segunda-feira, 4 de março de 2013

CASO BRUNO O JULGAMENTO » Goleiro diante de contra-ataque‏


Estado de Minas - 04/03/2013

A última semana de concentração do goleiro Bruno Fernandes de Souza para o que é o momento mais importante do que qualquer final de campeonato que já tenha enfrentado foi marcada pelo surgimento de fatos que podem ser decisivos no seu julgamento pela morte de Eliza Samudio. Como o Estado de Minas revelou, um novo inquérito apura o envolvimento de um policial civil (Gilson Costa) e de um policial aposentado (José Lauriano de Assis Filho, o Zezé) no caso. Com a confissão do ex-braço direito do goleiro Luiz Henrique Romão, o Macarrão, condenado a 15 anos de prisão, e a certidão de óbito da vítima agora anexada ao processo, a defesa do atleta lançou mão de uma última jogada para tentar anular o documento que atesta a morte da vítima. Independentemente do resultado da apelação, porém, os defensores vão a campo tentando mostrar que Bruno não foi o mandante do crime. Como preparação, os advogados já instruíram o comportamento do réu diante da juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues. Desta vez, o primo do atleta, Jorge Luiz Lisboa Rosa, que revelou toda a trama à polícia e cumpriu medida socioeducativa por sua participação no caso, também participa do júri, como informante.

A promotoria de Contagem, avaliam especialistas, vai explorar o depoimento de Macarrão, que acusou Bruno em novembro. Ao costurar uma história de interesses, contradições e morte, o promotor Henry Wagner Vasconcelos deve tentar mostrar aos jurados que o ex-jogador conseguiu atrair Eliza até Minas Gerais. Em trocas de e-mails com amigos, ela já havia dito que viajar com o goleiro seria uma passagem sem volta. Em 2009, Eliza foi à imprensa contar que Bruno a tinha agredido, obrigando-a a ingerir uma substância abortiva, crimes pelo qual ele foi condenado no Rio de Janeiro. Quando o desaparecimento veio à tona, Bruno chegou a dizer que estava há dois ou três meses sem falar com Eliza, logo após um treino no Flamengo.

A defesa, por sua vez, trabalhará para desqualificar as investigações e jogar a culpa nas costas de Macarrão, que carrega uma tatuagem em homenagem ao goleiro e, como secretário de Bruno, sempre resolveu suas pendências. De acordo com o professor de processo penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no estado (OAB-MG) Leonardo Bandeira, cabe à promotoria provar as acusações. Ele diz que basta à defesa levantar uma dúvida entre os jurados para conseguir uma sentença favorável. O advogado espera um confronto duro entre as partes e não considera o atestado de óbito de Eliza um pré-julgamento. A confissão de Macarrão, segundo ele, também não será determinante.

“O depoimento dele deve ser visto com reserva, porque um réu, para se defender, acusa o outro, mas é claro que o promotor vai explorar isso”, diz o professor. “Também acho que os novos fatos, se já constam no processo, podem ser trabalhados no tribunal, mas uma investigação complementar (representada pelo novo inquérito envolvendo um policial da ativa e outro aposentado) pode mostrar a fragilidade de um trabalho anterior, que não teria sido feito como deveria”, argumenta. Para ele, os relatos de Jorge Luiz Rosa, menor à época do crime – que há uma semana deu entrevista apontando Macarrão como mandante do crime, mas também complicou Bruno, ao dizer que ele não poderia ignorar o que estava ocorrendo – devem ser analisados com reserva, porque ele será ouvido na condição de informante. “Ele não tem o peso de uma testemunha, porque não tem compromisso com a verdade. Ele se envolveu no caso, foi julgado e punido por isso.”

TREINO NA PENITENCIÁRIA Representantes de Bruno, os advogados Lúcio Adolfo e Tiago Lenoir visitaram o goleiro na Penitenciária Nelson Hungria, sexta-feira, para estabelecer a forma de comportamento do réu. Experiente, Lúcio Adolfo vai insistir na tese de que teria havido acordo entre a promotoria e Macarrão, e quer aproveitar as contradições de Jorge Luiz. “Quero que ele dê mais uma versão diferente, para mostrar que o depoimento que sustenta a acusação não é confiável.”

