Carolina Braga
Estado de Minas: 30/05/2013
Teuda Bara, Inês Peixoto e Eduardo Moreira |
Chegou a hora de Os gigantes da montanha se encontrarem com os olhos do público de Belo Horizonte. É assim que a atriz Inês Peixoto fala da estreia da noite de hoje, marcada para 20h, na Praça do Papa. Já são 31 anos de experiência e até hoje os atores do Grupo Galpão não escondem que às vésperas da apresentação inaugural dá um frio na barriga. Afinal, são muitos os motivos que tornam a data especial.
É o reencontro com o diretor Gabriel Villela depois de 19 anos e duas obras-primas, Romeu e Julieta e A Rua da Amargura. Também é a volta da companhia aos pés da Serra do Curral com uma montagem inédita. No ano passado, as emoções ficaram à flor da pele na reestreia de Romeu e Julieta no mesmo local, sob o olhar atento de uma plateia de mais de 5 mil pessoas. Embora os atores não arrisquem palpites sobre o número de pessoas esperadas para a noite de hoje, sabem que será em clima de celebração. Nas palavras do diretor Gabriel Villela, será “uma epifania”. O clima da peça de Luigi Pirandello favorece esse sentimento.
Os gigantes da montanha tem detalhes que dialogam profundamente com a história do Galpão. É um espetáculo de rua. É popular. É musical. É colorido e rico em referências e significados. Claro que os elementos que marcam a escrita cênica de Gabriel Villela estarão presentes. As sombrinhas, por exemplo, estão espalhadas pelo palco, formado por 12 mesas construídas em madeira de demolição. Vale prestar atenção em todos os detalhes da cena. Há tecidos que vieram do Peru e de países longínquos, como Mianmar.
A fábula, escrita em 1936, ficou inacabada por causa da morte do autor, vítima de pneumonia. No leito de morte, Pirandello narrou o roteiro final ao filho, mas mesmo assim a peça ainda é considerada uma obra aberta. A história gira em torno da chegada de uma trupe de atores a um lugarejo misterioso. Mais que falar sobre o teatro, o espetáculo chama a atenção dos espectadores para a importância da arte e da poesia na vida das pessoas.
Além de ser o reencontro do Galpão com o teatro de rua depois de duas experiências em palco italiano, com textos do russo Antón Tchekov, a peça também marca a reaproximação da trupe com o tipo de espetáculo que consagrou a companhia. Ou seja, assim como em Romeu e Julieta, A Rua da Amargura, Um Molière imaginário e Till, os atores vão cantar e tocar ao vivo enquanto encenam a trama.
No exercício de revelar a poção popular na dramaturgia do italiano Luigi Pirandello, Gabriel Villela e os companheiros de empreitada mergulharam no cancioneiro do país. Os gigantes da montanha tem a música como o ponto de conexão entre o público e o teatro. Detalhe: será uma viagem ao tempo e à terra natal do dramaturgo, mas com fortes referências a Minas Gerais, como também é tradição no trabalho da companhia. Isso sem dispensar toques espanhóis e franceses.
Composta por 13 canções, a trilha sonora foi escolhida por Gabriel Villela. Nela estão composições de Nino Rota, como La arrabiatta, presente no filme Amor e anarquia, de Lina Wertmüller, assim como peças de Bizet (Les pêcheurs de perles), Sergio Endrigo (Io che amo solo te), Jimmy Fontana (Il mondo). Há também canções populares que marcaram a resistência italiana, como Bella ciao e Nina nana tidoletto.
OS GIGANTES
DA MONTANHA
De Luigi Pirandello, com o Grupo Galpão e direção de Gabriel Villela
Horário e local
Hoje, amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 19h, na Praça do Papa. Entrada franca.
