domingo, 10 de fevereiro de 2013

O assunto é Julgamento do Mensalão [Tendências/debates]

folha de são paulo

MARCO AURÉLIO MELLO
A última palavra
O sistema não fecha se admitido o tratamento diferenciado. A decisão não se mostra condicionada ao endosso de outro Poder
A ordem natural das coisas possui força insuplantável, norteando a vida em sociedade. Prevalecente o bom senso, conclui-se que servidor ou agente condenado por formação de quadrilha, corrupção, peculato ou lavagem de dinheiro há de ser afastado da administração pública.
Em um Estado democrático de Direito, imperam as normas legais, a que todos, indistintamente, submetem-se. O Código Penal versa os efeitos da condenação, estando prevista, em certas situações, a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo -artigo 92. Isso ocorre quando aplicada pena restritiva da liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados em violação de dever para com a administração pública. Os direitos políticos ficam suspensos ante condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos -artigo 15, inciso I, da Constituição Federal.
Considerando o sistema como um grande todo e o primado do Judiciário, fica afastada a possibilidade de quem quer que seja desconhecer ou mesmo flexibilizar decisão condenatória. É comum dizer-se que o teor não se discute. Deve apenas ser cumprido.
O Supremo, no julgamento da ação penal nº 470, concluiu no sentido da perda dos mandatos dos parlamentares condenados -e estes o foram, repita-se, por formação de quadrilha, corrupção passiva, peculato ou lavagem de dinheiro-, declarando-os inabilitados para o exercício de função pública. Entre as interpretações possíveis, incumbe relativizar a verbal, a gramatical, que, conduzindo à visão primeira, seduz.
A sistemática e o objetivo das normas são inafastáveis. Por isso, o artigo 55 da Carta de 1988, mais precisamente o § 2º nele contido, ao revelar que, nos casos de inobservância às proibições versadas no artigo anterior, de procedimento incompatível com o decoro parlamentar e de condenação criminal, a perda do mandato pressupõe votação secreta e maioria absoluta assim definindo, não pode ser levado às últimas consequências, mesmo porque o parágrafo que se segue, a alcançar perda do mandato assentada pela Justiça Eleitoral, versa não a deliberação, mas a simples declaração pela Mesa da Casa respectiva.
O sistema não fecha se admitido o tratamento diferenciado. Depois de selada a culpa de parlamentares condenados, com imposição da perda dos mandatos, quando não mais for possível a interposição de recurso contra o pronunciamento do Supremo -respeitando-se, nesse meio-tempo, o princípio constitucional da não culpabilidade-, o efeito será único: o afastamento definitivo do exercício dos mandatos.
A toda evidência, a decisão proferida não se mostra, sob o ângulo da eficácia, condicionada ao endosso de órgão de outro Poder. Alfim, o Supremo, guarda maior da cidadania, da Constituição da República, o qual possui a última palavra sobre o direito posto, limitou-se a observar a ordem jurídica.
No mais, os ares democráticos direcionaram ao pleno funcionamento das instituições, sendo impensável a resistência ao conteúdo de título executivo criminal condenatório. Cientificada a Câmara dos Deputados do denominado trânsito em julgado da decisão -do não cabimento de qualquer recurso-, a providência natural situa-se no campo da forma: a declaração da perda dos mandatos, convocando-se, para as cadeiras vagas, os substitutos diplomados pela Justiça Eleitoral.



HENRIQUE EDUARDO ALVES
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É JULGAMENTO DO MENSALÃO
Avançar, com respeito e harmonia
Cabe à Câmara declarar a vacância dos mandatos dos deputados condenados. E não se trata de uma "queda de braço" com o Supremo
Nos 42 anos de meus 11 mandatos consecutivos representando o povo do Rio Grande do Norte na Câmara, convivi com personagens inesquecíveis do mundo político, enfrentei a opressão dos anos de chumbo e participei dos árduos e cívicos debates que desaguaram no ciclo da redemocratização.
Aprendi a cultivar sagrados valores basilares na vida pública: a liberdade de expressão e de opinião, a lealdade aos compromissos assumidos, a coerência de atitudes e o respeito aos preceitos de nossa Carta Constitucional, onde se lê que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si.
Esses são eixos que nortearão meus atos como presidente da Câmara. Não se espere a abertura de um ciclo de aspereza, de incomunicabilidade e de luta renhida entre a casa do povo brasileiro e outras esferas. Não queremos nem podemos ter autonomia absoluta sobre a sociedade, tampouco sobre outros Poderes, mas tão somente cumprir as funções que a Constituição nos atribui.
No que diz respeito à perda de mandato parlamentar por condenação pela Corte Suprema, cabe à Câmara, nos termos constitucionais, finalizar o processo de perda de mandato, processando a liturgia de declarar a vacância do cargo e convocar o suplente.
Não se trata, pois, de uma "queda de braço" com o Supremo Tribunal Federal. O debate transparente sobre questões como esta, de alta relevância para o país, atesta a vitalidade das instituições nacionais, reforçando a convicção de que o nosso sistema de freios e contrapesos funciona com vigor. Cordialidade, compreensão e respeito embasarão as relações com os membros da mais alta corte.
Há muitos desafios pela frente. Dentre eles, o de revigorar a força do Legislativo, garantindo que suas decisões venham a ser efetivamente cumpridas. Um dos mais relevantes é a aprovação do Orçamento impositivo. As emendas de parlamentares nele incluídas e aprovadas chegarão ao destino, sem mais necessidade de recorrermos ao Executivo. Para tanto, vamos dialogar francamente com a presidente Dilma Rousseff, sem perder de vista os altos interesses da nação e as demandas dos entes federativos.
A longa permanência no Parlamento me ensinou que não se muda cultura política da noite para o dia. Não são poucas as lideranças que incluíram em suas plataformas temas recorrentes e de alta prioridade para o equilíbrio federativo. Sem sucesso. Mesmo assim, voltarei a um deles, o pacto federativo. No dia 13 de março, vou me reunir com os governadores para discuti-lo. O atual modelo está falido. Buscaremos relação harmoniosa entre União, Estados e municípios.
Tenho lembrado que, nos primeiros tempos de minha vida pública, o município era o primo pobre. Hoje, é paupérrimo. Nosso desafio é o de formular uma nova distribuição dos recursos. Outra frente de ajustes será a dos royalties, sempre sob a inspiração de um modelo menos injusto e mais equilibrado.
É hora de reconhecer a nossa omissão na questão dos 3.000 vetos presidenciais sob exame do Legislativo e de corrigir esse vácuo aberto ao longo de 12 anos. E também de aperfeiçoar a apreciação das medidas provisórias, com critérios mais rígidos de relevância e urgência e a distribuição das relatorias, obedecendo ao princípio da proporcionalidade das bancadas partidárias.
A casa do povo, por ser o espaço de confluência das demandas e interesses da sociedade brasileira, é a que mais recebe críticas. E, se isso ocorre, é por ser a mais transparente e a mais aberta. Trata-se do espaço mais plural do território político da nação. E tudo farei para que ela continue assim, aberta, democrática e coerente com nosso compromisso com as liberdades.
Quem viveu os tempos duros que eu vivi, resistiu a situações como aquelas às quais resisti e enfrentou o que enfrentei, preza os ares das liberdades. De expressão, de opinião, de livre associação.
Cumprirei meu mandato à frente da Câmara dos Deputados coerente com minha história de vida e minhas convicções. Tenho por dever fazer bem o que tem de ser feito. Com a coragem de ousar. E o desejo de avançar.

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