domingo, 30 de junho de 2013

Empresas de ônibus em SP têm lucro acima da média - Mario Cesar Carvalho

folha de são paulo
Dados da SPTrans mostram rendimento um terço maior do que padrão nacional
Lucro será de R$ 406,8 milhões neste ano; para economista, taxa é 'muito elevada' em relação ao resto do país
MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOO lucro líquido das empresas de ônibus de São Paulo é um terço superior à média nacional, segundo planilhas da SPTrans. Os valores foram comparados com dados da NTU (Associação Nacional de Transporte Urbano), que reúne 538 companhias do país.
Lucro líquido é o recurso que o empresário ganha após pagar os investimentos, a operação e os impostos.
Empresas de ônibus terão um lucro líquido de 6,8% sobre os R$ 6 bilhões que devem receber este ano da prefeitura como remuneração, segundo a SPTrans. O lucro equivale a R$ 406,8 milhões.
No restante do país, o lucro líquido das empresas é de 4,5%, segundo o presidente da associação das empresas, Otávio Cunha. Se esse índice fosse aplicado a São Paulo, o lucro líquido das empresas cairia para R$ 270 milhões.
A taxa de lucro de 6,8% é considerada alta por economistas e empresários ouvidos pelaFolha, porque no setor de transporte urbano as margens de lucro variam de 4% a 5% no país.
Não é só o lucro em São Paulo que está alto, segundo especialistas. A taxa de retorno, de 14%, também está acima da média nacional para ônibus e é quase o dobro do índice que o governo federal pagará para estradas (7,2%).
Taxa interna de retorno é um prêmio que o governo paga a empresários para que eles toquem negócios que são, na maioria, monopólios naturais, como água e luz.
Esse prêmio tem de ser acima do que os bancos pagam para os investimentos; se não for, eles vão preferir manter o dinheiro no banco.
Num exemplo hipotético, o empresário que investir R$ 1 em ônibus teria um retorno de R$ 0,14; ao aplicar em estradas, ficaria com R$ 0,07.
O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, considera "muito elevados" tanto o lucro quanto o retorno de 14%. "Como os juros caíram nos últimos anos, as taxas de retorno estão abaixo de 10%", diz.
Foi o que aconteceu com o sistema Anchieta-Imigrantes. A concessão de estrada em 1998 previa uma taxa de retorno de 18%; no começo deste ano, caiu para 9,2%.
Isso ocorreu no contrato de ônibus, mas em nível menor. Quando o contrato foi assinado em 2003, na gestão de Marta Suplicy, a taxa de retorno era de 18% e a taxa básica de juros estava em 14% ao ano. Atualmente, a taxa de retorno é 13% e a Selic, 7,5%.
O prefeito Fernando Haddad diz que a cidade paga uma taxa de retorno alta por oferecer mais riscos com a sua dívida de R$ 53 bilhões.
    Planilha é uma caixa preta, diz especialista
    Para Carlos Henrique Carvalho, do Ipea, prefeituras não divulgam composição dos preços por medo de desgaste político
    Em São Paulo, o número de passageiros cresceu 16% entre 2005 e 2012 -- de 2,5 milhões para 2,9 milhões por ano
    MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOO engenheiro de transportes e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) Carlos Henrique Carvalho, um dos maiores especialistas em transporte urbano, concorda em uma coisa com o Movimento Passe Livre: as planilhas sobre custos da tarifa de ônibus são uma caixa preta.
    "É uma caixa preta porque as prefeituras não divulgam os componentes da tarifa."
    A razão? "Medo de desgaste político". A remuneração das empresas, que é de 14% em São Paulo, incide sobre ônibus, garagem e equipamentos. Sobre os demais componentes da tarifa, como mão de obra e óleo diesel, a prefeitura paga os valores definidos na planilha.
    Segundo o engenheiro, São Paulo tem uma das taxas de retorno mais altas do país porque tem ônibus novos, com uma média de idade de cinco anos, e esse componente faz parte da tarifa.
    Quanto mais a frota é nova, mais a empresa recebe, como estímulo à renovação.
    Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, diz que em tese não faz o menor sentido pagar uma taxa de retorno mais alta para concessão de ônibus do que para estradas.