Quem foi Pirandello
Natural de Agrigento, na região da Sicília, nascido em 1867, Luigi Pirandello foi dramaturgo, poeta, contista e romancista. Entre suas peças mais conhecidas estão Henrique IV e Seis personagens à procura de um autor. Em 1934, conquistou o Nobel de Literatura. Sua obra explora temas relacionados aos bastidores do fazer cênico. Morreu em 1936, vítima de pneumonia, antes de terminar Os gigantes da montanha.
O enredo
Dividido em dois atos, Os gigantes da montanha narra a chegada de uma companhia teatral decadente a uma vila isolada do mundo, governada pelo mago Cotrone. A trupe encontra-se em declínio por obsessão de sua atriz, a condessa Ilse, em montar A fábula do filho trocado. Insistindo que o grupo permaneça no lugarejo, representando apenas para si mesmos, Cotrone constrói os fantasmas dos personagens que faltam para completar o elenco. No entanto, a condessa Ilse insiste que o espetáculo deve ser visto por um grande público. A solução será chamar os Gigantes da montanha, povo vizinho que não valoriza a arte.
Canções do espetáculo
La arrabiatta, de Nino Rota; Il mondo, de Jimmy Fontana; Jesus bambino, de Lucio Dalla; Ciao amore ciao, de Luigi Tenco; Io che amo solo te, de Sergio Endrigo; Bella ciao e Nana, nana tidoletto, canções populares da resistência italiana; La golondrina, de Narciso Serradell Sevilla; Les pêcheurs de perles, de Georges Bizet.
Palco e bastidores
Elenco: Antonio Edson (Cromo), Arildo de Barros (Conde), Beto Franco (Duccio Doccia/Anjo 101), Eduardo Moreira (Cotrone), Inês Peixoto (Condessa Ilse), Júlio Maciel (Spizzi/Soldado), Luiz Rocha (Quaquèo), Lydia Del Picchia (Mara-Mara), Paulo André (Batalha), Regina Souza (Diamante/Madalena), Simone Ordones
(A Sgriccia), Teuda Bara (Sonâmbula).
Direção: Gabriel Villela. Assistência de direção: Ivan Andrade e Marcelo Cordeiro. Tradução: Beti Rabetti. Antropologia da voz: Francesca Della Monica. Direção musical e arranjos: Ernani Maletta. Preparação vocal: Babaya. Iluminação: Chico Pelúcio e Wladimir Medeiros.
Duração do espetáculo
Uma hora e 20 minutos
Como chegar à Praça do Papa
Para quem vai de ônibus, a linha 4103 sai do Centro e para na Praça do Papa. Outras opções são as linhas 4108 (descer na Av. Agulhas Negras e caminhar 550 metros) ou a 4111 (descer na Av. Bandeirantes e caminhar 1.300 metros). Não há estacionamento no local.
Dicas para o público
• Proteja-se do frio. Leve agasalhos extras, já que nesta época do ano venta muito na Praça do Papa.
• Chegue cedo. Estreias do Grupo Galpão já se tornaram tradição no local. Apesar da grande capacidade de receber público, há muitos pontos cegos na praça.
• Respeite o momento da apresentação. Afinal, trata-se de uma peça de teatro e não um show de rock.
Próximas apresentações
8 e 9 de junho, às 18h. Parque Ecológico da Pampulha. Entrada franca.
De volta à praça
“Rezarei para que Santa Clara nos dê uma noite estrelada, livre de ventos fortes e chuva, para celebrar esse novo encontro do Grupo Galpão com a genialidade de Gabriel Villela. Através da fábula de Pirandello, poderemos sentir a vibração de nossos corações evocando poesia e sonho para nossas vidas!”
• Inês Peixoto, atriz
“Encontrar o público de Belo Horizonte, na rua, é sempre uma festa e uma grande alegria. Espero que Os gigantes da montanha ajude de alguma maneira a despertar nas pessoas o desejo de imaginar, sonhar, buscar novos limites e dimensões. No fundo, a peça fala da capacidade que a arte tem – e precisa desenvolver – de fazer com que as pessoas busquem outros horizontes, novas perspectivas.”
