segunda-feira, 10 de junho de 2013

Índios reivindicam terras sob disputa em MS desde 1930

folha de são paulo
Grupo de terenas de Sidrolândia foi ao Rio, capital do país à época, para pedir ampliação de área demarcada
Etnia, que se aliou ao Exército na Guerra do Paraguai, esteve entre os pracinhas na Segunda Guerra
FABIANO MAISONNAVEENVIADO ESPECIAL A SIDROLÂNDIA (MS)Uma comitiva de índios terenas da região de Sidrolândia (70 km de Campo Grande) viajou à capital federal para exigir ampliação de terras. A notícia parece de agora, mas apareceu na imprensa carioca em 1930.
Um dos três integrantes da viagem ao Rio de Janeiro foi André Patrocínio, pai do professor aposentado Noel Patrocínio, 81. Ele é morador da aldeia Buriti, a maior comunidade da área indígena de 2.090 hectares demarcada nos anos 1920, hoje com cerca de 5.000 pessoas.
"O cacique disse ao meu pai: O governo mediu uma terra muito pequena, não dá para nós'", conta Patrocínio.
A aventura não foi bem-sucedida. "Não conseguiram falar com o chefão. A vida política tem hoje seus momentos de turbulência. Imagina naquela época."
Segundo o coautor da perícia judicial sobre a área em disputa, o antropólogo Jorge de Oliveira, a capital estava em plena Revolução de 1930. "A viagem saiu em um jornal da época, porém em um tom um pouco jocoso."
Essa perícia, assinada também pelo antropólogo Levi Pereira, foi iniciada em 2003 a pedido da Justiça e concluiu que os 17 mil hectares reivindicados pelos terenas são terra indígena. A decisão em primeira instância foi favorável aos fazendeiros, mas o caso continua na Justiça.
Os terenas têm presença antiga na região e, historicamente, buscaram se aproximar do homem branco. É o grupo com maior população fora de aldeias --9,6 mil, segundo o IBGE. Corresponde à quinta maior etnia do país, com 29 mil integrantes.
Só em Campo Grande, há sete "aldeias urbanas", áreas com maior concentração da etnia. Ali, é comum vê-los trabalhando em frigoríficos.
"O que diferencia o terena é o intenso contato com o mundo não indígena e a aliança com outros povos. Apesar disso, consegue manter seus elementos culturais mais fortes, como a língua, a dança e a atividade agrícola", explica o doutor em história Wanderley Cardoso, que hoje ensina na sua aldeia natal, em Aquidauana (MS).
GUERRAS
O historiador da Guerra do Paraguai (1864-1870) Francisco Doratioto diz que os terenas foram um dos grupos que se aliaram ao Exército brasileiro. Ele cita o escritor Visconde de Taunay (1843-1899), que os descreveu como "índios mansos, amigos, aliados".
O envolvimento dos terenas com os militares se estendeu até a Segunda Guerra Mundial, quando vários deles lutaram na Europa como pracinhas da Força Expedicionária Brasileira.
Apesar dos vários registros, os fazendeiros da região dizem que os terenas não são do território brasileiro.
"São paraguaios. Uns alegam que lutaram a favor do Brasil, mas eu não acredito", afirma Marcos Correa, 33, dono de 3.480 hectares dentro da área reivindicada.
    Terenas criaram rede de igrejas evangélicas
    DO ENVIADO A CAMPO GRANDEOs terenas são os fundadores e principais coordenadores da Uniedas (União das Igrejas Evangélicas da América do Sul). A denominação conta apenas com pastores indígenas, está presente em várias comunidades da etnia e vem se expandindo para outros Estados.
    A Uniedas foi criada em 1972 com a ajuda de missionários alemães. De linha batista tradicional, atualmente tem 25 igrejas e 8 congregações, das quais 22 estão em Mato Grosso do Sul. As outras estão em comunidades indígenas de Mato Grosso e de Rondônia, todas fundadas por pastores terenas.
    "Os terenas têm um projeto civilizatório e uma cultura voltada ao relacionamento com os outros povos. No caso da igreja, eles se apropriaram da sua cultura", afirma o antropólogo Levi Pereira, da Universidade Federal da Grande Dourados (MS).
    Em Campo Grande, três igrejas são mantidas em áreas de maior concentração terena. "Dez, vinte anos atrás, o índio era muito discriminado. Às vezes, quando ia a uma igreja, não se sentia bem, daí a necessidade", diz o pastor Ricardo Poquiviqui. Seus cultos na capital costumam reunir 60 pessoas nos fins de semana, a maioria terenas.
    A celebração é feita em português, principalmente pela perda da língua entre os jovens. O idioma terena aparece em cantos e na Bíblia, que chegou a ser traduzida.
    Apesar da crescente disputa por terras em Mato Grosso do Sul, a Uniedas tem uma participação discreta.
    "Trabalhamos muito na questão da orientação, de suporte espiritual, até porque não temos grandes recursos financeiros", afirma Rute Poquiviqui, membro da igreja e estudante de direito.
    O pastor Ricardo diz que as ocupações são fruto do maior acesso à educação superior pelas novas gerações e da demora nos processos. "Estamos cansados de reuniões. Já falamos com todo mundo que tínhamos de falar. É deputado, governador, ministro, não tem mais com quem falar. É por isso que estourou."

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