Estado de Minas: 16/02/2013
Tendo à frente o ex-3º sargento Amadeu Filipe da Luz Ferreira, os prisioneiros da Serra do Caparaó se põem em fila antes de serem levados para Juiz de Fora, onde iriam ser submetidos a inquéritos, na 4ª Região Militar |
“Afinal apareceu uma coisa diferente no Brasil, coisa que de certo modo quebra a monotonia cotidiana.” Foi assim que Carlos Drummond de Andrade abriu sua crônica publicada no Estado de Minas, em 7 de abril de 1967, tratando da Guerrilha do Caparaó, primeiro movimento armado de oposição ao regime militar instaurado com o golpe de 31 de março de 1964. Um dia antes, os últimos integrantes do grupo que tentou implantar nas montanhas de Minas um modelo de resistência nos moldes da guerrilha de Sierra Maestra, em Cuba, haviam sido presos pela Polícia Militar do estado com pouca resistência. Entre o final de 1966 e data de sua prisão, os insurgentes tentaram despertar o país para uma atitude que se tornava cada vez mais rígida da cúpula militar. Não conseguiram de imediato. Mas, com o tempo, a mobilização dos cerca de 20 homens que subiram a Serra do Caparaó, na Zona da Mata mineira, se tornou conhecida.
A gestação da primeira ação armada contra a ditadura começou nos próprios quartéis, logo nas semanas seguintes ao golpe, quando cerca de 1 mil militares, acusados de subversão, foram expulsos do Exército, Marinha e Aeronáutica. Muitos deles haviam apoiado a posse de João Goulart, vice-presidente de Jânio Quadros, em 1961, depois que o presidente renunciou, o que gerou insatisfação de alguns setores das Forças Armadas. Depois de 1964, as divergências internas seriam punidas com expulsões e prisões. Foram esses sargentos e marinheiros que perderam seus empregos e sofreram com a linha-dura dos novos líderes do Brasil os primeiros a se organizar para denunciar o autoritarismo do regime.
Influenciados pelo cenário internacional, em que ganhava cada vez mais destaque a Revolução Cubana e a pregação do revolucionário Ernesto Che Guevara contrária à intervenção dos Estados Unidos na América Latina, os sargentos se reagruparam clandestinamente para articular uma resposta ao grupo que chegou ao poder. Depois de procurar apoio do político gaúcho Leonel Brizola, que estava exilado no Uruguai, e conseguir financiamento do governo cubano, os sargentos criaram o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Mas no Sul os levantes não foram para frente e a região da Serra do Caparaó, na divisa de Minas com o Espirito Santo, se tornou a melhor opção para os insurgentes.
SEM APOIO A partir do segundo semestre de 1966, guerrilheiros foram chegando de vários estados, em pequenos grupos ou individualmente, cada um levando o armamento possível. A primeira tarefa era fazer reconhecimento da região, trançando os melhores pontos para montar guardas, e fazendo contato com moradores da região, na tentativa de ganhar apoio para a causa. No entanto, ao contrário do plano traçado, a participação da população da região não ocorreu e a movimentação dos guerrilheiros acabou gerando curiosidade e desconfiança sobre o que se passava por ali.
O dinheiro que vinha de Cuba parou de chegar e a dificuldade de levar a ação adiante ficou cada vez mais clara para o grupo, que enfrentava também a presença de ratos nos depósitos de comida. Os alimentos ficavam contaminados e as doenças começaram a se espalhar entre os guerrilheiros. Aos poucos a resistência seria minada, com alguns homens desistindo da luta e outros sem condições físicas de manter seus postos. As prisões começaram em março, quando dois insurgentes foram presos na tentativa de embarcar em um trem em Espera Feliz, nos sopé do Caparaó. Cercada pela Polícia Militar de Minas, que já acompanhava a movimentação do grupo, a dupla foi presa e entregue ao Exército (4ª Região Militar), em Juiz de Fora.
No final de março, as forças de segurança já tinham identificado o acampamento da guerrilha e poucos remanescentes tentaram reagir – houve até troca da tiros com a polícia –, mas sem representar grande resistência. Alguns que conseguiram fugir da serra – em número não confirmado pelos registros oficiais – foram presos às margens da BR-116 e também levados para o presídio de Linhares, em Juiz de Fora.
O contragolpe do regime militar contou com um grande efetivo. Nos dias seguintes, mais de 3 mil homens foram enviados à região à procura de guerrilheiros que poderiam ter ficado no Caparaó. Helicópteros fizeram bombardeios e dezenas de civis, principalmente na região de Manhumirim, nos arrabaldes da serra, também foram detidos, acusados de ter colaborado com os “bandoleiros ladrões de gado”. O primeiro ato contra o regime militar acabou antes mesmo de ter sido colocado em prática efetivamente, mas a mensagem de insatisfação contra a ditadura serviu de exemplo para grupos que passaram a surgir no final da década de 1960, e até o retorno da democracia deixaram claro que o autoritarismo dos quartéis não passaria em branco.
