segunda-feira, 4 de março de 2013

Para garantir a comunicação - Paloma Oliveto‏

Pesquisadores testam abordagens capazes de formar conexões neurais no cérebro de pacientes com dificuldades para se expressar. Comum em vítimas de derrame, a afasia afeta a fala e a escrita, e é tradicionalmente tratada por fonoaudiólogos 


Paloma Oliveto

Estado de Minas: 04/03/2013 


A palavra está na ponta da língua, mas se recusa a sair. Ou então a pessoa quer dizer “cama” e, no lugar, fala “cobertor”. Também há casos em que nada do que se escuta e lê faz sentido — sons e vocábulos escritos simplesmente parecem vazios de significado. É fácil imaginar que quem sofre desse tipo de problema tem alguma doença mental. Porém, os portadores de afasia estão plenamente conscientes de suas dificuldades. O distúrbio surge em decorrência de danos no hemisfério esquerdo do cérebro — onde a linguagem é processada —, principalmente depois de um derrame.
Há muito tempo existem tratamentos fonoaudiológicos para essas pessoas, mas cientistas de diversos centros de estudo estão atrás de métodos que permitam uma recuperação melhor, principalmente para casos que, até pouco tempo atrás, eram considerados perdidos. Durante a reunião anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), realizada em Boston, pesquisadores apresentaram técnicas experimentais promissoras, que têm devolvido não só a linguagem, mas a tranquilidade aos afásicos.
“Apesar de termos maneiras de melhorar a vida de pessoas com afasia, elas ainda sofrem tremendamente. Acho que todos concordam que, se perdêssemos o poder de nos comunicar, isso seria extremamente frustrante”, afirma Nan Ratner, presidente do Departamento de Ciências da Fala e da Escuta da Universidade de Maryland. “O que tem acontecido em campo é que estão surgindo novas abordagens para a afasia. Já existem tratamentos, mas nem sempre eles forneceram resultados eficazes. Além disso, há uma crença de que, se a pessoa sofre o dano cerebral em uma idade mais avançada, é muito difícil reconquistar o potencial linguístico, mas os trabalhos estão mostrando que isso não é verdade. A descoberta de que, mesmo depois de muitos anos da ocorrência do AVC, o paciente pode recuperar funções é outro ponto bastante interessante”, avalia.
No Laboratório de Afasia da Universidade da Carolina do Sul, a equipe de Julius Fridriksson, especialista em distúrbios da fala, tem conseguido bons resultados com pessoas que perderam as habilidades linguísticas há bastante tempo. Um dos pacientes estava há 22 anos sem falar, até que um iPad e um par de fones de ouvido permitiram que ele voltasse a se comunicar verbalmente. “Nós nos focamos em pessoas com uma condição chamada afasia anômica, que limita muito a fala (veja arte). Nesses casos, o paciente consegue dizer uma, no máximo três palavras”, diz Fridriksson. A abordagem usada pela equipe é a do feedback audiovisual: enquanto vê na tela o movimento da boca de uma pessoa dizendo palavras e frases, o paciente escuta pelos fones a vocalização. Depois, é estimulado a repetir várias vezes o vídeo enquanto tenta acompanhá-lo.
Em uma gravação, Fridriksson mostrou a evolução do paciente. Nas primeiras sessões, os pesquisadores pediam que ele repetisse uma frase simples — “Eu quero ovos no café da manhã” —, mas o paciente só conseguia dizer “ovos”, ficando visivelmente desesperado. Passadas algumas semanas, ele já era capaz de acompanhar a frase inteira com o auxílio do tablet. No fim das sessões, falava sem precisar repetir com a gravação.
“Pacientes assim têm um grande dano cerebral. Não quero parecer desanimador, mas nunca vimos o caso de alguém que não falasse nada e depois passasse a falar fluentemente, pois o cérebro não é capaz de tamanha recuperação”, esclarece Fridriksson. “Contudo, qualquer melhora para essas pessoas é um upgrade muito importante”, acredita. De acordo com o cientista, a abordagem do feedback audiovisual não é propriamente nova — no Laboratório de Afasia da Universidade da Carolina do Sul, ela foi aperfeiçoada e modernizada. O mais importante, destaca Fridriksson, é que os pesquisadores estão descobrindo como ela ajuda os pacientes. De acordo com ele, os resultados mostram que a parte do cérebro danificada começa a fazer novas conexões no próprio hemisfério esquerdo, fazendo com que os afásicos comecem a se expressar com mais fluência.

Reorganização   A plasticidade do cérebro — capacidade do órgão de se adaptar — também tem sido observada nos estudos de Cyntia Thompson, pesquisadora do Departamento de Ciências e Distúrbios da Comunicação da Universidade de Northwestern. A equipe da especialista em afasia faz ressonâncias magnéticas no cérebro de pessoas saudáveis para verificar quais conexões neurais são realizadas no momento da fala e as compara aos exames de afásicos. “Acreditamos que o cérebro é biologicamente predisposto a processar a linguagem no hemisfério direito. Então, talvez ele consiga desempenhar as tarefas do esquerdo, pois há fortes conexões entre os dois”, diz.


Um dos pacientes tinha um alto nível de disfunção comunicativa e, depois de readquirir parte das habilidades, passou por outra ressonância que mostrou mais ativação do hemisfério direito. De acordo com a cientista, é uma questão de “use-o ou perca-o”. “O cérebro tem capacidade de aprender durante toda a vida, mas, para isso, precisa ser treinado”, diz. Na Universidade de Northwestern, ela adaptou resultados de teorias linguísticas e pesquisas psicológicas para desenvolver uma abordagem de estímulo do discurso, com foco na reorganização cerebral. A pesquisadora defende que o treinamento comece com frases complexas, o que, de acordo com ela, tem devolvido parte das habilidades comunicativas dos pacientes.


Sheila Blumsteim, professora de Ciências Psicológicas, Linguísticas e Cognitivas da Universidade de Brown, também estuda o distúrbio. Por meio de ressonâncias e de análises acústicas, verifica como é o processo cerebral no momento envolvido com a tradução de um som para um significado e vice-versa. O que ela tem verificado é que o órgão organiza as palavras em redes, sendo que os vocábulos são agrupados tanto pela similaridade de som quanto de significado.  Essas redes continuam intactas no cérebro dos afásicos, ainda que mais fracas, resultando na dificuldade ou impossibilidade de falar ou compreender as palavras. De acordo com ela, o que falta a essas pessoas é estimular os neurônios a fortalecerem as conexões.


Para isso, os pesquisadores criaram um treinamento com 20 sessões, dividido em fases. Na primeira, os pacientes repetem palavras com diferentes entonações. Eles têm, inclusive, que cantar os vocábulos e as frases. Outro passo do treinamento é repetir palavras com sons diferentes, mas significados semelhantes. “Isso vai fortalecendo, no cérebro, a diferenciação”, acredita a especialista. Embora apenas algumas palavras sejam estudadas durante o programa de reabilitação, Blusmteim garante que os resultados se aplicam a outros vocábulos. “Como, para o cérebro, a palavra não é algo individual, mas funciona dentro de uma rede, ocorre um efeito cascata”, explica. 

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