Os primeiros e depois
O papa lembrou as tais autoridades dessa entidade vulgarmente chamada de povo e por elas esquecida
A mudança no programa pedida pelo papa Francisco, para os seus primeiras contatos no Rio, justificou-se por sua doutrina pontifical, mas carregava também um oportuno efeito político."Primeiro o povo, as autoridades depois", como o papa pediu, na visão do mundo restaura um ofuscado sentido cristão; para as tais autoridades brasileiras, inclusive as religiosas, lembrou-as dessa entidade da vida vulgarmente chamada de povo e por elas esquecida, talvez pela força do hábito, na elaboração do programa para o primeiro dia da visita. Daí a mudança do programa.
As modificações sucessivas que o papa fez, lá de Roma, nos preparativos brasileiros de sua visita --a troca da suíte com móveis de estilo por um quarto simples, a alimentação sem requintes, o papamóvel aberto-- mostraram que acompanhava com atenção tudo que ocorria por aqui. Logo, também a preocupação, para muitos uma certeza, com hostilidades diante do Palácio Guanabara durante sua estada ali.
A última intervenção do papa nos preparativos foi para retirar a ida direta do desembarque ao Guanabara. E no seu lugar introduzir um bom giro pelo centro da cidade, em carro aberto. Primeiro o povo. Mas, com isso, a aclamação nas ruas seria uma neutralização antecipada de eventuais manifestações negativas no Guanabara. Um indicativo de que manifestação negativa, ali, tinha outro destinatário que não o papa.
Para tranquilidade geral a respeito de hostilidades, a nossa brava Armada está com um vaso de guerra navegando em idas e vindas diante das praias, até o final do Leblon. É a mesma vigilância feita durante a Copa das Confederações, dado nunca se saber se o Equador, o Uruguai ou outra potência dos mares, valendo-se de momentânea distração dos brasileiros com um jogo ou com um visitante, decide tomar a zona sul do Rio.
No Guanabara, a manifestação que aproveitou a recepção ao papa eclodiu, como de suas tentativas anteriores, depois que o governador Sérgio Cabral não estava mais no lugar. Ainda assim, ficou um resultado importante da luta com a PM: a evidência de que os delinquentes fizeram um aumento inquietante na sua agressividade. Os coquetéis molotov deixam de ser esporádicos e se tornam usuais. É a intenção explícita de incendiar, sejam edificações, sejam pessoas, como método de baderna.
A quantidade de coquetéis molotov que as câmeras captaram em voo, naquela arruaça, indica que as prisões feitas pela PM foram em número insignificante, outra vez. Sobretudo de incendiários potenciais, caso, ao que se saiba, de um só preso com recipientes preparados.
Entregue ao planejamento do Exército, a "segurança" da visita do papa Francisco está baseada na hipótese de terrorismo. Mas o problema nem está na figura do papa, nem está no terrorismo. É pouco provável a burrice inominável de um ataque terrorista ao papa que prenuncia uma prática, e não só o gasto discurso, de maior compreensão das realidades atuais, para atenuar seus embates.
O problema é o risco de que violências baderneiras, aproveitando-se de prometidas manifestações contra determinadas intransigências da Igreja Católica, atinjam desprevenidos e indefesos. A PM ainda não dá conta desse tipo de risco. Depoimentos de pessoas presentes à recepção no Guanabara falam de momentos muito aflitivos na hora da saída.
Se as tais autoridades decidissem não ir a mais eventos do papa, seria muito bom para todos. Pode-se lançar um novo slogan: lugar de autoridade é em casa.
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