Constatando o fracasso do levante – “vencido pelos ratos, antes do combate com as tropas” –, o escritor mineiro não deixa de valorizar a tentativa: “Aqueles camaradas magros, barbudos, enfraquecidos, que desciam da montanha e se esgueiravam entre sombras, intrigavam os moradores das margens do Manhuaçu. Até a polícia acorda nessas ocasiões. E polícia acordando, o Exército vai ver o que é que há. Foi. Os guerrilheiros presos, e a Serra do Caparaó, ao que tudo indica, não será mais agora-outrora uma versão mineira de Sierra Maestra. Mas aconteceu. Esse nome de guerrilheiros soa a nossos ouvidos com um timbre de herói moderno, que às vezes tem sorte, e muitas outras entra pelo cano. Mas, sem dúvida impressiona mais do que o guerreiro, tão velho e gasto este último que até o Ministério da Guerra mudou de nome, pela reforma administrativa”, finaliza Drummond.
A gestação da primeira ação armada contra a ditadura começou nos próprios quartéis, logo nas semanas seguintes ao golpe, quando cerca de 1 mil militares, acusados de subversão, foram expulsos do Exército, Marinha e Aeronáutica. Muitos deles haviam apoiado a posse de João Goulart, vice-presidente de Jânio Quadros, em 1961, depois que o presidente renunciou, o que gerou insatisfação de alguns setores das Forças Armadas. Depois de 1964, as divergências internas seriam punidas com expulsões e prisões. Foram esses sargentos e marinheiros que perderam seus empregos e sofreram com a linha-dura dos novos líderes do Brasil os primeiros a se organizar para denunciar o autoritarismo do regime.
Influenciados pelo cenário internacional, em que ganhava cada vez mais destaque a Revolução Cubana e a pregação do revolucionário Ernesto Che Guevara contrária à intervenção dos Estados Unidos na América Latina, os sargentos se reagruparam clandestinamente para articular uma resposta ao grupo que chegou ao poder. Depois de procurar apoio do político gaúcho Leonel Brizola, que estava exilado no Uruguai, e conseguir financiamento do governo cubano, os sargentos criaram o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Mas no Sul os levantes não foram para frente e a região da Serra do Caparaó, na divisa de Minas com o Espirito Santo, se tornou a melhor opção para os insurgentes.
SEM APOIO A partir do segundo semestre de 1966, guerrilheiros foram chegando de vários estados, em pequenos grupos ou individualmente, cada um levando o armamento possível. A primeira tarefa era fazer reconhecimento da região, trançando os melhores pontos para montar guardas, e fazendo contato com moradores da região, na tentativa de ganhar apoio para a causa. No entanto, ao contrário do plano traçado, a participação da população da região não ocorreu e a movimentação dos guerrilheiros acabou gerando curiosidade e desconfiança sobre o que se passava por ali.
O dinheiro que vinha de Cuba parou de chegar e a dificuldade de levar a ação adiante ficou cada vez mais clara para o grupo, que enfrentava também a presença de ratos nos depósitos de comida. Os alimentos ficavam contaminados e as doenças começaram a se espalhar entre os guerrilheiros. Aos poucos a resistência seria minada, com alguns homens desistindo da luta e outros sem condições físicas de manter seus postos. As prisões começaram em março, quando dois insurgentes foram presos na tentativa de embarcar em um trem em Espera Feliz, nos sopé do Caparaó. Cercada pela Polícia Militar de Minas, que já acompanhava a movimentação do grupo, a dupla foi presa e entregue ao Exército (4ª Região Militar), em Juiz de Fora.
No final de março, as forças de segurança já tinham identificado o acampamento da guerrilha e poucos remanescentes tentaram reagir – houve até troca da tiros com a polícia –, mas sem representar grande resistência. Alguns que conseguiram fugir da serra – em número não confirmado pelos registros oficiais – foram presos às margens da BR-116 e também levados para o presídio de Linhares, em Juiz de Fora.
O contragolpe do regime militar contou com um grande efetivo. Nos dias seguintes, mais de 3 mil homens foram enviados à região à procura de guerrilheiros que poderiam ter ficado no Caparaó. Helicópteros fizeram bombardeios e dezenas de civis, principalmente na região de Manhumirim, nos arrabaldes da serra, também foram detidos, acusados de ter colaborado com os “bandoleiros ladrões de gado”. O primeiro ato contra o regime militar acabou antes mesmo de ter sido colocado em prática efetivamente, mas a mensagem de insatisfação contra a ditadura serviu de exemplo para grupos que passaram a surgir no final da década de 1960, e até o retorno da democracia deixaram claro que o autoritarismo dos quartéis não passaria em branco.
Constatando o fracasso do levante – “vencido pelos ratos, antes do combate com as tropas” –, o escritor mineiro não deixa de valorizar a tentativa: “Aqueles camaradas magros, barbudos, enfraquecidos, que desciam da montanha e se esgueiravam entre sombras, intrigavam os moradores das margens do Manhuaçu. Até a polícia acorda nessas ocasiões. E polícia acordando, o Exército vai ver o que é que há. Foi. Os guerrilheiros presos, e a Serra do Caparaó, ao que tudo indica, não será mais agora-outrora uma versão mineira de Sierra Maestra. Mas aconteceu. Esse nome de guerrilheiros soa a nossos ouvidos com um timbre de herói moderno, que às vezes tem sorte, e muitas outras entra pelo cano. Mas, sem dúvida impressiona mais do que o guerreiro, tão velho e gasto este último que até o Ministério da Guerra mudou de nome, pela reforma administrativa”, finaliza Drummond.
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