Zero Hora - 06/07/2013
Um homem parado diante de uma frota de blindados perfilados produziu a
imagem mais poderosa dos protestos da Praça da Paz Celestial, em 1989.
Uma multidão pode estar certa ou errada, ser movida por ideias ou pela
desrazão.
O indivíduo que enfrenta algo maior e mais forte do que ele também
pode estar certo ou errado, mas sempre seremos levados a nos compadecer
diante da enorme fragilidade de um homem que combate sozinho. Um acaso e
nem sequer existiríamos, uma distração e deixamos de existir. Ainda
assim, uma única pessoa pode fazer toda a diferença no destino de uma
causa ou de uma multidão de gente.
Sempre me ocorre a imagem do manifestante chinês quando penso na
batalha cotidiana de quem trabalha com cultura no Brasil. Em um cenário
de poder público errático, raros mecenas e centralização de recursos nas
grandes metrópoles, o papel da iniciativa pessoal acaba sendo decisivo.
Seja dentro dos precários canais convencionais, seja operando de uma
forma completamente alternativa, como a rede de coletivos Fora do Eixo.
Por trás das histórias de sucesso da maioria dos empreendimentos
culturais do país, há a figura de um manifestante chinês que se postou
diante dos tanques da falta de grana, de informação, de política
cultural, de planejamento, de público.
Desse enfrentamento insistente, criativo, ousado, surgem projetos
que podem alterar todo um circuito de público, mercado e produção.
Luciano Alabarse com o Em Cena, Tania Rosing com a Jornada de Passo
Fundo, Eva Sopher com o Theatro São Pedro, Bernardo de Souza e Marcos
Mello na Coordenação de Cinema e Vídeo da SMC, Fábio Coutinho no Margs e
depois na Fundação Iberê Camargo, Liliana Magalhães no Santander
Cultural, Fernando Ramos na FestiPoa, sem falar das turmas que atuam
somando esforços e talentos, como o pessoal dos festivais Cine Esquema
Novo e Fantaspoa e os coletivos musicais que começam a pipocar na
cidade.
São muitos os exemplos aqui no Rio Grande do Sul, desde a época em
que o jornalista Say Marques teve a ideia de instalar umas banquinhas na
Praça da Alfândega para vender livros – inspiração do fenômeno
tipicamente gaúcho da disseminação de feiras do livro pelo interior do
Estado.
O fato de um evento ou instituição tornar-se identificado com uma
pessoa ou um pequeno grupo acontece no mundo todo. Em países com mais
tradição cultural, porém, o talento surge em meio a um sistema capaz de
dar continuidade e mesmo ampliar o alcance de um trabalho bem feito. No
Brasil, a descontinuidade é a regra, e fenômenos longevos como a Feira
do Livro, a exceção. Assim como nos orgulhamos de um teatro, de um
evento, de um centro cultural que funciona, tememos pela sua
sobrevivência. Nossa única tradição consistente parece ser a de sermos
eternamente provisórios.
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