sexta-feira, 22 de março de 2013

Financiamento coletivo engatinha no cinema brasileiro

folha de são paulo

Cinéfilos S.A.
Fãs captam US$ 2 milhões para levar série "Veronica Mars" para o cinema e mostram um futuro alternativo para Hollywood
RODRIGO SALEMDE SÃO PAULONa noite de entrega do último Oscar, uma pequena revolução teve início quando "Inocente", de Sean Fine e Andrea Nix, ganhou a estatueta de curta de documentário: foi o primeiro filme financiado pelo site de crowdfunding (financiamento coletivo) Kickstarter a vencer o prêmio.
A maior indústria cinematográfica do planeta não costuma se importar com um simples curta que angariou US$ 52 mil (R$ 104 mil) para ajudar na distribuição e na campanha de marketing.
Dez dias depois, no entanto, veio o recado que todo executivo entende.
A proposta de financiar um filme baseado em "Veronica Mars", série pouco vista, mas cultuada nos EUA entre 2004 e 2007, foi jogada pelo diretor Rob Thomas no Kickstarter.
Se ele captasse US$ 2 milhões em 30 dias, o longa seria filmado, enquanto a Warner, dona dos direitos do programa, cuidaria da distribuição e do marketing.
O projeto alcançou o objetivo em 12 horas e já arrecadou US$ 3,7 milhões (R$ 7,4 milhões), bancados por 57 mil fãs que gostariam de ver a série ganhar nova vida no cinema -as doações iam de US$ 10 (R$ 20) a US$ 10 mil (R$ 20 mil) e geraram recompensas: a mais alta era a possibilidade de ter um papel falado no filme.
A notícia é uma bomba para Hollywood. Apesar de "Veronica Mars" ter passado pela aprovação da Warner, o processo de cortar o atravessador (o estúdio) se apresentou com força pela primeira vez.
FIM DOS ESTÚDIOS?
"Se as pessoas podem pagar para criar filmes, não precisamos mais de estúdios. A Warner acabou de anunciar seu fim", decretou o cineasta independente Joe Swanberg ("Drinking Buddies").
"Não gosto de antecipar grandes mudanças por causa de um incidente particular, mas isso pode convencer os estúdios a permitir expansões da propriedade intelectual", declarou John Rogers, criador da série "Leverage".
O fato é que filmes com financiamento coletivo atraem cada vez mais nomes importantes. David Fincher, cineasta de "A Rede Social" (2010), colocou seu desenho "The Goon" para coletar US$ 400 mil (R$ 800 mil) e compor um storyboard animado.
Paul Schrader, diretor de "Gigolô Americano" (1980), conseguiu US$ 160 mil (R$ 320 mil) para ajudar no financiamento de "The Canyons", seu polêmico projeto com Lindsay Lohan e um ator pornô.
SÉRIES RESSUSCITADAS
Agora, séries consideradas mortas podem ser resgatadas por seus fãs no cinema.
Zachary Levi, protagonista de "Chuck" (série extinta ano passado), já está fazendo campanha on-line, enquanto o criador de "Pushing Daisies" (2007-2009) diz que precisaria de mais dinheiro que " Veronica Mars" por causa dos efeitos e maquiagem.
Até brasileiros nos EUA estão aproveitando a plataforma. A roteirista Luciana Faulhaber, que mora em Nova York, colocou seu filme de horror "Don't Look Back" no Kickstarter e, faltando quatro dias para o fim da captação, precisa de US$ 18 mil (de US$ 50 mil) para ter o sinal verde.
"Após a queda da economia americana, os estúdios estão mais medrosos. Então, precisamos arrumar maneiras de gerar nosso próprio trabalho", explica Luciana.

Financiamento coletivo engatinha no cinema brasileiro
Documentários de interesse público, como 'Belo Monte, Anúncio de Uma Guerra', são os preferidos
Catarse, o maior site de crowdfunding do Brasil, já gerou 56 projetos de audiovisual, mas raros obtêm alta captação
DE SÃO PAULONo Brasil, o processo de financiamento coletivo para cinema -que necessita de valores mais altos que projetos musicais- ainda engatinha.
"É complicado, porque o crowdfunding ainda está pegando no país. Nos Estados Unidos há um mercado mais antigo, uma cadeia produtiva sólida e uma percepção diferente do pagamento online", diz Rodrigo Maia, sócio do Catarse, maior site de crowdfunding brasileiro.
Apesar de a comparação com os EUA ser injusta, o site teve no ano passado 56 projetos que atingiram suas metas de captação, acumulando R$ 660 mil em "doações" -assim como nos EUA, há recompensas para quem ajuda o filme.
Um deles é "Belo Monte, Anúncio de Uma Guerra", longa sobre a polêmica hidrelétrica no Pará, que arrecadou R$ 140 mil, um recorde.
"Nestes projetos de alta captação, você precisa ter uma base de fãs ou um assunto que desperte o interesse público'", diz Maia.
O cineasta Getsemane Silva finalizou seu "Adeus, Dahla!", sobre refugiados que vivem na fronteira entre Argélia, Mauritânia e Marrocos, com a ajuda do Catarse, captando R$ 5.900. "A experiencia foi bacana. Mas não sei se faria de novo, porque eu estava sozinho e tive de ficar promovendo", conta.
Já a diretora Juliana Reis está usando o site para financiar a distribuição alternativa de seu longa "Disparos", lançado em circuito no ano passado, mas que sumiu em uma semana em meio a "Amanhecer - Parte 2".
A cada R$ 1.500, o filme garante a exibição por uma semana em uma cidade -se a pessoa que contribuiu não morar no local, uma cópia digital é enviada.
"Acho que é a grande revolução em termos da democratização da produção cultural", diz Juliana.
Nesta linha, o recém-lançado site Cineastas dedica-se a ajudar na captação coletiva apenas para filmes. "A maioria dos projetos ainda é de curtas, porque quem capta para longas ainda está preso ao formato de leis de incentivo", diz Leonardo Curcino, idealizador do projeto. "Um dia o cinema brasileiro será menos dependente do governo."
Mas como a pessoa que "investe" online tem certeza de que verá sua contribuição ser bem investida? "Se o projeto não capta o necessário, devolvemos o dinheiro", afirma Curcino. "Depois a responsabilidade é do criador do projeto. Mas quem procura esse tipo de financiamento não está atrás de dinheiro fácil."

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