Lúcio Adolfo acredita que a ex-mulher de Bruno, Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, também ré no processo, ficará de lado em todo o julgamento. “O crime do qual ela é acusada é menor. Sei que o promotor vai se concentrar no Bruno. Mas vou mostrar que ele estava cercado por pessoas cuja vontade ele não poderia controlar”, antecipa. Mas, para Lenoir, Bruno já entra perdendo. “Ele já entra condenado pela mídia e pelo povo. O Macarrão e a juíza também já o condenaram. O primeiro quesito aos jurados, se Eliza está morta, já prejudica muito o Bruno. Então, o que a gente fizer é lucro.”

Para o advogado criminalista Marco Meirelles, a única surpresa possível no julgamento seria a confissão do ex-capitão do Flamengo. “Mas não acho que ele faria isso, pela personalidade que tem.” Segundo Meirelles, se os jurados entenderem que Bruno foi o mandante do crime, a pena aumenta de um terço a dois terços, pela qualificadora. O fato de ser pai de Bruninho, no crime relacionado ao bebê, também pesa contra ele e aumenta a pena, se condenado pelos jurados.

“A negativa do crime pela ausência do corpo é impossível de prosperar, pela confissão e condenação do Macarrão e o atestado de óbito de Eliza. Negar a autoria também, me parece, já não serve mais. Não vejo outro comportamento senão Bruno dizer que sugeriu dar um susto em Eliza, para tentar resolver o problema, e afirmar que foi mal interpretado por Macarrão. Ele poderia alegar também crime passional. Neste caso, Bruno não teria participação e Macarrão teria feito tudo por conta própria, mas acho que essa versão só colaria se tivesse sido a primeira e única”, analisa o advogado.


Os réus

Bruno Fernandes das Dores de Souza, 28 anos

Crime

 Homicídio triplamente qualificado de Eliza – Pena de 12 a 30 anos de prisão

 Ocultação de cadáver – De um a três anos de prisão

 Sequestro e cárcere privado de Bruninho – De dois a cinco anos de prisão (com o agravante de ser pai e de a vítima ser menor de 18 anos)


Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, 25 anos

Crime

 Sequestro e cárcere privado do bebê  – De dois a cinco anos de prisão


A vítima


Eliza Samudio

 Desaparecida aos 25 anos


Três perguntas para... Promotor Francisco de Assis Santiago, de Belo Horizonte
Publicação: 04/03/2013 04:00
1) O senhor tem mais de 1,6 mil júris de experiência. Como acha que será o julgamento?
Será praticamente igual ao do Macarrão. Não vejo grandes dificuldades para o promotor, que está bem preparado e demonstrou ter conhecimento muito grande do processo. Em novembro, ele já estava pronto até para a negativa do Macarrão, mas a confissão facilitou.

2) O senhor acha que o depoimento do primo de Bruno pode influenciar o resultado?
Ele já prestou cinco ou seis depoimentos diferentes e não tem credibilidade nem para um lado nem para o outro. É informante e pode mentir, como já demonstrou que sabe fazer. Eu não daria ouvidos a ele e o descartaria, no primeiro dia de júri.

3)Quais são as possibilidades para o goleiro, na sua opinião?

Se confessar, terá a pena reduzida, por coerência com o que ocorreu com o Macarrão. Se Bruno não confessar, vai levar acima de 35 anos.


Um outro tipo de concentração

Detido há mais de dois anos, goleiro que vai a júri hoje se mantém ocupado no presídio, mas já não joga futebol. A amizade com Macarrão também parece ser parte do passado