• Eduardo Moreira, ator
‘‘É bom voltar para a Praça do Papa, esse cenário natural. Que nossos amigos e o público querido recebam o Galpão de braços abertos. Vai ser bonito e poético!’’
• Teuda Bara, atriz
“Estar junto com o Galpão e Pirandello e celebrar essa união no teatro grego da Praça do Papa, com o público de Belo Horizonte, é a verdadeira epifania teatral.”
• Gabriel Villela, diretor
Galpão busca poesia em canções italianas
Trilha sonora e antropologia vocal marcam preparação do novo espetáculo do grupo
Carolina Braga
O diretor Gabriel Villela e a italiana Francesca Della Monica: parceria internacional |
Se de uma forma ou de outra a música sempre esteve presente nas criações do Grupo Galpão, o pulo do gato desta vez é o trabalho de antropologia da voz desenvolvido com a performer italiana Francesca Della Monica. Ela chegou até o grupo por indicação do diretor musical e arranjador Ernani Maletta, que a conheceu em 2006. “Fiquei muito encantado com as coisas que ela falou e fui para a Itália fazer o meu pós-doc. Chegando lá, me apresentou para o país inteiro e pensei: ‘Preciso espalhar a genialidade da Francesca pelo Brasil’”, conta.
Desde 2011, Francesca Della Monica faz intercâmbio com artistas brasileiros. A metodologia dela propõe ao ator relações diferentes com o espaço e o próprio corpo. “É um trabalho de libertação vocal. Por intermédio de alguns exercícios favorece a busca de uma sonoridade”, explica Ernani. Assim que começou os treinamentos com o Galpão, Francesca iniciou um trabalho de reconhecimento da identidade vocal de cada um dos atores para, depois, adequá-los ao espetáculo.
“Partimos do nosso desejo de cantar, de expressar alguma coisa e depois disso procuramos uma técnica que nos ajude a expressar aquele desejo”, conta Ernani, já com o Galpão há 21 anos. Para a preparadora vocal Babaya, a parceria com Francesca chega em momento de maturidade da companhia. “De renovar técnicas mesmo. É uma linguagem que traz um sopro de novidade”, avalia.
Lúdico Há quatro anos, Francesca Della Monica participou de outra montagem de Os gigantes da montanha na Itália. Segundo ela, a cena proposta por Gabriel Villela em nada se compara à versão italiana. “É completamente diferente. As escolhas do Gabriel são lúdicas”, define.
Como conterrânea do dramaturgo, Francesca entende a trilha sonora como outro modo de se apropriar do cancioneiro italiano, propondo maneira singular para cantá-la. Como são brasileiros interpretando em outro idioma, o sotaque é inevitável. Mas, para ela, até isso é um charme. “É um suplemento de poesia que também nos fala sobre o relacionamento da Itália com o Brasil, que é tão importante. Do mesmo modo que essas canções chegaram aqui, é importante que o sotaque se mantenha presente no modo de cantar”, frisa.
Francesca Della Monica não poupa elogios ao profissionalismo do Galpão. A italiana se surpreendeu com a estrutura da companhia. Para se ter uma ideia, a criação de Os gigantes da montanha envolveu a transferência do ateliê de Gabriel Villela para a sede do grupo, no Horto. Junto com ele vieram Shicó do Mamulengo e Zé Rosa, responsáveis pela execução dos figurinos e todos os adereços de cena. É impossível contar quantos são.
“Importado” do Rio Grande do Norte, Shicó modelou desde caveiras até máscaras decoradas com palha de bananeira. Zé Rosa, por sua vez, se dedicou aos bordados, trazidos pelo diretor das viagens pelo Peru e reestilizados para o espetáculo, e também as sombrinhas, desta vez rendadas, marca registrada da visualidade barroca e popular de Gabriel Villela.
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