Elian Guimarães
Estado de Minas: 10/02/2013
O instinto protetor das crias é uma reação natural dos seres vivos. Entretanto, o desconhecimento no cuidado pode levar a sofrimentos impensáveis. Para entre 15 mil e 60 mil nascimentos (não há estudos precisos), uma criança nasce portadora de osteogênese imperfeita, doença também conhecida como ossos de vidro ou ossos de cristal. O mal genético do tecido conjuntivo, que tem como característica principal a fragilidade óssea, se traduz em manifestações clínicas variáveis, mas principalmente pelo grande número de fraturas, deformidades nas pernas, fêmur e braços, tom azulado dos olhos, alteração na dentição, deficiência auditiva e baixa estatura.
Trata-se de uma deficiência molecular na proteína chamada colágeno tipo 1, presente nos ossos, na pele e nos tendões. Dependendo de como essa proteína é produzida, de formas diferenciadas em qualidade ou quantidade, o portador apresenta manifestações clínicas de maior ou menor severidade. De acordo com o ortopedista pediátrico Tulio Canella, referência em Minas Gerais no diagnóstico e tratamento da doença, a osteogênese é pouco difundida no meio médico, até por sua baixa incidência. Mas um dos problemas mais comuns é que casos de ossos de vidro são comumente confundidos com a síndrome da criança espancada. Assim, os pais que buscam ajuda para o sofrimento do filho acabam acusados de maus-tratos pelo conselho tutelar, quando não acusados e até levados à Justiça. Por isso, é preciso um entendimento para um diagnóstico diferenciado.
Em 1991, uma portaria do Ministério da Saúde tratava do diagnóstico e dos procedimentos para a constituição de centros de referência da osteogênese imperfeita e indicava locais públicos (de atendimento gratuito) onde poderiam ser constituídos, desde que comprovados, os procedimentos de formação de equipe multidisciplinar e locais em condições de atendimento. Cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e o Distrito Federal montaram os centros, mas outras regiões ainda estão desabastecidas, como é o caso de Minas Gerais. Como não há no estado um centro especializado, Tulio Canella tornou-se muito procurado por pais e equipes de saúde para orientar sobre os procedimentos que minimizem o sofrimento ao portador da doença: “Em Minas, somente nos meus registros, temos 60 casos”. O médico faz um trabalho praticamente voluntário de pesquisa, atendimento e tratamento.
“De maneira geral há uma dificuldade para abordar certas patologias e a osteogênese é uma delas. Há mais de 10 anos venho trabalhando para que o Hospital das Clínicas (da Universidade Federal de Minas Gerais) seja credenciado como referência no acolhimento desses pacientes, mas não temos tido sucesso”, revela o ortopedista. Onde não há centro especializado, os pacientes ficam prejudicados, precisando acionar a Justiça, seja para conseguir a medicação (dependendo do caso, a criança precisa tomar um remédio cuja ampola de 60mg custa entre R$1,2mil e R$ 1,5mil) seja para implantar a haste de correção de deformidades. Em Minas, a direção do HC/UFMG foi procurada, mas informou que a única pessoa que poderia falar sobre o tema estava de férias.
Segundo Canella, são catalogados 12 tipos de osteogênese imperfeita para estudos genéticos, mas a apresentação clínica se baseia em quatro que vão desde a formação óssea até as fraturas que ocorrem geralmente depois dos 2 anos. Algumas crianças andam e apresentam poucas deformidades, algumas apresentam apenas escleras azuladas (nos olhos) que são do tipo um, mais leve. Nas mais severas, a criança tem estatura muito baixa, deformidades na coluna e nos membros inferiores. Dependendo dessas apresentações, tem-se como avaliar, traçar um diagnóstico e tratar.
Como tratar
Antigamente, os pacientes morriam muitas vezes com poucos meses ou anos de vida, de colapso da musculatura cardiovascular. Com a adoção do medicamento penidronato o tratamento evoluiu – a ação da droga é ampla para diminuir a taxa de perda de matéria dos ossos. Segundo a Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta, criada em 1999 por pacientes, a resposta ao tratamento tem sido positiva, incluindo a diminuição da dor, melhora da mobilidade e, portanto, independência maior dos pacientes e menor incidência de fraturas. Além do penidronato, crianças com ossos de vido passam por cirurgias corretivas. São colocadas hastes para fortalecer os ossos. Hoje há uma haste similar a uma antena de carro, que acompanha o crescimento do osso. Isso impede que a criança seja submetida a inúmeras
Sofrimento amenizado pelo amor
Trata-se de uma deficiência molecular na proteína chamada colágeno tipo 1, presente nos ossos, na pele e nos tendões. Dependendo de como essa proteína é produzida, de formas diferenciadas em qualidade ou quantidade, o portador apresenta manifestações clínicas de maior ou menor severidade. De acordo com o ortopedista pediátrico Tulio Canella, referência em Minas Gerais no diagnóstico e tratamento da doença, a osteogênese é pouco difundida no meio médico, até por sua baixa incidência. Mas um dos problemas mais comuns é que casos de ossos de vidro são comumente confundidos com a síndrome da criança espancada. Assim, os pais que buscam ajuda para o sofrimento do filho acabam acusados de maus-tratos pelo conselho tutelar, quando não acusados e até levados à Justiça. Por isso, é preciso um entendimento para um diagnóstico diferenciado.