Pedro Ferreira
Quando deixar a Penitenciária Nelson Hungria hoje para ser julgado, o goleiro Bruno Fernandes de Souza, apesar da ansiedade e do medo de ser condenado, vai tentar manter a frieza e a concentração de quem entra em campo para uma grande decisão. Segundo advogados que já passaram pelo caso, esse tem sido o comportamento do detento, mesmo após mais de dois anos e sete meses atrás das grades, para tentar enfrentar a realidade na prisão e manter o mesmo espírito de liderança de quando era capitão do Flamengo. “Ele prefere passar o dia inteiro trabalhando fora do pavilhão para ocupar a cabeça com outros pensamentos e o tempo passar mais rápido. Só volta à cela à noite, para dormir”, conta o ex-defensor do preso Rui Caldas Pimenta.
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Civil (Seds), a rotina do Bruno é praticamente a mesma dos demais detentos. Acorda pontualmente às 7h30 e recebe o café da manhã na cela. Ao meio-dia almoça. O lanche da tarde, pão com manteiga e café com leite, chega às 15h. O jantar é distribuído às 18h. “Como todos os prisioneiros, Bruno faz uma alimentação balanceada e inspecionada por nutricionista. Há, em geral, arroz, feijão, carne e salada”, informou a Seds.

O goleiro ocupa cela individual de seis metros quadrados no Pavilhão 4. Nela há uma cama de alvenaria e banheiro com chuveiro de água fria, pia e vaso sanitário. Bruno, a exemplo dos demais presos, recebeu de parentes uma televisão, de 14 polegadas, e um rádio. Não há limitação de horário para ligar os aparelhos, desde que o som não atrapalhe celas vizinhas. O banho de sol é diário, por duas horas, no pátio, mas os horários são alternados entre os pavilhões da unidade.

Ainda de acordo com a Seds, o goleiro recebe visitas quinzenalmente, alternando entre sociais e íntimas. São apenas dois visitantes por dia. A dentista Ingrid Calheiros, que se casou com o atleta em uma celebração evangélica dentro do presídio, é a única cadastrada para passar a noite com ele a cada 15 dias. Além dela, para as visitas sociais estão cadastradas a avó do detento, um tio e duas filhas dele com a ex-mulher Dayanne Rodrigues. Há duas semanas as filhas foram levadas por parentes para visitá-lo. Elas não viam o pai havia oito meses, pois a mãe deixou de ir ao presídio.
Os visitantes podem levar alimentos já prontos, desde que sejam consumidos no próprio dia, além de produtos não perecíveis, material de higiene pessoal e refrigerante de cor transparente, a fim de evitar a entrada de objetos não permitidos.

A avó do goleiro, Estela Souza, não o vê desde agosto. “Estou muito doente, com problemas de coração e pressão alta”, disse ela, reclamando que Bruno não vem mandando cartas ou recados para ela. Duas tias do goleiro, Aparecida e Ângela, é que vão à penitenciária e dão notícia a dona Estela. “Sempre faço alguma coisa que ele gosta de comer e mando por elas. Meu neto adora pudim”, disse. Perguntada se tem esperança de vê-lo inocentado, ela responde: “Só Deus para saber”.

Com o tempo, o número de cartas endereçadas a Bruno diminuiu. Antes, o ex-capitão do Flamengo recebia cerca de 10 correspondências por semana, mais de 30 por mês, muitas delas de fãs. Depois, as cartas passaram para cinco por semana. Em fevereiro, segundo a Seds, Bruno não recebeu nenhuma.

LAVANDERIA O atual advogado de Bruno, Lúcio Adolfo da Silva, conta que seu cliente leva a vida como qualquer outro preso e que atualmente trabalha na lavanderia. “Acorda cedo, arruma sua cela, toma o café e vai para a lavanderia. Depois, volta para almoçar na cela. Pratica exercícios físicos durante o banho de sol, mas não joga bola”, disse Lúcio Adolfo. “A situação do Bruno é muito traumática, mas ele tenta se manter tranquilo e está esperançoso de ser absolvido. Bruno não tem nenhuma regalia na prisão, mas é muito bem respeitado e bem tratado por todos”, acrescentou o defensor.

A Seds informou que Bruno já trabalhou na faxina do pavilhão, de julho de 2011 a agosto de 2012. Nesse período, além de remissão da pena de um dia para cada três trabalhados, o preso recebeu três quartos do salário mínimo. De junho a agosto de 2012, trabalhou apenas por remissão e não recebeu salário. Hoje, Bruno trabalha das 8h30 às 15h na lavanderia da Nelson Hungria, a pedido dele próprio. “Ele começou no local há cerca de dois meses, onde atua apenas por remissão de pena”, informou a Seds.

