Valor agregado da notícia
O impasse entre companhias que veiculam na internet páginas com agregados de notícias e as empresas jornalísticas, que de fato produzem tal conteúdo, teve alguns avanços recentes. Pequenos e insuficientes, mas ao menos se rompeu o dique oligopolista que travava a negociação.A empresa Google propôs a 160 veículos de comunicação franceses destinar-lhes € 60 milhões, nos próximos três anos, para seguir indexando manchetes e textos em seu compilador de notícias. O dinheiro, no entanto, será carreado para um fundo de apoio à inovação tecnológica na imprensa, e não diretamente para as empresas jornalísticas.
Em dezembro outro acordo havia sido concluído com meios de comunicação da Bélgica. Envolvia pagamento de estimados € 5 milhões, em dois anos, na forma de anúncios e de apoio ao desenvolvimento de meios para captar mais receita com publicidade on-line.
Não houve em qualquer dos casos, portanto, o reconhecimento de infração aos direitos dos autores do conteúdo e aos dos detentores do direito de cópia.
Esta Folha endossa a noção, capitaneada no país pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), de que o investimento na produção de notícias de qualidade, independentes e confiáveis exige remuneração.
A cópia indiscriminada de notícias na rede, sem autorização nem pagamento, além de violar direitos consagrados (ao menos nas democracias), desvaloriza a marca dos veículos produtores e tira audiência de suas páginas. Por consequência, inibe o crescimento de sua receita publicitária.
Por essa razão os jornais brasileiros recusam, desde 2011, autorização para que suas notícias sejam reproduzidas pelo serviço do Google. Também decidiram ficar fora de uma banca virtual montada pela Apple, em reação contra as condições comerciais desvantajosas impostas por essa empresa.
Não é só no Brasil que as negociações estão emperradas. O mesmo ocorre na Alemanha. E o Conselho de Publishers Europeus (EPC, na abreviação em inglês), que congrega 26 dos principais grupos de comunicação do continente, demanda agora que os termos do acordo firmado na França sejam estendidos para veículos de todos os países da região.
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Miséria publicitária
Ao distorcer dados da emancipação de miseráveis, governo solapa a seriedade necessária para discutir os rumos da política social
A área econômica do governo Dilma Rousseff faz escola. O malabarismo estatístico, ou "contabilidade criativa", difunde-se também para outros setores da administração federal.O Planalto alardeia ter tirado da miséria quase 20 milhões de pessoas. São 10% da população brasileira, e isso em apenas dois anos.
O segredo da prestidigitação, no caso, está em manipular os dois aspectos cruciais da contabilidade: a definição do que vem a ser pobreza extrema (ou miséria), de um lado, e o cadastro das famílias declaradas miseráveis, do outro.
Desde 2009 está fixado em R$ 70 o teto da renda mensal familiar per capita que define a miséria para fins do Bolsa Família e de outros programas federais de assistência. Já o rendimento dos mais pobres no mercado de trabalho veio aumentando, nesse período, mais depressa que a inflação.
Trata-se de uma emancipação social independente da ação do governo. Mas ela seria menor que a alegada na propaganda oficial superlativa, e mais corretamente medida, se o Planalto reajustasse a linha da indigência pelos índices de preço. Corrigidos pelo IPCA, os R$ 70 de 2009 correspondem a quase R$ 90 hoje.
A alquimia para simular tamanha progressão social instantânea envolve outro sortilégio. Em 2010, o Censo do IBGE apontava cerca de 16 milhões de brasileiros com rendimento inferior a R$ 70 mensais. Abaixo, portanto, dos 19,5 milhões que o governo anuncia terem saído da miséria nos dois anos seguintes.
Em vez de fiar-se no IBGE, o governo passou a contabilizar os indigentes de acordo com seu próprio cadastro, realizado em parceria com os mais de 5.500 municípios brasileiros. Daí surgiu o milagre da multiplicação dos miseráveis, dois anos atrás.
Não é preciso muita reflexão para atribuir ao cadastro dos beneficiários do governo um grau de vulnerabilidade técnica -para não falar das brechas a fraudes- bem mais elevado que o do Censo do IBGE.
A discussão sobre a pobreza e as formas de enfrentá-la está pronta para subir de patamar. Sabe-se hoje, por exemplo, que as condições de moradia e instrução dos mais pobres evoluíram bem mais lentamente que a renda. Deveriam ganhar mais destaque na política social e originar novos indicadores.
Os reiterados lances de pirotecnia estatística do governo federal, porém, chamuscam sua seriedade e sua credibilidade nesse debate.
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