quarta-feira, 24 de julho de 2013

Obras de arte eletrônica brincam com as sensações - Silas Martí

folha de são paulo
Festival na avenida Paulista permite interagir com luzes na fachada da Fiesp
Outras peças na 14ª edição do File oferecem interatividade, como um céu de nuvens que reagem ao toque
DE SÃO PAULONão precisa gritar, mas com uma frase ao microfone, é possível criar um efeito histérico na fachada da sede da Fiesp, um dos prédios mais famosos da avenida Paulista.
Obra do coletivo francês 1024, o enorme painel de LED que reage a estímulos sonoros é a porta de entrada para mais uma edição do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, evento que tenta traçar um panorama da produção contemporânea nas chamadas novas mídias.
Lá dentro, estão outros trabalhos que desafiam a lógica, como um sofá que parece flutuar no ar, apoiado num só pé, peça do norte-americano Jacob Tonski, ou as esculturas de plumas que ficam eriçadas com a presença de ondas de rádio e celular, do brasileiro Ricardo Nascimento.
"Buscamos mostrar essa sintonia no festival", diz Paula Perissinotto, uma das curadoras do evento. "As obras vão da ciência ao design, à arquitetura, à dança, à performance, está tudo mesclado."
Nessa mistura, a sensação tátil parece ter presença maior. Vídeos da dupla Gisela Motta e Leandro Lima, por exemplo, mostram reações no corpo dos artistas a temperaturas mais quentes ou frias, num arco que vai do azul profundo ao vermelho.
Outras obras também exaltam o toque, como um travesseiro que permite sentir os batimentos cardíacos de alguém que põe o dedo num sensor, ou o teto de nuvens do grupo sul-coreano Everyware, que muda de configuração, reagindo às mãos do público.
     

Setor cresceu 22,5% de 2011 para 2012, mostra último levantamento de dados
Galeristas falam em 'fim de festa' e apostam na internacionalização como estratégia para fase menos dinâmica
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
Novos números comprovam a sensação de euforia no mercado de arte brasileiro, que cresceu 22,5% em 2012, três vezes a média mundial, de 7%, segundo um último levantamento de dados. As galerias de arte contemporânea chegaram à arrecadação de R$ 250 milhões ao ano, enquanto preços de obras subiram em média 15%, bem acima da inflação do período.
Outro dado também surpreende. Segundo um relatório da secretaria paulista da Fazenda obtido pela Folha, a última edição da feira SP-Arte, em abril, declarou R$ 99 milhões em vendas, mais do que o dobro de 2012, quando registrou R$ 49 milhões.
Essa é apenas uma fração do total dos negócios da feira, já que só as comercializações com isenção de impostos estaduais --no caso, as vendas de algumas obras importadas-- precisam ser declaradas dessa forma. O faturamento total pode ter superado R$ 300 milhões porque essas transações respondem por pouco menos de um terço do total das galerias.
Números do estudo mais recente do projeto Latitude, que reúne a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e a Associação Brasileira de Arte Contemporânea, obtidos com exclusividade pela Folha, também mostram que o mercado brasileiro está mais internacional, com artistas estrangeiros representando 22,5% dos times das maiores galerias nacionais.
Mas galeristas e agentes de mercado relutam em estourar garrafas de champanhe.
"As vendas têm sido bem firmes, mas é fato que o gelo da festa acabou", diz Marcia Fortes, sócia da galeria Fortes Vilaça. "Artistas jovens no Brasil custam muito caro, então a tendência é estabilizar."
Ou seja, após atingir um pico, o mercado está mais maduro, com crescimento "consistente e linear", segundo Ana Letícia Fialho, do projeto Latitude. Mas galeristas preveem uma desaceleração.
COMPASSO DE ESPERA
Num cenário político e macroeconômico conturbado, com o dólar em disparada, manifestações nas ruas e debandada de investimentos estrangeiros, colecionadores têm ficado mais reticentes.
"Existe um compasso de espera agora", diz André Millan, um dos donos da galeria Millan. "É lógico que as vendas estão caindo. As pessoas estavam comprando trabalhos como se fossem caixas de Bis. Agora há um tom de reclamação entre as galerias, não a euforia sem sentido."
Mas se o Brasil desacelera, uma saída é o mercado estrangeiro. Segundo dados do Latitude, que serão divulgados amanhã, só 11,5% dos clientes das galerias do país são estrangeiros, mas 50% dessas casas participam de feiras no exterior e 30% têm parcerias com casas de fora.
"Galerias estão vendo a internacionalização como estratégia de sobrevivência, para quando o mercado interno não estiver tão dinâmico", diz Monica Esmanhotto, gerente executiva do Latitude. "Estava todo mundo acomodado, e agora vemos as galerias saírem da zona de conforto."
Outros agentes de mercado também devem se mexer.
Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, a maior casa de leilões do Brasil, afirma que o setor não deve sofrer uma queda brusca nas vendas, mas precisa lidar agora com a escassez de obras-primas na praça, as chamadas "blue chip", que são vendidas com facilidade mesmo em momentos mais turbulentos.
Um exemplo é uma tela de Adriana Varejão leiloada neste mês --com lance inicial de R$ 700 mil, a peça foi arrematada depois por R$ 1,5 milhão.
"Uma obra-prima tem liquidez imediata, é fácil vender", diz a consultora de arte Cecília Ribeiro. "Mas o problema, agora, é que não estão aparecendo essas coisas excepcionais no mercado."

