Cuba, todo mundo sabe, é aquela ilha caribenha governada há décadas por um ditador, que recentemente passou o poder a um irmão menos ancião, mas igualmente ditador. A ilha e seu regime são elogiadíssimos por brasileiros estrelados que, sempre do alto de suas coberturas em Ipanema e no Leblon, não cansam de tecer loas ao castrismo (antes, de Fidel e, agora, de Raul. Mas pergunte se algum deles gostaria de morar lá... Aliás, os comunistas brasileiros mais íntimos de Fidel são vistos sempre nas colunas sociais e políticas em altas rodas: passeios em barcos nababescos de empresários amigos, reveillòn e castelos em Paris e praias paradisíacas cujos spas têm diárias que alimentariam por uma década a família inteira de Yoani. Zé Dirceu e Fernando Morais que o digam. Nas balaustradas do Malecón ninguém aparece.
Aqui, na Bahia, desde o desembarque, segunda-feira, da blogueira cubana Yoani Sánchez, alçada ao posto de inimiga número 1 dos irmãos Castro, armou-se um alvoroço surreal. Um deputado estadual daqui, um líder estudantil dali e uns comunas de pijama dacolá entraram em pé de guerra, mais raivosos que índios quando se pintam de vermelho para a dança da guerra. O palco maior da cena até aqui? Feira de Santana, destino de Yoani imediatamente após desembarcar para participar do lançamento de um documentário sobre Cuba e do qual ela participa. Por pouco, a cubana não recebeu dos comunas de plantão em Feira tratamento semelhante ao dado aos integrantes da banda New Hit, em julgamento no Fórum de uma cidade ali por perto, Ruy Barbosa, acusados da prática de estupro coletivo contra fãs e, por isso, ameaçados de linchamento.
Se os amigos baianos de Fidel e Raul não se levassem tão a sério e não se acreditassem tão ameaçadores, estaríamos diante de uma comédia, com direito, inclusive, à participação coadjuvante do senador paulista Eduardo Suplicy, que se desterrou de suas bandas para dar apoio receptivo à moça. Impagável como sempre, nos telejornais de segunda à noite e terça Suplicy aparecia de dedo em riste e aos gritos, num arremedo do personagem mas recente de Tarantino, o destemido e incontido Django. Como um Django desarmado, Suplicy urrava para os comunistas incontíveis que não deixam Yoani falar nem tampouco entrar na sala de cinema para ver o documentário, cuja exibição foi cancelada. Gritava, com a mãozinha no alto e o dedão indicador chamando os protestantes para a briga retórica: “vem aqui discutir comigo, vem; seja corajoso, vem aqui discutir comigo”. Mais comédia, impossível. Um regime político que considera aquela moçoila uma inimiga que justifica até mesmo o envio de dossiês diplomáticos ao governo brasileiro sobre sua periculosidade ideológica só pode ser objeto de gargalhada.
Para dar à cena o frescor da juventude, estavam também meninos e meninas do movimento estudantil, essa categoria formada em grande parte por alunos que não querem jamais terminar a faculdade e odeiam estudar, justamente para não sair da universidade nem do movimento, pois é graças a este que circulam por aí custeados. Mesmo separado por décadas dos comunas de pijama, os jovens do movimento estudantil têm em comum com aqueles a aversão pelo direito de expressão de quem diverge de suas opiniões quanto às qualidades dos companheiros Lenin e Stálin, e o gosto pelo uso de termos como ‘imperialismo ianque’, para eles uma palavra tão atual quanto byte, convergência e ziriguidum. A blogueira, por sua vez, de tão acostumada à repressão, está achando tudo lindo e democrático. Se chegasse um pouco antes, corria o risco de levar um pito de Oscar Niemeyer.
Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da UFBA.
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