sábado, 23 de fevereiro de 2013

Paul Krugman


O bloqueio dos tolos

DO "NEW YORK TIMES"
via Folha de São Paulo


E eles voltaram! Há cerca de dois anos, Erskine Bowles e Alan Simpson, co-presidentes da comissão de investigação sobre a dívida pública dos Estados Unidos, cujos trabalhos foram concluídos sem deixar saudades, nos alertaram de que uma terrível crise fiscal surgiria dentro de, ahn, dois anos, caso não adotássemos seu plano.
A crise não se materializou, mas eles estão de volta com uma nova versão. E, caso você esteja interessado, depois da eleição do ano passado --na qual o eleitorado norte-americano deixou claro que deseja preservar a rede de segurança social e elevar os impostos dos ricos--, os famosos fomentadores do flagelo fiscal adotaram posição ainda mais direitista, apelando por elevação de arrecadação ainda menor e por cortes de gastos ainda maiores.
Mas você não está interessado, está? Quase ninguém está. Bowles e Simpson tiveram seu momento - o annus horribilis de 2011, quando Washington foi capturada pelo alarmismo quanto ao deficit e pela insistência em que, apesar de um desemprego em longo prazo recorde e de custos de captação em recorde de baixa, deveríamos ignorar a criação de empregos e concentrar nossas atenções exclusivamente em uma "grande acordo" que supostamente (mas não na realidade) resolveria de uma vez por todas as disputas orçamentárias.
Aquele momento passou; até Bowles admite que a busca de um grande acordo está "respirando com a ajuda de aparelhos". (É hora de formar um painel da morte!) Mas o legado daquele ano de insensatez sobrevive, na forma do "bloqueio compulsório de gastos", uma das piores ideias de política econômica da História dos Estados Unidos.
Eis o que aconteceu: os republicanos, envolvidos em uma manobra de chantagem sem precedentes, ameaçaram forçar uma moratória dos Estados Unidos ao recusar uma elevação do limite para as dívidas federais a não ser que o presidente Barack Obama aceitasse um grande acordo nos termos definidos por eles.
Obama, infelizmente, não resistiu com firmeza; em lugar disso, tentou ganhar tempo. E, de alguma forma, as duas partes decidiram que o melhor meio de ganhar tempo era criar uma máquina do apocalipse fiscal que infligiria danos gratuitos à nação, na forma de cortes de gastos, a não ser que o grande acordo fosse obtido.
E como seria de esperar o grande acordo não surgiu, e a máquina do apocalipse será disparada no final da semana que vem. Há um debate tolo em curso sobre quem é o responsável pelo bloqueio, algo que quase todo mundo agora concorda ter sido uma péssima ideia. A realidade é que os republicanos e os democratas aceitaram a ideia.
Mas isso são águas passadas. A questão que deveríamos estar perguntando envolve qual seria o melhor plano para lidar com as consequências daquele erro compartilhado.
A política correta seria esquecer a coisa toda. Os Estados Unidos não enfrentam uma crise de deficit, e não a enfrentarão em prazo previsível. E enquanto isso temos uma economia fraca e que vem se recuperando de maneira excessivamente lenta da recessão iniciada em 2007.
Como enfatizou recentemente Janet Yellen, vice-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), um dos motivos principais para a recuperação lenta é que os gastos do governo vem sendo muito mais baixos no atual ciclo de negócios do que foi o caso em ciclos anteriores.
Deveríamos estar gastando mais, e não menos, até que estejamos de novo perto do pleno emprego; o bloqueio de gastos é o contrário do que um bom médico receitaria.
Infelizmente, nenhum dos partidos está propondo que a coisa seja simplesmente cancelada. Mas a proposta dos democratas do Senado é pelo menos um passo na direção certa, substituindo os cortes de gastos mais destrutivos --aqueles que incidiriam sobre os membros mais vulneráveis de nossa sociedade-- por aumentos de impostos sobre os ricos, e postergando as medidas de austeridade de uma maneira que protegeria a economia.
Os republicanos da Câmara dos Deputados, por outro lado, querem tomar tudo que há de ruim no bloqueio e torná-lo ainda pior; cancelar os cortes no orçamento de defesa, que efetivamente envolve muito desperdício e fraude, e substitui-los por cortes severos na assistência aos norte-americanos mais necessitados. Isso representaria um duplo abalo para a nação, reduzindo o crescimento e reforçando a injustiça.
Como sempre, muitos sabichões tentam retratar o impasse quanto ao bloqueio de gastos como uma situação pela qual os dois lados são igualmente culpados, e portanto ambos deveriam ceder.
Mas a realidade é que não existe simetria, aqui. Uma solução intermediária provavelmente envolveria uma combinação de cortes de gastos e aumentos de impostos; bem, é isso que os democratas estão propondo, mas os republicanos defendem intransigentemente que as medidas envolvam apenas cortes.
E já que os cortes propostos pelos republicanos seriam piores que os determinados pelo bloqueio de gastos, é difícil ver por que os democratas deveriam negociar, e não simplesmente permitir que o bloqueio aconteça.
E aqui estamos. A boa notícia é que, comparado às duas mais recentes crises econômicas autoinfligidas que sofremos, o bloqueio de gastos é peixe pequeno.
Se o limite da dívida federal não tivesse sido elevado, havia ameaça de caos nos mercados financeiros mundiais; se não tivéssemos chegado a acordo sobre o chamado abismo fiscal, haveria tantas medidas súbitas de austeridade que poderíamos ser arremessados de volta à recessão. O bloqueio, em contraste, vai provavelmente nos custar "apenas" 700 mil empregos.
Mas essa iminente mancada continua a ser um monumento ao poder das ideias verdadeiramente horríveis - ideias que toda a elite de Washington de alguma maneira aceitou representarem profunda sabedoria.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.

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