sábado, 6 de julho de 2013

Enigma popular - André Singer

folha de são paulo
Enigma popular
Editoria de Arte/Folhapress
Aprovação do governo Dilma por renda
Aprovação do governo Dilma por renda
Ainda está obscura a intensidade e o significado, para as camadas populares, da insatisfação que explodiu em junho. Deflagrada pela classe média, os efeitos políticos e eleitorais da onda vão depender da maneira particular com que tenha impactado as periferias.
Nos setores médios deu-se fenômeno curioso. Liderado por jovens de esquerda, o movimento acabou atraindo grupos variados e opostos. Primeiro, veio uma leva de participantes que tem o perfil típico do eleitor de Marina Silva. Moderno no estilo de vida, liberal nos costumes, posicionado ao centro e irritado com a corrupção. Depois, chegaram os conservadores: furiosos com a corrupção e com o PT, a quem atribuem todos os males do Brasil. Para completar o caleidoscópio ideológico, até a extrema direita desembarcou na avenida, traduzindo em violência contra os partidos socialistas a raiva dos conservadores.
Em consequência, dividida em tudo o mais, a classe média desfilou unida pelo desejo de protestar. O seu crescente descontentamento com a situação do país já fora detectado pelo Datafolha no começo de junho (ver terceira coluna do quadro abaixo). Compreende-se, assim, que, nesse meio social, o clima estivesse propício a ações contestatórias.
Ocorre que, dada a desigualdade prevalecente, é pequeno o peso numérico dos que auferem ganhos maiores. Na última pesquisa Datafolha, só 15% da amostra tinha renda familiar mensal acima de R$ 3.390. Por isso, os efeitos de algo que se desse apenas nas franjas superiores seriam limitados.
Levantamento feito na cidade de São Paulo em 21 de junho, entretanto, mostrou que 66% dos entrevistados com renda familiar de 2 a 5 salários mínimos estavam a favor da movimentação pela redução das passagens. Mesmo 55% dos mais pobres (até 2 salários mínimos) inclinavam-se a apoiá-la. Em seguida, a forte queda da aprovação do governo Dilma (ver primeira coluna do quadro acima) indicava que, embora menos presente nas ruas, a base da pirâmide acompanhou o "era infeliz e não sabia" dos andares acima.
Contudo, enquanto não se compreender a extensão e o sentido de tal infelicidade no meio do povo, pouco se poderá dizer a respeito do futuro.
avsinger@usp.br

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