Lúcio Adolfo conta que os conselheiros do Bruno têm sido os advogados, mas que ele sempre recorre à opinião da dentista Ingrid quando vai tomar alguma decisão. Para Rui Pimenta, o goleiro é um “cabeçudo”. “Ele escuta muito a gente, mas nem sempre pede opinião. Age conforme a cabeça dele. Ele tinha opinião formada como goleiro do Flamengo e levou esse espírito de liderança para a prisão”, disse o advogado.

Companheirismo ficou na tatuagem
A amizade entre Bruno e Macarrão, estampada nas costas do ex-braço direito do goleiro em forma de tatuagem, parece ter ficado no salão do júri do fórum de Contagem. Em seu primeiro ano na Nelson Hungria, o goleiro chegou a dividir a cela com o amigo. “Depois, Macarrão foi levado para outro pavilhão e eles trocavam cartas, que eram levadas por parentes. Todo o conteúdo passava pelo crivo da administração”, disse Rui Pimenta, que foi advogado do goleiro durante um ano e três meses. Em novembro, o preso trocou de defensor quando foi mandado ao banco dos réus e seu júri foi adiado. Macarrão acabou condenado na mesma época, depois de admitir pela primeira vez que Eliza Samudio foi levada para a morte por influência de Bruno.

Mas as divergências entre os dois começaram antes mesmo do julgamento em que o ex-braço direito do goleiro foi condenado a 15 anos de reclusão. “Antes eles eram amigos mesmo. Isso, a gente pode perceber nas cartas que eles trocavam na prisão. Mas, de uma hora para outra Macarrão discordou do posicionamento do Bruno e os dois começaram a ter desentendimentos, muitas vez por interferência das famílias deles”, disse Rui Pimenta. Lúcio Adolfo, atual defensor de Bruno, afirma que o cliente ficou muito decepcionado com a postura de Macarrão ao incriminar o ex-chefe e amigo. Mas hoje diz não saber como é o relacionamento dos dois, nem dos respectivos familiares.


MULHERES Enquanto manteve contatos com Bruno na prisão, Rui Pimenta disse ter percebido que ele é tranquilo, principalmente em relação às mulheres com quem já conviveu ou vive. “Tem as explosões dele de vez em quando, mas fica calmo rapidamente e volta a falar manso e baixinho, mas nunca irado”, afirmou Pimenta.

A ex-mulher Dayanne, que estava presa na Penitenciária de Mulheres Estêvão Pinto e conseguiu o benefício de responder ao processo em liberdade, visitou o atleta por algumas vezes na Nelson Hungria. Depois se afastou, e parentes do goleiro passaram a levar as filhas do casal. “Bruno sempre recebeu visitas da noiva Ingrid. Depois de um certo período, eles se casaram numa cerimônia religiosa dentro do presídio e a dentista passou a fazer visitas íntimas”, disse Pimenta.

A comida de Bruno é a mesma servida aos demais presos, mas o bom relacionamento dele com os detentos da cozinha garante regalias. “É evidente que ele tem tratamento diferenciado. A comida chega quentinha, na hora que sai do fogo, e não vai em marmitex. Tanto é que ele suportou bem até hoje. As visitas também levam alimentos e material de higiene pessoal para ele”, disse Pimenta, ressaltando que Bruno não faz parte de nenhum grupo ou se envolve em movimento de presos. Por algum tempo, segundo o advogado, Bruno bateu uma “pelada” com outros presos durante o banho de sol, na linha e no gol, mas depois parou.


Mãe de Eliza: um recado para Bruno

Sônia Moura, mãe de Eliza Samudio, chegou ontem a Belo Horizonte com a esperança de ver o goleiro Bruno deixar o Tribunal do Júri de Contagem condenado. “Hoje, o justo seriam os 41 anos de prisão”, disse, acompanhada da advogada Maria Lúcia Borges. Ansiosa, sem dormir direito na noite anterior, Sônia disse que espera por esse momento há três anos, mas que sua tristeza não se encerra com a condenação, caso os jurados entendam que Bruno é culpado, porque o corpo da filha ainda não foi localizado e continua a luta pela pensão alimentícia do neto Bruninho.

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