ANÁLISE
Pesquisa deve ser encarada como um retrato parcial
FABIO CYPRIANOCRÍTICO DA FOLHANa última edição da feira SP-Arte, um galerista queria mostrar poder e pediu a um amigo colecionador que cedesse uma pintura de Alfredo Volpi ao seu estande.
O objetivo não era vender, apenas impressionar. Para convencer o colecionador, o galerista pediu que ele estipulasse um preço impraticável para a obra. Colocada à venda por US$ 1 milhão (R$ 2,2 milhões), a obra acabou saindo logo no primeiro dia do evento.
Essa venda não está retratada no relatório com a nova pesquisa sobre o mercado de arte brasileiro divulgada pelo projeto Latitude, pois trata-se de um caso de uma instituição do chamado mercado secundário, ou seja, de galerias que revendem obras.
Por isso, a pesquisa deve ser vista como um retrato parcial do mercado: ela diz respeito apenas às 44 galerias do mercado primário de arte contemporânea que responderam a um questionário, mas que não são as responsáveis pelas maiores movimentações nesse sistema.
Em março passado, a Fundação Europeia de Belas Artes (Tefaf) divulgou um relatório sobre o mercado brasileiro de arte que estimava em € 455 milhões (aproximadamente R$ 1,3 bilhão) as vendas em 2012.
Esse valor representa não só arte contemporânea, mas de antiguidade a arte moderna, ou seja, é uma estimativa bem plausível, tendo em vista a estimativa de cerca de R$ 200 milhões das 44 galerias na pesquisa Latitude.
Mesmo parcial em relação ao mercado, o mérito da pesquisa está em dar transparência ao segmento responsável pela inovação no sistema de arte e, segundo os dados, ele vem crescendo regularmente desde 2010, em cerca de 22% ao ano.
Esse valor é próximo ao crescimento das vendas de comércio eletrônico em 2012, que ficou em 24,2%, uma outra área de ponta.
Esses dados ficam mais consistentes em comparação com a economia brasileira, que cresceu apenas 0,9% no ano passado.
Falta agora uma pesquisa que dê conta da maior fatia do mercado de arte.
    Advogados querem fundar 'Ecad' das artes visuais
    DE SÃO PAULONum cenário de hipervalorização das obras de arte, advogados querem tentar fazer valer o direito de sequência, ou seja, o repasse de 5% do lucro sobre a peça para o artista ou seus herdeiros a cada vez que ela trocar de mãos.
    Essa é uma medida já prevista na legislação, o artigo 38 da lei de Direito Autoral, mas é quase impossível de ser respeitada porque o mercado de arte não tem um controle sobre todas as vendas. Muitas vezes, transações se dão entre colecionadores privados e nem vêm a público.
    "Queremos controlar a cadeia de propriedade da obra", diz Leonardo Cançado, fundador do Instituto de Propriedade Artística Visual, uma espécie de Ecad das artes plásticas que ainda está sendo implementado. "É parecido com o direito de reprodução da música. A única obrigação do artista é vender a obra só se o comprador se registrar."
    Com uma base de dados listando obra e proprietário, o grupo poderia então fiscalizar cada transação e repassar parte do lucro ao autor. Mas agentes de mercado dizem ser "impossível" esse tipo de controle, já que muitas vezes obras são vendidas sem qualquer comprovação de seu valor na última venda.
    "Do jeito que está a lei, isso é impraticável", diz Jones Bergamin, da Bolsa de Arte. "É uma coisa descabida, porque não tenho como reter 5% de um lucro se eu não sei por quanto a pessoa comprou. Não tenho esse poder fiscal."
    Cançado, por enquanto, diz que vai confiar na "boa fé" dos colecionadores. "Vamos incomodar quem passar a perna no artista."

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