Somos só parte da imensa diversidade dos seres humanos
Protagonista do filme "Colegas", que estreou sexta, fala da vida com a síndrome de down e de como se sente igual a todos
Tendo desafiado e vencido as dificuldades típicas de sua condição (o preconceito, por exemplo, ou as dificuldades de dicção), ele ajudou a captar recursos, atuou e agora trabalha no marketing do longa (em um vídeo no site YouTube, ele pede que o ator norte-americano Sean Penn venha ao Brasil assistir ao filme com ele).
O personagem de Goldenberg em "Colegas", que estreou na sexta-feira passada, é Stallone, um cara fissurado em cinema, que foge do internato em que vive para realizar o sonho de ver o mar. Na vida real, o ator confessa ser também um noveleiro.
Adora os dramalhões da artista mexicana Thalia, que assiste com a mulher, a também down Rita Pokk, 32, atriz com quem contracena em "Colegas".
Os dois estão casados há nove anos. Goldenberg ainda fala -derretido- sobre os "olhos azuis bonitos" de Rita. Elogia-lhe a "alma pura". Moram com a mãe dele, Corinne, no bairro de Perdizes (zona oeste de São Paulo).
Ah, as mães. Goldenberg fala da sua como quem sempre o apoiou. Rita diz que a dela -Muriel- é uma heroína. "Me ensinou tudo".
O sonho do guerreiro, agora, é se firmar na carreira de ator (pensa em atuar em uma novela) e estudar para se tornar diretor também.
Abaixo, a entrevista de Goldenberg, em que ele revela o segredo de seu sucesso e dá dicas sobre como os pais de crianças com Down podem ajudar seus filhos.
Folha - A campanha "VemSeanPenn" já foi vista por 1,4 milhão de pessoas. Afinal, ele vem?
Ariel Goldenberg - Agora, é com ele. Mas, mesmo que ele não venha, eu queria deixar claro que eu já devo muito ao Sean Penn pela forma digna com que representou a condição dos deficientes mentais em "Uma Lição de Amor", de 2001. No filme, ele interpretou um pai com deficiência mental que luta pelo direito de criar sua filha. Acho que o Sean Penn nesse filme fez o que nós tentamos fazer com o "Colegas". Mostrou para a sociedade que os downs são capazes de fazer qualquer coisa.
O que você fazia antes de se tornar ator?
Eu trabalhava no marketing de uma empresa gigante de tintas. Aproveitei para fazer uma captação de recursos para o filme "Colegas", quando ele ainda era só um projeto. Falei com meu chefe que eu seria o protagonista, que o argumento era muito bom. Eles deram R$ 500 mil [a produção toda ficou em R$ 5,5 milhões].
Você não teve medo de tomar um não na cara?
Eu sou um cara que luta, um guerreiro. Eu luto muito para conseguir o que quero. Sou persistente. Meu sonho é ser ator e cineasta. Toda a minha vida está voltada para esse foco de atuar e dirigir.
Como foi a sua infância?
Foi uma infância feliz e relativamente comum. Meus pais são separados desde não sei quando; fui criado com três irmãos. Minha mãe me colocou em uma escola normal, que foi a minha primeira escola. Depois, fui estudar em uma escola especializada em alunos com síndrome de down. Recomendo, às famílias que possam, que coloquem seus filhos com down em uma escola especializada, que sabe melhor como lidar com nossas características e necessidades.
Qual é o papel da sua mãe na sua vida?
Minha mãe me deu muita segurança.
Segurança do amor dela?
Olha, a questão mais importante aqui não é o amor. A questão mais importante é o apoio. É diferente. Amor eu tenho da minha esposa, a Rita. É claro que existe o amor de mãe, mas, agora, com o amor da minha esposa, eu não preciso mais do amor da minha mãe. O que eu preciso é do apoio dela. E isso eu tive, tenho e terei sempre. Por exemplo: agora mesmo, eu pedi a ela que me conseguisse algum contato no SBT, para que eu possa investir na minha carreira de ator. Eu quero entrar no casting de novelas do SBT, da Globo ou da Record. E ela conseguiu.
Como você avalia o seu desempenho no filme?
Eu dei a minha alma para que o Stallone expressasse a realidade de um down que luta para materializar os seus sonhos. Stallone sou eu. Tenho orgulho de dizer que fizemos o filme todo em um take só. Gravamos direto, não houve a necessidade de refazer cenas porque os atores se esqueceram do texto, ou porque não colocaram verdade nos personagens.
Você alguma vez se sentiu discriminado por ser down?
Uma vez. E foi, por coincidência, em um cinema. Eu e a Rita estamos acostumados a ir ao cinema toda sexta-feira. Sempre fomos tratados com respeito, mas, naquele dia, o gerente se recusou a aceitar que pagássemos meia-entrada, que é um direito assegurado aos downs. Ficou claro que ele não nos queria lá. Me subiu o sangue na hora.
