Coautor do samba vencedor do Carnaval se esconde em sítio para festejar e diz que idade não lhe impõe restrições
Principais músicas de seu repertório serão regravadas por 24 artistas em projeto de tributo ao sambista
Depois de desfilar em sua Vila Isabel na última terça, mesmo dia em que completou 75 anos, viu a escola vencer seu terceiro Carnaval, com um samba-enredo já considerado histórico, que compôs com seu filho Tunico e os parceiros Arlindo Cruz, André Diniz e Leonel.
Mas, na hora da festa do título, preferiu sumir. "Eu pensei: a imprensa toda vai estar lá. Se eu for, vai ser todo mundo atrás de mim. Não dá."
Fugiu para a roça, a mesma que cantou na Sapucaí, do fogão de lenha, da prosa com os "cumpadi", no sítio onde nasceu, em Duas Barras, região serrana do Rio.
Lá, em paz e cercado de amigos, familiares e de seus bichos -cachorros, patos, galinhas, bois, cavalos-, fez um churrascão daqueles.
Foi nesse ambiente que recebeu a Folha para falar sobre a vitória de sua Vila e sobre os inúmeros projetos que tem pela frente.
Martinho, que faz quatro shows no Sesc Vila Mariana no final deste mês (com ingressos esgotados), será homenageado com um "sambabook", no qual seus sucessos são interpretados por artistas como Paulinho da Viola ("Quem É do Mar Não Enjoa") e Pitty ("Roda Ciranda").
Folha - Como surgiu o tão elogiado samba-enredo?
Martinho da Vila - Esse vai ficar entre os grandes sambas da Vila Isabel. Tínhamos certeza de que estávamos com uma grande criação nas mãos. Agora, a receptividade foi muito maior do que a gente esperava.
Eu até achei que não ia ser tanto, porque ninguém se preocupou em popularizar demais o samba, refrão, nada disso. Só pensamos em contar a história da vida na roça. E deu certo.
O sr. sabe quando uma criação vai dar certo?
O criador não pode pensar em fazer sucesso. Você tem de fazer o que gosta. A maioria das coisas que eu fiz foi para mim mesmo, mas aquilo avança. Tem de pensar em fazer bem-feito, direito. O sucesso é consequência.
Tem novos discos a caminho?
Vai sair um "sambabook" em abril, com minhas músicas gravadas por 24 artistas. E pretendo também fazer um disco com todos os meus sambas-enredos, são 11 da Vila Isabel e uns que eu fiz na Aprendizes da Boca do Mato, minha primeira escola.
Dá para juntar tudo num disco, vou ver se consigo gravar neste ano. Vai se chamar "Escola de Samba-Enredo", mostrando o lado cultural dos sambas-enredos, as informações que eles trazem.
O primeiro disco que o sr. gravou ("Nem Todo Crioulo É Doido", 1968) também está sendo relançado agora.
O Sérgio Porto, que era um grande humorista, fez o "Samba do Crioulo Doido", um samba que agredia todos os compositores de escola de samba. E também fez um Show do Crioulo Doido. Fui ver, era racista pra caramba.
Eu resolvi fazer uma coisa contrária, "Nem Todo Crioulo É Doido". Juntei o pessoal de escola de samba, fiz um show e gravamos o disco.
Em entrevista recente à Folha, Zeca Pagodinho disse que o Carnaval acabou. Como o sr. vê a festa hoje?
É melhor. Antes, as escolas de samba só se apresentavam para quem era daquele meio, era quase uma apresentação familiar. Elas foram crescendo, hoje tornaram-se o maior espetáculo da Terra, uma coisa fantástica.
E a questão do patrocínio?
Quando tem patrocinador, facilita muito, porque dinheiro é fundamental para fazer um grande espetáculo. Não pode fazer um espetáculo bonito e pobre.
Agora, se você se curvar aos desejos do patrocinador, faz uma porcaria, fica ruim. Vira um veículo de propaganda, e não é essa a proposta. Hoje, uma escola de peso, tipo a Vila, pode escolher patrocinador. A gente dá as normas.
Como anda seu lado escritor?
Uma editora me encomendou um livro sobre o Pixinguinha. Ainda não sei como vou fazer, a ideia é contar para crianças, mas botando um pouco de informação.
Tem um outro que já está pronto, chama-se "O Nascimento do Samba", também para crianças. Estou procurando uma editora para distribuir, mas, se não achar, eu mesmo vou lançar.
É mais difícil escrever livro ou música?
O livro precisa mais de uma dedicação permanente, muita disciplina, senão você não escreve. Tenho colegas que têm seis livros que não estão concluídos, eu não tenho nenhum. Faz um de cada vez, é isso. Devagarinho a gente vai longe. É filosofia de vida, não fazer nada correndo.
Com a música é assim?
Um samba-enredo é quase como um livro. Mas é mais fácil, porque você tem um tema. O chato é quando me pedem para fazer música sem ter um tema. O difícil é ter uma motivação, um gancho.
Pensa em se candidatar novamente à Academia Brasileira de Letras?
Não, aquilo [a candidatura em 2006] foi só para causar burburinho. A academia é um lugar de gente vaidosa, para gente velha (risos).
Como foi chegar aos 75 anos?
Estou na boa. Não vejo muita diferença, tirando usar óculos para ler, o que é chato para caramba. Não tenho restrições, posso tudo. Acho que ainda tenho muita coisa a fazer. Não sei o quê, mas vou fazer bastante.
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