Obras da escultora Mary Vieira farão
parte de mostra francesa dedicada à arte cinética. Especialista suíça
luta para resgatar o legado da pioneira
Walter Sebastião
Estado de Minas: 04/03/2013
Duas
obras da artista plástica Mary Vieira (1920-2001) integrarão a mostra
Dynamo, un siècle de lumière et de mouvement dans l’art – 1913-2013, que
será aberta em 10 de abril no Grand Palais, em Paris. A exposição
celebra a arte cinética – estética que tem na escultora uma de suas
pioneiras. A curadoria geral é assinada por Serge Lemoine.
Vêm
da década de 1940 as experiências de Mary que resultaram nos aclamados
polivolumes. Construídas com unidades que interagem em torno de um eixo,
elas permitem ao espectador dar diversas configurações à mesma obra.
Mary nasceu em São Paulo, mas se educou em Belo Horizonte, onde estudou
com Guignard, Amilcar de Castro e Franz Weissmann.
Quem traz a
notícia sobre a participação da escultora no importante evento francês é
Malou von Muralt, de 58 anos. Radicada no Brasil desde 2004, a
pesquisadora suíça é uma das mais valentes defensoras do legado da
artista.
Em Paris, será exposta uma peça praticamente inédita de
Mary: o polivolume de quase três metros doado para o museu da cidade
suíça de Bassel, nos anos 1970, que nunca foi desencaixotado. Dynamo...
contará também com pequena obra da mesma série, de 1958, pertencente a
uma instituição alemã.
“Mary Vieira está entre os artistas mais
importantes do mundo dedicados ao cinetismo. Espero que a exposição
parisiense reforce essa posição”, enfatiza Malou von Muralt. O
curador-geral Serge Lemoine, especialista em arte concreta, conheceu
pessoalmente a brasileira, lembra Malou.
“Minha esperança é que a
participação de Mary nessa exposição seja o início do processo para
tirá-la do esquecimento”, ressalta a especialista, explicando que esse
ostracismo se deve ao fato de a escultora ter desenvolvido
solitariamente suas experimentações em Minas Gerais.
MAX BILL Mary
Vieira participou do movimento concreto, mas com pesquisas específicas e
nem sempre compreendidas, acredita Malou. “Ela só encontrou um
interlocutor à altura em 1951, quando conheceu Max Bill”, informa,
referindo-se ao homem que trouxe a arte geométrica para o Brasil. Mary
escreveu para ele e se mudou para a Suíça, onde encontrou ambiente e
tecnologia para materializar suas ideias.
Em 1966, a brasileira
ganhou o Prêmio Marinetti, na Europa. Isso trouxe o reconhecimento da
importância de seus polivolumes. A partir do fim da década de 1960,
explica Malou von Muralt, o contexto internacional de arte se voltou
para estéticas alheias àquela desenvolvida por Mary. Ganharam espaço a
pop art, a arte povera, a experimentação social, a arte conceitual e o
vídeo. Esse cenário significou novo isolamento para a escultora,
acirrado pelo fato de ela ter que se dedicar ao marido doente.
Na
década de 1970, Mary criou obras públicas em diálogo com a arquitetura,
o que dificultou o trânsito de seu trabalho no circuito dos museus e do
mercado de arte. “Nessa época, ninguém viu a arte dela. A pesquisa de
extrema coerência, pensada e realizada com rigor, foi desaparecendo.
Mary é pioneira, precursora da arte cinética, mas muitos não acreditam
nisso”, adverte.
A suíça tentou convencer os curadores de
Dynamo... a inserir na mostra francesa outro brasileiro, nome
fundamental da arte cinética: o potiguar Abraham Palatnik. Mas não
conseguiu.
“Falta ao contexto internacional conhecimento mais
profundo, global e interdisciplinar da arte concreta brasileira
realizada nos anos 1950, época de ouro da cultura do país”, observa ela,
citando a bossa nova, a arquitetura de Oscar Niemeyer e a poesia
concreta. “Obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica estarão na exposição
Dynamo.... Hoje, ambos são bem conhecidos, mas é como se fossem árvores
que escondem a floresta”, adverte Malou von Muralt.
SAIBA MAIS
Em movimento
A
arte cinética apresenta a obra como objeto móvel. Ao buscar romper com a
condição estática da pintura e da escultura, não se limita a traduzir
ou representar o movimento. A obra está em movimento. O conceito foi
efetivamente incorporado ao vocabulário das artes visuais em 1955, por
meio da exposição Le mouvement, na galeria parisiense Denise René. Entre
seus nomes de destaque estão Marcel Duchamp, Alexander Calder,
Vasarely, Jesus Raphael Soto, Yaacov Agam, Jean Tinguely e Pol Bury. No
Brasil, o potiguar Abraham Palatnik, de 85 anos, se tornou um dos
pioneiros da arte cinética ao criar, em 1950, a Máquina de Pintura, que
posteriormente se chamaria Aparelho Cinecromático. Em 1951, ele recebeu
menção honrosa do júri internacional na 1ª Bienal Internacional de São
Paulo.
LIBERDADE E EQUILÍBRIO
Em
1982, a Praça Rio Branco, em Belo Horizonte, ganhou a escultura
Liberdade e equilíbrio, criada por Mary Vieira especialmente para
dialogar com aquele espaço. Hoje, quem passa em frente à Rodoviária mal
consegue notar essa obra de arte. Suja e malconservada, ela foi
praticamente escondida por árvores e placas de propaganda.
Vidas transatlânticas
Publicação: 04/03/2013 04:00
Malou von Muralt está
envolvida com a obra de Mary Vieira há cerca de uma década. Tudo
começou quando a curadora Denise Mattar, ao organizar mostra para o
Centro Cultural Banco do Brasil, em 2005, precisou encontrar uma
pesquisadora fluente em alemão, francês e português.
“Conheci a
obra da Mary e de muitas pessoas, vi muita coisa. O aprofundamento nesse
assunto se tornou algo pessoal”, conta Malou. “Mary Vieira saiu do
Brasil e foi para a Suíça, enquanto fiz o inverso. Temos trajetórias
parecidas, vidas transatlânticas, o que facilita nos entendermos”,
compara.
Este mês, Malou seguirá para Paris com a missão de
acompanhar a montagem das peças na mostra Dynamo.... Não foi fácil
pesquisar sozinha o legado de Mary Vieira. A artista viveu em Minas
Gerais de 1944 a 1951 e transitou em várias cidades, entre elas Araxá,
Lambari, Poços de Caldas e Belo Horizonte.
Malou tem o projeto de
escrever uma biografia da escultora e precisa levantar registros com
dados concretos sobre a vida dela. Está procurando, por exemplo, um
retrato de Mary feito por Heitor Coutinho.
A especialista
solicita a todos que tenham algum material relativo a Mary, como cartas,
fotografias, folhetos e recortes de jornal, que façam contato com ela
pelos e-mails
malouvonmuralt@uol.com.br ou mpmv@gmail.com.
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