    Para ele, a demanda por ônibus é mais ou menos constante, enquanto o uso de estradas sofre oscilações com o vai e vem da economia.
    Em São Paulo, o número de passageiros cresceu 16% entre 2005 e 2012 -- de 2,5 milhões para 2,9 milhões por ano. Só entre 2011 e 2012 houve uma pequena queda (0,81%), atribuída à inauguração de uma nova linha de Metrô, a de número 4.
    O economista diz que já solicitou as planilhas com os componentes da tarifa de ônibus para a Secretaria de Transportes da prefeitura.
    Ele queria estudar a planilha para fazer previsões de inflação nos períodos de reajuste. Seu pedido nunca foi atendido, segundo ele.
    O Banco Central, segundo o economista, teve um problema similar ao tentar entender as planilhas de custo das tarifas de ônibus no país todo, com a mesma intenção: prever a inflação na época dos reajustes.
    Como não teve acesso aos dados da grande maioria das prefeituras, o Banco Central editou um relatório em que recomenda aplicar o IPCA (o índice oficial de inflação) na correção da tarifa, já que não obteve os dados que compunham a tarifa nas principais capitais.
      OUTRO LADO
      Prefeito põe a culpa na dívida por retorno alto
      Haddad afirma que São Paulo oferece risco maior e por isso tem de pagar mais a empresários do setor
      MARIO CESAR CARVALHODE SÃO PAULOO prefeito Fernando Haddad disse à Folha que a taxa de retorno para as empresas de ônibus é alta por causa do risco que a cidade oferece por causa da dívida que acumula. "Taxas menores só para cidades mais saudáveis, não para São Paulo, que deve mais de R$ 50 bilhões".
      Outro fator que influencia a taxa, diz Haddad, é o fato de a licitação não atrair muitas empresas. "Esse setor vem se estabilizando muito recentemente. Era muito desorganizado dez anos atrás".
      Na última quarta-feira, ele cancelou uma concorrência de R$ 46 bilhões por julgar que ela não havia sido discutida pela sociedade. "Transparência é fundamental."
      Adauto Farias, diretor financeiro da SPTrans, diz que a acusação de caixa preta "serve para slogan de passeata", mas não é verdadeira.
      "Planilha de transporte foi um dos documentos mais discutidos nos últimos 30 anos. A todo reajuste discutimos a planilha com técnicos e publicamos documentos detalhados no Diário Oficial".
      Ao ser questionado se a linguagem técnica das planilhas não afasta o cidadão comum do debate, Farias concorda. "É muito difícil traduzir dados técnicos. Talvez a planilha que temos hoje seja insuficiente para a discussão que a sociedade cobra. Precisamos encontrar maneiras de traduzir esses dados para o público".
      O diretor da SPTrans tem outras versões para o fato de São Paulo ter uma taxa interna de retorno acima da que é aplicada em estradas federais e estaduais.
      Segundo ele, as empresas de ônibus usam recursos obtidos no Brasil, cuja taxa de juros é superior àquelas praticadas nos EUA e na Europa.
      Já as concessionárias de rodovias, ferrovias e aeroportos conseguem recursos muito mais baratos porque têm parceiros internacionais, ainda segundo ele.
      O principal investimento das empresas, o ônibus, é financiado pelo BNDES com taxas de 3% ao ano, uma das mais baixas do mercado. Além de ônibus, outro grande investimento das empresas é com garagem.
      Ainda segundo o diretor da SPTrans, não faz sentido chamar de caixa preta uma planilha que tem dois dos seus principais componentes amplamente conhecidos: são os salários de motoristas e cobradores, que representam 45,37% dos custos das empresas, e óleo diesel (20,91%). "Eu nunca vi caixa preta que tem 65% do seu valor com preços que são públicos".
      Segundo Farias, uma das razões do custo alto das empresas é o congestionamento em São Paulo, além da baixa produtividade das empresas, com uma velocidade média de 12 km. Se a velocidade dobrar, de acordo com ele, o custo do sistema cairá 30%.
      Otávio Cunha, presidente da Associação Nacional de Transporte Público, refuta a acusação de que a composição da tarifa seja uma caixa preta. "Não existe caixa preta. Hoje o nosso serviço é todo controlado pelo poder público".

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