Estado de Minas 04/03/2013
Banda
resistente. Assim Caetano Veloso definiu a conterrânea Cascadura. Não é
para menos. Em 21 de abril de 1992, o vocalista Fábio Cascadura e
companheiros ainda titubeavam em se tornar um conjunto musical quando
foram surpreendidos com o convite para a estreia. “Tocávamos na garagem
do prédio e havia festa em um dos apartamentos. Um dos artistas não
apareceu e nos perguntaram se queríamos subir”, lembra ele. De lá para
cá, já são 20 anos de trajetória independente.
Pode parecer
estranho a ouvidos acostumados ao axé, mas a música da terra de Dorival
Caymmi, dos Novos Baianos e da Tropicália vai – e sempre foi – muito
além dos ritmos consagrados no carnaval de Salvador. A variedade da cena
roqueira soteropolitana parecia restrita aos porões do underground. Mas
isso é passado. Sobretudo agora, quando fronteiras e rótulos estão cada
vez mais em desuso.
“Hoje, a conjuntura musical na Bahia é de
comunicação intensa. Ouvimos outras bandas e dizemos: ‘Isso é
sensacional, vamos tentar responder no mesmo nível’”, conta Fábio. Têm
se destacado não só os trabalhos da Cascadura, mas de Lucas Santanna,
Orkestra Rumpilezz, Baiana System e Márcia Castro. “Somos baianos que
percebemos a necessidade de dizer: qual é a música da Bahia hoje?”,
resume o líder da Cascadura.
Há dois anos de volta à faculdade
de história, Fábio leva a questão quase ao pé da letra. Aleluia, o álbum
duplo que recebeu elogios rasgados de Caetano Veloso, sintetiza parte
da busca da banda – e do vocalista em particular – de se reconhecer como
soteropolitana. Essa turma se propõe a repensar os símbolos da Bahia
contemporânea.
Lançado para comemorar as duas décadas do grupo,
Aleluia é fruto de muitas reflexões. Diferentemente dos quatro álbuns
anteriores, ele envolveu pesquisa de cerca de dois anos. Recém-chegada
de experiência em São Paulo, a Cascadura – também formada por Thiago
Trad (bateria), Tu Txai (guitarras), Cadinho (baixo) e Nielton Marinho
(percussão) – buscou falar mais de sua terra. “Começamos a dialogar com
os artistas, a literatura, a filmografia e a produção cultural.
Queríamos levantar problemáticas”, conta Fábio.
Pouco a pouco,
as inquietações coletivas foram se transformando em música. Mais
precisamente, em 22 canções divididas em dois CDs – mas nada, digamos,
bairrista. A letras falam de temas não necessariamente ligados à capital
baiana. Na mesma proporção em que explora o som pesado das guitarras e a
bateria marcada, o repertório traz percussão, metais e até instrumentos
“eruditos”, como flauta, violino e oboé.
Ao analisar Aleluia,
Fábio Cascadura refuta o termo mistura: “Prefiro combinação. Acho que
combinamos uma série de perspectivas. Quando penso no rock, não me
refiro àquele ambientado e absorvido pela classe média branca americana
ou pela pequena burguesia mundial”. As referências da banda vão dos
Beatles às recentes sonoridades baianas, com peso nos metais.
Estresse
Já faz tempo que a Cascadura não vem a Belo Horizonte. O último show
foi há cerca de cinco anos, no Bar A Obra. Naquele período, o grupo
vivia um momento crucial. Depois de passar alguns anos tentando maior
visibilidade em São Paulo, a banda dava seus últimos suspiros quando
recebeu o convite do cantor Lobão para lançar um CD que viria encartado
na revista Outracoisa.
“A gente passava por grande estresse.
Falamos: vamos gravar as canções que temos e pronto”, lembra Fábio.
Assim surgiu o disco Bogary. “Ele foi ganhando força, muito pela forma
de lançamento, em banca de revistas. Chegamos a um público que não
conhecíamos”, relembra o cantor.
Além de circular por casas do
circuito independente, a Cascadura usa a rede como plataforma. Aleluia
pode ser encontrado em versão de luxo nas lojas e baixado gratuitamente.
A íntegra do documentário Efeito Bogary (2009), sobre a trajetória da
Cascadura, está disponível no YouTube.
“Há uma reconfiguração do
mercado fonográfico que ainda não foi plenamente compreendida. Os
espaços começaram a se combinar. A gente acabou criando o nosso
mainstream. Somos o mainstream do underground”, afirma o vocalista.
Um
elogio de Nando Reis, o apoio de Lobão, a troca de experiências com
Pitty, o diálogo com bandas como Dead Fish e Cachorro Grande – tudo isso
soma. “A gente quer chegar ao coração das pessoas. Não quero que nosso
repertório se transforme em tema de novela de sucesso. Se acontecer,
será lindo, maravilhoso. O grande lance da declaração de Caetano é que
Cascadura chegou ao coração dele. É bom saber que isso vem de um cara
que você ouve desde os 10 anos, de uma pessoa que realmente tem a
capacidade de acompanhar o tempo”, conclui o vocalista.
EFEITO BOGARY
Com
direção de Renato Gaiarsa e Rodrigo Luna, o documentário Efeito Bogary é
pioneiro na história do rock baiano. Foi o primeiro DVD lançado
comercialmente por uma banda independente do estado. O filme está
disponibilizado na internet. Artistas como Pitty, Ronei Jorge, Rodrigo
Lima (Deadfish), Nando Reis e Lobão analisam a trajetória do disco
emblemático para a história do grupo. Confira em www.bandacascadura.com
O aval de Caê
“Quero ser
justo: um dos melhores discos de rock brasileiro de sempre é o novo do
Cascadura, Aleluia. Fico profundamente feliz. Zeca (ainda pequeno) e eu
ouvíamos apaixonados o CD dessa banda resistente quando eles gravaram
Nicarágua. Eles nunca esmoreceram. Agora trazem um trabalho extenso e
denso, com rítmica complexa, timbres ricos e interpretações
espetaculares de Fábio. É um disco de responsa, que todos os amantes de
rock deveriam ouvir.”
>> Texto publicado no blog de Caetano Veloso em 10 de fevereiro
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