Futebol, efeito estufa e o jogo global
Hoje é dia da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).
Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e tantos outros países.
Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.
Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isto ocorre mais com as guerras do que com os esportes.
O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é este o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.
Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua politica com relação à emissão de carbono: "os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!
Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.
Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta. Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa, e continuará a aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".
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