O país do Amigo da Onça
A pegadinha da água não quebra o decoro, a ética, a regra do jogo, nada disso, só revela o 'oncismo'
Amigo torcedor, amigo secador, mais do que o país cordial, o país do jeitinho ou o país da malandragem caricata, o Brasil segue mesmo, tal e qual, é como a pátria do Amigo da Onça -aqui lembrando, para estes moços, pobres moços, o personagem do desenhista pernambucano Péricles (1924-1961).No futebol nem se fala. Somos não obrigatoriamente o que ocorre no Senado, por exemplo, apesar de sermos cúmplices na vida real e incendiários tão somente nas redes sociais etc.
O que acontece nos jogos de bola, no entanto, é sempre a nossa cara. Cagada e cuspida. Um bando de muy amigos da onça. Mesmo dentro da mais absoluta legalidade, caso do Ronaldinho com o Rogério nesta semana no Independência.
O corvo Edgar, que não tem nada de felino nesse jogo do bicho e muitos menos preza pela mínima moral da história, achou ótimo. Secou como nunca sua obsessão chamada tricolor paulista. Lembrai-vos, caríssimos são-paulinos, a agourenta ave nasceu sob o signo da supremacia do vosso time na Libertadores.
Foi a então arrogância do clube do Morumbi, amigo, que deu as condições históricas e colheu os garranchos proletários para o ninho do lazarento gerado de uma costela de Poe e das assombrações do urubu de Augusto dos Anjos.
Sendo o guarda-metas o Ceni, nossa, o corvo vibrou, digo, secou, mais ainda. Não tolera a simpatia do rapaz. Juro que não entendo o motivo. Não deve gostar dos grandes líderes. Não deve curtir quem alveja outros colegas de infortúnio com fulminantes cobranças de faltas. Goleiro que castiga goleiro não tem perdão para el cuervo.
E chega de explicações e teses de boteco. Um copo d'água e uns agrados orais, como diria o poeta Mr. Catra -eis finalmente a delicadeza perdida-, não se nega a ninguém. Duvido, porém, meu caro, que outro boleiro beba da moringa do Ceni depois do gol do Jô protagonizado pelo genial 10 do Galo nas Minas Gerais.
O tipo de episódio que deve mudar, doravante, os bons e recomendados modos do fair play. A pegadinha da água, como definiram ontem na Inglaterra, não quebra o decoro, a ética, a regra do jogo, nada. Ela só revela, repito, o "oncismo" -eu mato a sede na tua casa e lá mesmo apronto contigo. Talvez revele mais ainda: a pegada picaresca de anti-heróis brasileiros da literatura de cordel como João Grilo ou Chicó, personagem de "O Auto da Compadecida", do paraibano Ariano Suassuna, o mais ilustre torcedor do Sport Recife que já vi na Ilha do Retiro.
Não creio em crime premeditado. O Onça é mais do improviso. Muito menos creio em um apagão de memória da zaga do São Paulo. Não se esquece de uma hora para outra que, em cobrança de lateral, não há impedimento. Caíram mesmo no conto do Amigo da Onça. Acontece.
@xicosa
xico.folha@uol.com.br
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