sábado, 23 de fevereiro de 2013

Uma revolução em ritmo lento - Reinaldo Bulgarelli


Estado de Minas: 23/02/2013 
Caminhada das mulheres em um cenário de maior igualdade no mundo empresarial é lenta. Mas avanços já foram alcançados. Importante é que 
a própria mulher se conscientize disso e também busque seu espaço ( JOSÉ VARELLA/CB/d.a PRESS - 3/5/04
)
Caminhada das mulheres em um cenário de maior igualdade no mundo empresarial é lenta. Mas avanços já foram alcançados. Importante é que a própria mulher se conscientize disso e também busque seu espaço


Há muito as mulheres deixaram de ser apenas as donas de casa. Elas já fazem parte do cotidiano das faculdades e do mercado de trabalho. Em muitas áreas, já são até maioria em relação aos homens. Porém, no mundo do trabalho, elas enfrentam barreiras intransponíveis de ascensão dentro das empresas. Prova de que o preconceito ainda existe e demandará muito tempo para ser extinto, como mostra artigo do educador Reinaldo Bulgarelli. Para ele, a aproximação do Dia Internacional da Mulher – 8 de março – é um bom momento para que homens e mulheres reflitam sobre esse cenário e também façam opções, que poderão fazer com que esse processo seja mais lento ou mais ágil.

Falar sobre a questão da mulher no mundo empresarial é falar também sobre a questão dos homens e também das próprias empresas, seus propósitos, desafios e a forma como estão atuando no campo dos direitos humanos, dos negócios e de seus resultados. Não é possível pinçar o tema da mulher deste contexto, mesmo porque ele revela as escolhas de nosso tempo e lugar; a maneira como as empresas expressam sua identidade (missão, visão, valores) na prática e a forma como agem diante das ideologias. Muitas apenas reproduzem, sem crítica alguma, essas ideologias e algumas a enfrentam, assumindo até mesmo uma postura proativa de mobilização interna ou externa a favor da equidade de gênero.

Sim, é impossível falar da questão da mulher sem falar no machismo. Há quem diga que é importante falar também no capitalismo, mundo globalizado, sociedade pós-industrial, mas isso poderia tornar este artigo pouco atraente para aqueles que gostariam de apreciar uma análise mais direta sobre o retrato atual. Esse quadro, para começar, pode nos deixar em dúvida sobre o que temos para celebrar e o que temos para lamentar. Por isso, o título se refere a revoluções, mas alertando para o ritmo lento.

A pesquisa realizada pelo Instituto Ethos e pelo Ibope Inteligência em 2010 é parte de uma série iniciada em 2001 e que tem como título Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. Nos resultados de 2010 há uma comparação com os anos anteriores – 2001, 2003, 2005 e 2007. Focando nas mulheres, a pesquisa revela que elas representavam 6% dos cargos executivos em 2001 e passaram a representar 13,7% em 2010.

Temos que, nessa pesquisa do Instituto Ethos, as mulheres evoluíram oito pontos percentuais em nove anos. Considerando que elas representam hoje 51% da população, em quantos anos atingiremos a igualdade entre homens e mulheres no quadro executivo das empresas no Brasil? Seriam 42 anos de espera a partir de 2010, supondo que todas as barreiras foram retiradas, que as condições de igualdade estavam dadas a partir daquele momento, enfim, que estaria decretado o fim do machismo e de todos os entraves que produzem este dado. Como não dizer que essa mudança na direção da igualdade está lenta demais?

Surgem aí algumas questões que estão presentes nos diálogos com a alta liderança das empresas e equipes técnicas sempre que apresento esses dados. Uma delas é que a causa dessa distância tem razões históricas como se o momento atual não fosse também uma atualização das motivações que geram desigualdades. Houve um momento em que se rompeu com a lógica da desigualdade e agora, nos dias de hoje, estamos apenas esperando os frutos resultantes desta postura pró-equidade de gênero? É uma questão de espera para que os resultados apareçam naturalmente?
Infelizmente não há indícios de que o mundo empresarial, genericamente falando, tenha tomado a decisão para além da legislação existente e das demandas da agenda de direitos humanos, por promover o respeito às mulheres quanto ao direito a oportunidades iguais no desenvolvimento na carreira.

Convidado pelo Instituto Ethos, além de fazer parte da equipe de especialistas que comenta os resultados da pesquisa, elaborei um estudo com aquelas empresas que disseram realizar ações afirmativas. As empresas demonstraram receio em discriminar positivamente as mulheres, preferindo, em geral, investir em processos de sensibilização dos homens. As empresas não detalharam que tipo de sensibilização estavam realizando. Era para sensibilizar os homens para a importância do tema da equidade de gênero, para que não atrapalhassem a carreira das mulheres, para que promovessem mulheres a cargos de liderança?

Raras são as empresas que apresentaram ações como mentoring focado em mulheres. Programas de mentoring são utilizados para aproximar gestores mais experientes de profissionais identificados como potenciais líderes. Quando utilizados a serviço da equidade de gênero, é constituído um grupo de mulheres e se espera que essa transferência de conhecimentos, habilidades e atitudes possa favorecer que um número maior delas rompa as barreiras para ocupar postos de liderança. Em geral, mesmo esses programas podem ter motivações equivocadas. Alguns partem do princípio de que não há discriminação na empresa, que o problema é das mulheres, sua falta de experiência ou competências para assumir postos mais elevados.
Não há como superar essa desigualdade apenas colocando foco na incompetência das mulheres, como dizem, mas é preciso focar, sobretudo, na incompetência da empresa em reconhecer qualidade nas mulheres, seus direitos, e a necessidade que a própria organização tem de melhorar a qualidade de sua relação com todas as mulheres presentes em todos os seus públicos de relacionamento: clientes, fornecedores, empregados, comunidades, entre outros.

