segunda-feira, 4 de março de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

Para brasileiro ver
Pagamento de 14º e 15º salários a parlamentares era condenável, mas fim da benesse pouco melhora a imagem do Congresso
Em sua página pessoal na internet, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), comemorou o fim do 14º e 15º salários de parlamentares como medida que "resgata a altivez e a dignidade" do Congresso.
Seria bom se fosse verdade. O exagero da afirmação é tão patente que não deixa espaço para ser levada a sério. A pauta de reformas para melhorar as práticas perdulárias no Parlamento é extensa, e o fim dos salários extras é apenas uma das iniciativas necessárias.
Do ponto de vista dos custos, por exemplo, a supressão dos dois vencimentos -de R$ R$ 26,7 mil cada um- representa uma economia anual de pouco mais de R$ 31 milhões aos cofres do Congresso. O montante representa mero 0,7% do orçamento de cerca de R$ 4,4 bilhões e não basta para tirar o parlamentar brasileiro da posição de segundo mais caro do mundo.
É claro que, de uma perspectiva simbólica, a aprovação unânime do projeto representa um avanço. Quando foram criados, há mais de 60 anos, os salários extras tinham a função de ajudar congressistas a voltar a seus Estados de origem. Hoje, nada justifica a benesse -cada legislador já recebe R$ 34 mil mensais para gastos gerais, como as passagens aéreas.
Entende-se, nesse sentido, que diversos parlamentares tenham feito discursos inflamados contra o benefício quando seu fim foi votado no Senado e na Câmara. O que não se entende é que tenham demorado tanto para revogá-lo.
Poucos podem dizer, em defesa própria, que não agiram antes por serem novatos no Congresso. Nas eleições de 2010, 57% dos deputados foram reconduzidos ao cargo e, entre os demais, muitos passaram pela Casa em legislaturas anteriores. Isso para não lembrar que Henrique Alves está em seu 11º mandato consecutivo.
A mudança de comportamento se explica pelo vagalhão de críticas que atinge tanto Alves quanto Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado. Ambos decerto sentiram necessidade de agir o quanto antes para tentar aplacar a hostilidade que enfrentam.
É difícil crer, no entanto, que seja mais que mero jogo de cena. Até porque já existe na Câmara proposta para aumentar a verba de gabinete dos deputados, hoje em R$ 78 mil mensais. Se aprovada, receberão por ano mais de três vezes o que acabam de perder.
Nada há de errado quando políticos se sentem constrangidos a agir por pressão da opinião pública -afinal, são representantes do povo. Tudo está errado, porém, quando apenas fingem escutar os reclamos -pois não só deixam de se emendar como acrescentam a hipocrisia a uma longa lista de vícios.

    EDITORIAIS
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    Boicote no Egito
    Mergulhada numa violenta e crescente tensão com o governo da Irmandade Muçulmana, a oposição egípcia anunciou boicote às eleições parlamentares convocadas pelo presidente Mohamed Mursi, a serem realizadas por regiões, em quatro etapas, de abril a julho (por falta de juízes supervisores).
    Caso seja levada adiante, a recusa de participar do pleito deve atrasar ainda mais a democratização iniciada com a Primavera Árabe.
    Não é a primeira vez que a oposição recorre ao boicote, com os argumentos de que as eleições têm regras desfavoráveis e são passíveis de fraude. Além disso, os adversários da Irmandade também costumam dizer que falta um mínimo de segurança para a campanha.
    São acusações verossímeis, mas o não comparecimento corre o risco de aprofundar a polarização política e a crise institucional.
    A turbulência se instalou no Egito desde a deposição do ditador Hosni Mubarak há dois anos. Acentuou-se ainda mais a partir de meados do ano passado, quando Mursi, recém-eleito, concedeu-se superpoderes por meio de decreto e, em seguida, referendou a toque de caixa uma Constituição redigida por religiosos ligados à Irmandade Muçulmana.
    Reagir com boicote às urnas, no entanto, pode levar a uma situação parecida com a da Venezuela, em 2005. Naquela ocasião, Hugo Chávez, beneficiado por estratégia similar da oposição local, consolidou a tomada de assalto das instituições de seu país -o Estado venezuelano terminou moldado ao gosto do caudilho.
    No caso egípcio, há o agravante de que o impasse eleitoral afeta a situação econômica do país, pois paralisa as negociações em curso com o FMI para um esperado empréstimo de US$ 8 bilhões. Enquanto isso, o desemprego cresce, aproximando-se de 12%.
    Não há dúvida de que a situação política se deteriorou consideravelmente no Egito, mas ela não parece ter chegado ao ponto de justificar o rompimento das negociações na arena político-partidária.
    O governo Mursi propôs recentemente um diálogo nacional que, para funcionar, tem de incluir temas urgentes, como a reforma da Constituição recém-aprovada e regras mais aceitáveis para as eleições parlamentares.
    Sem isso, o Egito corre o risco de mergulhar de vez na violência e de abrir o caminho para uma intervenção militar, com ou sem a
    conivência da Irmandade Muçulmana. Seria o fim prematuro de um árduo processo de democratização, com reflexos negativos por todo o mundo árabe.

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