Como você conheceu a Rita?
Entrei no site "Grandes Encontros", que é uma sala de bate-papo para pessoas com deficiência, e a encontrei. O que ela tem de mais? Nada. Apenas uma alma pura e os olhos azuis bonitos. Casamos nos rituais judaico, religião da minha família, e no católico, da família da Rita.
Você se sente um cara diferente das pessoas comuns?
Não. Eu me sinto igual a todo mundo. Nós downs perante a sociedade somos downs, mas, perante Deus, somos normais. É claro que eu sei que temos uma cópia a mais do cromossomo 21. Mas todo dia nasce um bebê down ou um bebê torto, ou loiro, ou moreno, ou mais inteligente, ou menos. Nós somos apenas parte da imensa diversidade dos seres humanos. Por isso, somos normais.
Muitas pessoas têm filhos com síndrome de down e não sabem lidar com essa situação. Que conselho você daria?
Tem que ter paciência com o filho. E se o filho fizer alguma coisa errada, tem que ser firme ao apontar o erro. Firmeza no bom sentido, falando de modo que ele entenda. Outra coisa importante é apoiar o filho. Se ele quiser arrumar uma namorada, ou se casar, tem de respeitar esse sentimento.
E um conselho para quem tem Down?
Eu digo que tem de lutar. Tem de lutar muito. Uma das minhas frases preferidas é "do luto nasce a luta".
Quais são os próximos passos?
Quero virar ator profissional, viver disso, estudar para me tornar diretor como o Marcelo [Galvão, diretor de "Colegas"].
E ter filhos, você e a Rita não planejam?
Não. Porque dá muito trabalho formar um filho com a síndrome. E há uma probabilidade muito grande de termos um filho com a síndrome. Eu não quero me arriscar.
FRASES
"É claro que eu sei que temos uma cópia a mais do cromossomo 21. Mas todo dia nasce um bebê down ou um bebê torto, ou loiro, ou moreno, ou mais inteligente, ou menos. Nós somos apenas parte da imensa diversidade dos seres humanos. Por isso, somos normais"
RAIO-X ARIEL GOLDENBERG
VIDA
Ariel Goldenberg nasceu em 25 de novembro de 1980, em São Paulo
Ariel Goldenberg nasceu em 25 de novembro de 1980, em São Paulo
TRABALHOS
Atuou no seriado da TV Globo "Carga Pesada", na novela do SBT "Jamais Te Esquecerei" e no documentário "Do Luto à Luta"
Atuou no seriado da TV Globo "Carga Pesada", na novela do SBT "Jamais Te Esquecerei" e no documentário "Do Luto à Luta"
PAIXÕES
Time do coração: São Paulo
Hobby: cinema e pilates
Filme preferido: "Uma Lição de Amor" (2001)
Ator preferido: Sean Penn
Time do coração: São Paulo
Hobby: cinema e pilates
Filme preferido: "Uma Lição de Amor" (2001)
Ator preferido: Sean Penn
ANÁLISE
Em alguns casos, falar em inclusão já é algo ultrapassado
CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULOAo colocar jovens com síndrome de Down como protagonistas, o filme "Colegas" dá um passo importante na discussão não só sobre a inclusão social, mas também sobre temas considerados ainda tabus no campo das deficiências -a sexualidade, por exemplo.Na ficção (e na vida real), Stallone e Aninha são um casal como outro qualquer: que se apaixona, que faz sexo e que tem sonhos em comum.
Eles são um retrato de uma nova geração de pessoas com síndrome de Down que têm vida normal. Estudam, trabalham, viajam, namoram, casam. Há inúmeros exemplos de profissionais bem-sucedidos inseridos no mercado.
E isso tem muito a ver com o avanço na forma de lidar com os downs desde o nascimento, e a adoção de uma série de medidas que vão amenizar os efeitos das alterações metabólicas provocadas pelo fato de terem três cromossomos 21, em vez de dois.
Por exemplo, 50% dos bebês que nascem com síndrome têm cardiopatias congênitas, que devem ser tratadas desde o nascimento. Também têm mais chances de desenvolver hipertensão e excesso de colesterol "ruim" no sangue.
Por isso, precisam seguir programas específicos, com alimentação balanceada e exercícios físicos. Nesse sentido, é fundamental que a família em acredite no potencial do filho deficiente de desenvolver habilidades.
Essa turminha demonstra que não precisa provar mais nada pra ninguém. Tanto que, em alguns casos, falar em inclusão já é algo ultrapassado. Há, porém, muito preconceito a ser combatido. E somos nós, as ditas pessoas "normais", que precisamos mudar isso.
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