sábado, 23 de fevereiro de 2013

O que diria Jesus? - Zuenir Ventura


Tomara que Ele interfira na escolha do novo Papa, em vez de, desiludido, repetir a velha piada: ‘Pare o mundo que quero descer’


A revista “Visão”, de Portugal, fez uma enquete
junto a personalidades da cultura
e da política portuguesas para especular
sobre o que Jesus diria se aqui
voltasse. Com bom humor cristão, o romancista
António Lobo Antunes desqualificou o trabalho:
“Como voltar, se de cá ele nunca saiu?” Mas digamos
que Ele tenha dado uma saidinha e que
viria não ainda para julgar os vivos e os mortos,
mas numa visita rápida para ver como estão as
coisas. Não se trata de um exercício de adivinhação,
e sim de hipóteses com base nos textos bíblicos,
o que nos permite entrar no jogo também
fazendo nossas simulações. Por exemplo,
Cristo com certeza ficaria feliz de constatar que,
em tempos de Twitter, nenhum líder tem tantos
seguidores quanto Ele: de 2 a 3 bilhões. Por outro
lado, em termos de qualidade, não ia ficar
nada satisfeito com o que veria à direita e à esquerda,
fora e dentro da igreja. A primeira decepção
seria constatar que a sua pregação de
paz e amor foi substituída pela violência urbana
e pelas guerras praticadas em nome do Pai.

E o que Ele diria da crise atual — econômica,
financeira e moral — e da má distribuição da riqueza,
contra a qual tanto pregou? Certamente
se indignaria ao saber que o número de pessoas
que vivem com menos de 1 dólar por dia nos
49 países mais pobres do mundo duplicou nos
últimos 30 anos, chegando a 307 milhões. E
que, enquanto isso, as dez mais ricas têm mais
dinheiro do que Suécia, Finlândia e cada um de
outros 150 países. A concentração pode ter sido
consequência de Sua parábola: “É mais fácil
um camelo passar pelo fundo de uma agulha
do que um rico entrar no Reino de Deus.” Vai
ver que, diante da anunciada dificuldade de
entrar lá em cima, os ricos tenham preferido
permanecer aqui no Reino da Terra, que é para
eles um paraíso.


O maior desgosto do nosso Salvador, porém,
seria descobrir o risco de descer conclamando
inocentemente — “Deixai vir a mim as criancinhas”
— e ser mal interpretado, tendo em vista a
onda de escândalos de pedofilia que atinge o
clero. Imagina se a Sua chegada coincidisse com
a divulgação esta semana do dossiê de 300 páginas
elaborado a pedido do Papa por três cardeais
e que é uma espécie de radiografia do Vaticano
— uma antologia de escabrosos casos de corrupção,
promiscuidade, desvio de dinheiro,
escândalos sexuais, rede de prostituição homossexual.
Chocado, Bento XVI teria desabafado
afirmando que o seu sucessor deverá ser bastante
“forte, santo e jovem para enfrentar o que
o espera”. Tomara que Jesus interfira na escolha,
em vez de, desiludido, repetir a velha piada:
“Pare o mundo que quero descer.” 

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