Notas essenciais
Como é bom poder tocar um instrumento! Já dizia mano Caetano. Não toco um instrumento. Adoraria.
Meus pais me ofereceram a oportunidade, bem me lembro. Fiz uma aula experimental de piano, meu pai dizia que eu tinha mãos de pianista. Era um professor careca e de óculos, que, por infelicidade do destino, estava gripado naquele dia.
De quando em quando, caía um pingo de seu nariz sobre as teclas. Ele pedia desculpas, pegava o lenço, mas foi o suficiente. Eu não quis mais voltar. A coriza do velho professor cegou de vez a menina de nove anos para toda a felicidade que poderia estar por trás daquelas teclas molhadas.
Muito tempo depois, tentei até destrinchar um violãozinho, mas não consegui ir adiante. Canto no chuveiro.
Na escola dos meus sonhos, aprender a tocar um instrumento deveria ser matéria obrigatória.
Quiséssemos ou não, com professores gripados ou não, todos nós deveríamos sair da escola sabendo reproduzir uma frase musical qualquer, no mínimo compreendendo a mecânica da música, ainda que não fizéssemos nada com ela. Produzir música é capacidade humana que enriquece, sensibiliza e alegra qualquer um. É como saber ler. Merece ser cultivada. E mais: é necessidade.
Acho que todos os povos da humanidade produziram algum tipo de música. Estive certa vez no maravilhoso museu de antropologia da Cidade do México e fiquei encantada com a quantidade de instrumentos esquisitos produzidos por cada tribo ancestral. O que me faz crer que comer, beber, reproduzir-se, cantar e dançar são coisas essenciais à nossa existência.
Mãe esforçada que sou, ofereci desde cedo aulas de música aos meus pequenos. Matriculamos os dois na iniciação musical e, assim que foi possível, eles começaram as aulas de piano.
Agora, nosso caçula toca guitarra. Quer dizer, tínhamos dúvidas, porque só ouvíamos atrás da porta. Se entrávamos no quarto, ele parava.
Mas, faz alguns dias, o rapazinho começou a andar com sua guitarra pela casa e nos brinda displicente com alguns acordes, desde que não demonstremos atenção.
No outro dia, eu passava pela sala apressada procurando meu celular dentro da bolsa, quando fui surpreendida por um legítimo Led Zeppelin saindo de suas cordas. Nossa sala foi invadida por uma atmosfera encantada. Continuei procurando o celular como se nada fosse, mas não queria encontrá-lo nunca mais. Eu, que não posso subir a Teodoro Sampaio sem brilhar os olhos por seus violões, não consegui conter as lágrimas. Meu filho produz música.
Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".
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