto.
O Brasil, que é muito maior que Brasília, sempre conviveu com a magistratura de segunda a domingo, especialmente em locais distantes onde um só juiz atende áreas imensas.
Atualmente, nas comarcas maiores, há regime de plantão, porém a enorme falta de magistrados faz com que não haja compensação. Hoje, vivemos aquilo que o ministro Ayres Britto nominou de desprofissionalização do Judiciário -cada mais cargos vagos não são preenchidos.
A supressão da aposentadoria integral, com a obrigação de pagar, o magistrado, contribuição previdenciária sobre a totalidade do seu salário para receber ao final benefício limitado ao teto previdenciário, é algo que soa kafkaniano.
Suprimidas as férias coletivas no primeiro e segundo grau, fala-se agora em redução de um período de férias, como panaceia para resolver o problema da lentidão processual. Seria reduzir a atividade da magistratura para o mesmo patamar de outras categorias, que desfrutam de horas extras, jornada de trabalho limitada e descanso semanal remunerado.
A política brasileira sempre procura localizar um factoide para desviar aquilo que deveria ser o foco. Não verificamos nenhuma proposta que traga para o Judiciário recursos financeiros suficientes para repor o atraso de várias décadas, motivada por um sistema burocrático, sem compromisso com a modernidade.
É engano pensar que a supressão de um período de férias que a lei complementar 35 concedeu em 1979 irá melhorar a Justiça brasileira. Quem acompanha as sessões do STF, com julgamentos criminais intrincados, com sessões nas turmas e no plenário seguidas por sessões no Tribunal Superior Eleitoral que adentram a madrugada, não pode em sã consciência propor supressão de férias.
Há menos que a intenção seja de ceifar a vida e saúde dos magistrados. Aquilo que a população vê na TV Justiça se repete em cada Estado. Muitos colegas presidem sessões no tribunal do júri que atravessam dias e noites. No fim de semana seguinte, respondem como plantonistas.
Será que a supressão de um período de férias é a resposta que o povo quer dar a uma magistratura que trabalhando diuturnamente e solucionou mais de 20 milhões de casos nos vários ramos do Judiciário, segundo o relatório de 2012 do CNJ "Justiça em Números"?
Vamos colocar luz sobre os factoides que aqueles que não atravessaram quase quatro décadas de trabalho na magistratura, como nós, são incapazes de ver. É preciso investir no Judiciário, reequipar instalações físicas. Não é possível que pessoas sejam assassinadas em plena audiência, como ocorreu recentemente em São José dos Campos (SP), por falta de estrutura e segurança.
Não é possível que magistrados sofram atentados à bomba, como em Rio Claro (SP). Não podemos admitir que uma juíza, depois de um expediente que acabou às 23h, seja assassinada com 21 tiros na frente de sua família, como Patrícia Acioli.
A magistratura tem escrito com sangue, suor e lágrimas a história de um país que quer poder Judiciário independente e democrático.
Suprimir direitos, manietar a magistratura e o Ministério Público, tentar sufocar o movimento associativo, que atravessou períodos ditatoriais, que teve entre seus expoentes vários ministros do STF que entraram e saíram de cabeça erguida e nunca concordando com a violação de direitos fundamentais, como Vitor Nunes Leal, Edgar Moura Bitencourt, Evandro Lins e Silva e tantos outros heróis, jamais será a solução adequada.
Que nosso debate receba as luzes da opinião pública e que estes tristes factoides se refugiem à sombra da mentira e do preconceito.
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