Em 1991, uma portaria do Ministério da Saúde tratava do diagnóstico e dos procedimentos para a constituição de centros de referência da osteogênese imperfeita e indicava locais públicos (de atendimento gratuito) onde poderiam ser constituídos, desde que comprovados, os procedimentos de formação de equipe multidisciplinar e locais em condições de atendimento. Cidades como Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e o Distrito Federal montaram os centros, mas outras regiões ainda estão desabastecidas, como é o caso de Minas Gerais. Como não há no estado um centro especializado, Tulio Canella tornou-se muito procurado por pais e equipes de saúde para orientar sobre os procedimentos que minimizem o sofrimento ao portador da doença: “Em Minas, somente nos meus registros, temos 60 casos”. O médico faz um trabalho praticamente voluntário de pesquisa, atendimento e tratamento.
“De maneira geral há uma dificuldade para abordar certas patologias e a osteogênese é uma delas. Há mais de 10 anos venho trabalhando para que o Hospital das Clínicas (da Universidade Federal de Minas Gerais) seja credenciado como referência no acolhimento desses pacientes, mas não temos tido sucesso”, revela o ortopedista. Onde não há centro especializado, os pacientes ficam prejudicados, precisando acionar a Justiça, seja para conseguir a medicação (dependendo do caso, a criança precisa tomar um remédio cuja ampola de 60mg custa entre R$1,2mil e R$ 1,5mil) seja para implantar a haste de correção de deformidades. Em Minas, a direção do HC/UFMG foi procurada, mas informou que a única pessoa que poderia falar sobre o tema estava de férias.
Segundo Canella, são catalogados 12 tipos de osteogênese imperfeita para estudos genéticos, mas a apresentação clínica se baseia em quatro que vão desde a formação óssea até as fraturas que ocorrem geralmente depois dos 2 anos. Algumas crianças andam e apresentam poucas deformidades, algumas apresentam apenas escleras azuladas (nos olhos) que são do tipo um, mais leve. Nas mais severas, a criança tem estatura muito baixa, deformidades na coluna e nos membros inferiores. Dependendo dessas apresentações, tem-se como avaliar, traçar um diagnóstico e tratar.
Como tratar
Antigamente, os pacientes morriam muitas vezes com poucos meses ou anos de vida, de colapso da musculatura cardiovascular. Com a adoção do medicamento penidronato o tratamento evoluiu – a ação da droga é ampla para diminuir a taxa de perda de matéria dos ossos. Segundo a Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta, criada em 1999 por pacientes, a resposta ao tratamento tem sido positiva, incluindo a diminuição da dor, melhora da mobilidade e, portanto, independência maior dos pacientes e menor incidência de fraturas. Além do penidronato, crianças com ossos de vido passam por cirurgias corretivas. São colocadas hastes para fortalecer os ossos. Hoje há uma haste similar a uma antena de carro, que acompanha o crescimento do osso. Isso impede que a criança seja submetida a inúmeras
Sofrimento amenizado pelo amor
Por ficar muito tempo imobilizado e sem ser manipulado nos primeiros meses, o crânio do bebê começou a crescer de forma desordenada. Foi preciso que a família organizasse um almoço beneficente e, com a ajuda de algumas entidades e da Prefeitura de Sete Lagoas, arrecadou R$ 13 mil para comprar um capacete para moldar o crescimento do crânio. Uma vez por mês a família vai a São Paulo, pois é a única cidade do país a fabricar o capacete e fazer a manutenção com o médico. Com um salário pouco superior a R$ 1 mil, a família conta com a ajuda de parentes e amigos para manter os cuidados. “Não me importo em passar o resto da minha vida correndo atrás de dinheiro ou do poder público para sustentar o tratamento do meu filho. Dou minha vida para não vê-lo sofrer.” Miguel já pode ser carregado pelos pais e vem apresentando evolução.
Ultrassom Na casa do bombeiro elétrico Kleber Belarmino e da mulher, Ana Maria Caldas Ottoni Belarmino, o diagnóstico veio no sexto mês da gravidez. “Fiz um ultrassom 3D para colocar no álbum, e os médicos perceberam que os membros superiores estavam mais desenvolvidos que os inferiores. Nosso bebê nasceu de parto normal, mas felizmente não sofreu fraturas durante o procedimento”, lembra Ana. Uma semana depois do parto, ela foi encaminhada ao setor de genética do HC/UFMG, onde o geneticista Marcos Aguiar detectou que se tratava de osteogênese imperfeita. “Já tinha ouvido falar de um único caso no exterior em que a mãe perdeu a guarda por maus-tratos. Fiquei apavorada, uma vez que no Brasil ninguém sabia de nada.”
Ana e a família foram encaminhadas ao ortopedista Tulio Canella para o tratamento. O Hospital Sarah Kubitschek foi indicado, por ser referência nacional em recuperação ortopédica, entretanto, ela conta que a unidade não oferecia acolhimento especializado para ossos de vidro. Mesmo assim Vinícius foi aceito para fazer fisioterapia. Depois de uma reavaliação, a equipe indicou a hidroterapia associada a um acompanhamento psicológico. Houve também orientação pedagógico e nutricional e logo o menino entrou na escola. Com apoio da equipe do Sarah, a mesa de Vinícius foi adaptada para que não representasse perigo de quedas e machucados. “Eles foram show de bola, apesar de não serem especialistas na osteogênese imperfeita, fizeram de tudo na adaptação: carrinho de bebê, a mesa da escola e agora na cadeira de rodas”, reconhece Ana Maria. Vinícius, com 8 anos, cursa o quarto período do ensino fundamental e, muito sorridente, está sempre brincando e conversa com todo mudo. Ele ainda não anda. Já se submeteu a diversas cirurgias corretivas. Quando perguntado do que mais gosta, responde sem pestanejar: “Cinema e leitura”.
depoimento
Elian Guimarães
Repórter do EM
Repórter do EM
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