Nem é preciso lembrar, além dos dados acima citados, que as mulheres são maioria entre os que possuem nível universitário, possuem mais anos de escolaridade que os homens, já estão presentes em todos os cursos de formação universitária, sendo que em alguns, como medicina, as mulheres já são maioria entre os diplomados. Por outro lado, também não é preciso lembrar que ainda ganham menos que os homens, mesmo quando ocupam as mesmas funções, quando possuem o mesmo número de anos de estudo que eles ou o mesmo tempo de empresa. Todos estes dados são divulgados amplamente por ocasião, sobretudo, do Dia Internacional da Mulher, em março.

Há um quadro que permite falar em revolução? Acredito que sim. A entrada em massa da mulher no mercado de trabalho aconteceu nos anos 70. Eram 18% de mulheres trabalhando e, em 40 anos, chegaram a quase 50% na população economicamente ativa. Nos EUA, por exemplo, elas se tornaram maioria no mercado de trabalho em 2010. Lá, como cá, o desafio de enfrentamento do machismo e de suas consequências na vida de todos é ainda presente, até mesmo nos debates realizados na campanha eleitoral de 2012, entre Obama e Mitt Romney.

A revolução acontece não apenas na empresa ou no mundo do trabalho, mas no cotidiano de homens e mulheres, suas famílias, na forma como distribuem tarefas em casa. Os dados mais recentes do IBGE, que investiga quantas horas homens e mulheres dedicam ao trabalho doméstico, estão na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada em 2012. Eles nos mostram que as mulheres dedicam 27,7 horas e os homens dedicam 11,2 horas. É um dado que vem apresentando melhorias, mas ainda em ritmo lento e que ajuda a explicar a dificuldade da mulher em dedicar tempo ao networking, como se usa dizer no ambiente de trabalho, para melhorar sua visibilidade e ser considerada nas próximas promoções.

Nos anos 80, começamos a utilizar mais frequentemente a expressão teto de vidro para dizer que as mulheres entravam no mundo do trabalho e encontravam barreiras quando poderiam ascender a postos de liderança. Com base no teto de vidro, as medidas para promoção da equidade de gênero nos postos de liderança teriam foco no citado programa de mentoring, por exemplo. O labirinto que a mulher enfrenta num mundo de empresas que é masculino, masculinizado e masculinizante – ou MMM, termo que criei em 2009 para descrever organizações que são masculinas na sua demografia interna; masculinizadas nos seus rituais e masculinizantes na pressão para que todos se comportem como homens ou um tipo idealizado de homem que nem mesmo todos os homens conseguem ser – coloca barreiras em todos os lugares e momentos em que elas aparecem, não apenas naquele em que a mulher tenta fazer carreira.

Qual o impacto deste mundo MMM nos resultados das empresas em termos de atração de bons profissionais ou de talentos? E para os resultados dos negócios numa sociedade onde a mulher é maioria e os produtos, serviços e qualidade do atendimento precisam considerar e reconhecer suas características? A reflexão sobre a questão da mulher reside apenas na agenda de direitos humanos, ou seja, a promoção da equidade de gênero é somente uma exigência externa, interesse legítimo de uma sociedade que não aceita a discriminação da mulher?

A tendência, frente a essa divulgação dos dados que insistem em falar na desigualdade porque ela é persistente, é que o tema da mulher se torne o tema da qualidade das relações de gênero que o mundo empresarial mantém em todos os níveis, com todos os públicos ou stakeholders. O tema deixa de ser assunto da área de responsabilidade social, quando muito, ou da hora do café, como é mais comum, para ganhar destaque nas agendas de trabalho da alta liderança e dos gestores em geral das empresas.

Essas empresas podem fazer a diferença entre práticas meramente assistencialistas, que acabam até mesmo culpando a mulher, tratando-a como uma "coitadinha" que precisa de apoio, e aquelas práticas que, alinhadas com direitos humanos e negócios sustentáveis, constroem organizações masculinas e femininas, de cooperação e parceria, prontas para dar respostas mais condizentes com as revoluções que já estão ocorrendo em toda a sociedade.

Em qual empresa você, homem ou mulher, gostaria de trabalhar? Naquela em que ser homem é como ter um passaporte direto para ocupar 86% dos postos de liderança? Como você está se preparando, homem ou mulher, para viver em organizações não mais MMM? E a educação dos filhos está coerente com essas escolhas que você está realizando para sua vida profissional ou os meninos continuam interditados para algumas brincadeiras enquanto as meninas já brincam de tudo: casinha, boneca, bola, carrinho, jogos eletrônicos, fazem balé, judô, aula de futebol? Em qual sociedade você prefere viver e qual contribuição tem oferecido para ela?

* Reinaldo Bulgarelli é sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação e especialista em valorização da diversidade no ambiente empresarial; coordenador dos cursos de sustentabilidade, responsabilidade social empresarial, diversidade e gestão do terceiro setor do Programa de Educação Continuada da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário