sexta-feira, 12 de julho de 2013

Será este o fim do Islã político no Egito? - RASHEED ABOU-ALSAMH


O GLOBO - 12/07/2013

Na semana passada eu assisti
na televisão, com alarme e
tristeza, ao desenrolar dos
acontecimentos do golpe
militar no Egito contra o governo democraticamente
eleito de Mohamed
Mursi. E fiquei ainda mais pasmado
com as cenas dos egípcios da oposição
liberal e esquerdista na Praça
Tahrir, comemorando com gritos de
felicidade a volta dos militares, que
eles mesmos tinham combatido tão
energeticamente na mesma praça somente
dois anos atrás.

Sem dúvida, Mursi se mostrou incapaz
de governar bem o Egito, rejeitando
qualquer acomodação com a oposição,
acirrando o tom sectário do governo,
e nomeando membros da Irmandade
Muçulmana para a maioria
dos ministérios e províncias. A economia
do país foi de mal para pior,
com a libra egípcia sofrendo desvalorização,
os depósitos de moeda estrangeira
atingindo níveis baixíssimos
e cortes de energia elétrica virando
coisa normal. No plano político,
Mursi também foi obstinado, se derrogando
poderes constitucionais e
tentando empurrar uma nova Constituição
que não tinha o apoio dos liberais
e esquerdistas.

Apesar de todas essas diferenças,
não podemos esquecer que Mursi foi
eleito com 52% do voto popular, mais
do que o presidente americano Barack
Obama conseguiu na sua última
eleição. Com este mandato popular,
como ele podia se entregar ao ultimato
dos militares? “Por cima do meu
cadáver”, foi o que Mursi supostamente
terá dito aos militares mandados
para lhe exigir a renúncia da Presidência.
E o resultado imediato da
retirada forçada de Mursi do poder foi
a violência. com 51 apoiadores da Irmandade
sendo mortos por militares
no Cairo esta semana. Esse massacre
levou o grupo a conclamar uma revolta
contra os militares.

Os militares rapidamente nomearam
civis para chefiar um governo interino,
com Adli Mansur como presidente
interino, Hazem al-Beblawi como
primeiro-ministro, e Mohamed el-
Baradei como vice-presidente. Mansur
já emitiu uma declaração constitucional
convocando uma assembleia
constituinte em duas semanas, um referendo
sobre uma nova Constituição
em quatro meses, eleições parlamentares
em fevereiro e eleições presidenciais
seis meses depois. Al-Beblawi já
disse que postos ministeriais vão ser
oferecidos para membros do Partido
de Liberdade e Justiça, o braço político
da Irmandade, e para o partido islamita
Nour. Mas é pouco provável que
membros da Irmandade aceitem cargos
num governo interino responsável
por derrubar Mursi.

Neste momento o Egito é um barril
de pólvora prestes a explodir a qualquer
provocação. É compreensível o
desespero e a angústia que milhões
que egípcios estão sentindo ao ver
seu líder deposto pelos militares, e é
por isso que políticos de ambos os lados
vão ter que se esforçar muito para
acalmar os ânimos e tentar achar
uma saída aceitável para todos. A exsenadora
egípcia Mona Makramebeid
disse isso esta semana a Christiane
Amanpour, da CNN, afirmando
que uma acomodação política ia levar
um tempo. “Vai levar tempo. Temos
que mandar mensagens positivas.
A oposição tem que parar com a
demonização da Irmandade Muçulmana
e esforçar-se para trabalhar
juntos. Afinal de contas, eles trabalharam
juntos no passado para derrubar
o regime de Mubarak”, disse.

Mas será que a derrubada da Irmandade
Muçulmana no Egito assinala
o fim do Islã político? Muitos
gostariam que sim, mas eu duvido
muito. O acadêmico francês Olivier
Roy, que publicou o livro “O fracasso
do Islã político” em 1992, disse esta
semana à revista “The Economist”
que o governo da Irmandade implodiu
porque não soube dirigir um Estado
moderno. Ele disse que o governo
de Mursi tentava islamizar uma
sociedade já muito religiosa, e que o
Islã não tem as prescrições detalhadas
necessárias para dirigir um Estado
moderno. Neste ponto eu concordo
em parte. Mursi não soube construir
alianças políticas com outros
partidos islamitas, e muito menos
com os partidos da oposição, uma
coisa que seria essencial para o sucesso
do seu governo. Na Turquia e
no Marrocos, partidos islamistas se
viram necessitados a compartilhar o
poder com outros partidos políticos
para permanecerem no poder.

O Ocidente tem que se dar conta de
que os egípcios progressistas e esquerdistas
são uma minoria no país, e
que a maioria é religiosa e conservadora.
A embaixadora americana no
Cairo, Anne Patterson, sabe disso e
por isso teceu uma política americana
de tentar se aproximar da Irmandade
depois de décadas de negligência.
“Anne tem desde seus primeiros
dias no Egito notado que os egípcios
são os contatos favoritos dos centros
de estudos de Washington, do Congresso
americano e do Departamento
de Estado. São talvez talentosos e criativos,
mas não são necessariamente
representativos dos 80 milhões de
egípcios”, disse um oficial americano
ao site Daily Beast.

O perigo agora no Egito é se os militares,
apesar de prometerem eleições,
nunca saírem do poder. Eles
ainda não disseram se vão deixar
candidatos da Irmandade participar
das eleições parlamentares e presidenciais.
E se um candidato da Irmandade
for eleito presidente, os militares
o deixarão tomar posse? Nós já
vimos o que aconteceu em 1992 na
Argélia, quando os militares não deixaram
os islamitas assumirem o poder
depois de vencer eleições democráticas.
Vamos ter que esperar pelo
menos mais seis meses para ver se os
militares egípcios vão honrar a palavra
deles ou não. Mas eu não estou
apostando muito neles. l
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

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