quarta-feira, 10 de julho de 2013

Editoriais FolhaSP

folha de são paulo

A condição do médico
Governo lança medidas para melhorar o sistema público de saúde; pacote inclui importação de profissionais e estágio obrigatório no SUS
Diante da crescente insatisfação com os serviços de saúde no Brasil, seria estranho se, no intuito de aplacar o clamor das ruas, o governo federal não anunciasse medidas de impacto para o setor.
Desse ponto de vista, o lançamento do programa Mais Médicos superou as expectativas. Não foi pequena a polêmica que se seguiu ao detalhamento das ações, e entidades do setor se declararam surpreendidas com algumas das iniciativas anunciadas.
A principal novidade é a ampliação do curso de medicina, dos atuais seis anos para oito, e a exigência de que, nos dois anos adicionais, o aluno trabalhe na atenção básica da rede pública.
O profissional somente terá registro permanente de médico após essa espécie de estágio obrigatório --em local designado pela instituição de ensino de origem, também responsável pela supervisão. Durante o ciclo no SUS, o formando receberá uma bolsa federal, de valor ainda não definido.
Se o Congresso não modificar a medida provisória que trata do assunto, as novas regras, inspiradas no modelo do Reino Unido, valerão para quem ingressar na faculdade de medicina a partir de 2015. Associações médicas, porém, avisam que tentarão, nas esferas política e jurídica, alterar a proposta.
Com efeito, será problemático se o aluno se vir obrigado a morar em uma determinada região, contra a sua vontade. Feita essa ressalva, contudo, não há motivo para rejeitar a atuação na rede pública.
De um lado, trata-se de mecanismo capaz de aprimorar a formação do médico --em geral, o ensino de medicina é precário. De outro, é uma forma de aumentar, no SUS, a presença desses profissionais imprescindíveis à sociedade.
Igualmente controversa, mas sem constituir novidade, a tentativa de importar profissionais também consta do pacote, e a comunidade médica, mais uma vez, se mostrou refratária à medida.
O médico estrangeiro, é claro, não representará a salvação da saúde pública no Brasil. Mas, desde que submetido a avaliação técnica e devidamente treinado, ele pode ajudar, em caráter temporário, a combater o déficit de profissionais nas periferias e em áreas distantes dos grandes centros.
Não será apenas com mais médicos, entretanto, que a saúde pública vai avançar. Em artigo publicado nesta Folha, o urologista e professor titular da USP Miguel Srougi já havia ponderado que o serviço de saúde pressupõe, entre outros itens, remédios, equipe de apoio e instalações adequadas.
É preciso focar na qualidade dos cursos --a criação de mais 11,5 mil vagas em nada contribui para isso-- e na implantação da estrutura necessária ao exercício da medicina. Sem isso, a multiplicação do contingente profissional pode não passar de golpe publicitário.
    EDITORIAIS
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    Reorientar o transporte
    Em dez anos, 1,5 milhão de novos carros conheceram as ruas de São Paulo. A frota da cidade passou de 3,4 milhões para 4,9 milhões.
    Tomada por seu valor de face, a notícia revela o aumento da renda individual e o sucesso dos programas de redução de impostos para a indústria automobilística.
    Ao somar estímulos tributários --o que inclui o preço da gasolina mantido artificialmente baixo-- às vantagens de possuir um automóvel, parte significativa dos paulistanos achou por bem adquirir veículo próprio. E o fez ciente de que, em boa parte do tempo, o carro estaria preso nos congestionamentos.
    Não se trata de constatação de somenos. É razoável supor que poucos optariam pelos engarrafamentos se houvesse opção menos incômoda. Diante da péssima qualidade do sistema público de transporte coletivo, porém, cada vez mais gente prefere o individual.
    As razões são conhecidas. Ônibus passam pelos pontos com frequência baixa e imprevisível. Nos trajetos de maior fluxo, a duração das viagens é incerta --ou não há corredores exclusivos, ou eles não têm área de ultrapassagem.
    São problemas que não afetam trens e metrô, mas a malha serve uma área pequena da cidade. Além disso, os vagões, a exemplo do que ocorre com os ônibus, são lotados.
    Melhorar o transporte público exige investimentos de monta. Verbas para isso até existem, mas sucessivos governos, nos três níveis, precisariam redefinir prioridades.
    O incentivo aos automóveis custou, em isenções fiscais, ao menos R$ 32,5 bilhões desde 2003. Dinheiro pago pela sociedade, que abriu mão desses recursos em benefício de um setor relevante da economia --a recuperação da indústria automotiva foi fundamental para o crescimento de 7,5% do PIB em 2010.
    Trata-se, sem dúvida, de escolha possível. Mas, se a opção fosse outra, poderiam ter sido construídos 150 km de metrô ou 1.500 km de corredores de ônibus com a mesma cifra. Isso permitiria triplicar a atual malha metroviária de São Paulo, ou mais que decuplicar o total de corredores existentes.
    Investimentos no transporte público levam tempo, mas seus efeitos são duradouros. Incentivos à indústria automotiva geram resultados quase imediatos, mas podem ser passageiros. Os estímulos ao setor, aliás, já têm se mostrado incapazes de ressuscitar novamente o crescimento econômico. Está dada a ocasião para rever a prioridade ao transporte individual.

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