Portas abertas?
Foro que institucionaliza participação da sociedade na formulação da política externa terá empecilhos
Antonio Patriota propõe um foro para institucionalizar o diálogo entre sociedade civil e Itamaraty, que terá duas reuniões por ano, quiçá mais.
A diplomacia profissional já consulta a sociedade civil em negociações multilaterais sobre racismo, ambiente, direitos humanos e desenvolvimento sustentável. Agora, a prática se generaliza, vira permanente e ganha status na burocracia.
A iniciativa chega em boa hora para um partido governista que, originalmente ancorado em movimentos sociais, perdeu o pulso das ruas.
Se vai funcionar, só o tempo dirá. O ministro vai enfrentar empecilhos.
O Itamaraty está acostumado a interpretar e articular os diferentes interesses da sociedade seguindo um modelo intramuros.
Para muitos, isso não é um problema porque a política externa seria a síntese perfeita de nossa comunidade nacional. "A gente ausculta a sociedade", disse um diplomata. Falava sem ironia.
Incorporar a sociedade civil à formulação de política externa é difícil para qualquer país. Afinal, boa parte do trabalho diplomático precisa acontecer em segredo, longe dos holofotes.
Por isso, existe o risco de o novo foro ser esvaziado. O ministro será tentado a usar sua criatura para informar e convencer a sociedade, não para consultá-la e ajustar o que precisa ser ajustado.
Solene, esse espaço formal poderá ficar engessado. Em vez de alargar o leque de vozes que efetivamente contribuem para a concepção brasileira de política externa, poderá burocratizar o debate.
Aliás, essa dinâmica tem longo pedigree na história nacional. Coopta-se a sociedade pelo topo, consagrando o Estado como instância de deliberação de uma cidadania tutelada. Absorve-se a voz de movimentos sociais, sindicatos e associações à sombra de um Estado que estabelece a pauta e, assim, disciplina a conversa pública.
Isso dito, a iniciativa merece o benefício da dúvida. Se a sociedade aproveitar a oportunidade para travar suas lutas, e se o Itamaraty souber tirar vantagens da energia ali gerada, então teremos algo de realmente novo na cena diplomática.
Seria muito saudável. Com raras exceções, a sociedade civil organizada tende a ignorar que política externa é uma política pública como qualquer outra: suas medidas afetam a vida cotidiana de todos, e quem paga a conta é o cidadão.
A genuína irritação das autoridades brasileiras com o escândalo da espionagem é plenamente justificada. Com autoria dos Estados Unidos, as violações têm veneno adicional.
Só que é bom lembrar de algumas verdades. A espionagem é mais velha que a própria diplomacia e sua versão contemporânea não é prerrogativa americana. China, França e Israel, por exemplo, têm fatias gordas do mercado.
Por se tratar de um mercado, a lógica da espionagem é a competição. Quem fica parado, fica para atrás.
Então, por que segue engavetada a Política Nacional de Inteligência? E cadê o comitê público-privado sem o qual será impossível reverter nossa insegurança cibernética?
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