A volta das águas do tsunami
Uma das lições que aprendi na leitura tardia de Alexis de Tocqueville foi entender a influência do chamado acaso nos acontecimentos sociais e políticos no mundo em que vivemos.
Segundo o pensador francês, o acaso muitas vezes é confundido com a incapacidade dos analistas de acompanhar certos acontecimentos secundários e que, em determinado momento, entram em sincronismo e aumentam a amplitude de eventos que ocorreriam normalmente.
Se esta dinâmica já podia ser identificada no mundo do século 19, imagine no mundo interligado de hoje.
É o que acontece na virada do semestre neste 2013 tão complexo para nós, brasileiros.
Existe entre os analistas da economia, da política e do comportamento social uma tentativa de fugir da análise simplista do acaso para explicar a mudança radical que foi vista nas últimas semanas: um povo pacífico vai às ruas para cobrar de seus líderes políticos uma mudança de comportamento ético, sem ter de forma clara uma agenda a ser seguida.
Isso depois de pelo menos seis anos de certo bem-estar coletivo expresso no apoio em massa ao governo Lula e ao de sua sucessora Dilma Rousseff. Gostaria de dar minha contribuição a essa busca de entendimento, que é tão importante.
Na minha coluna do último dia 14 de junho, escrevi, ainda sob o impacto da então recém-publicada pesquisa do Datafolha que mostrava a primeira queda da popularidade da presidenta Dilma, que isso ocorria por questões econômicas.
Citava principalmente a aceleração da inflação e seus efeitos sobre o bem-estar presente -e o sentimento de insegurança futura- que começava a atingir a chamada nova classe média.
A perda de confiança do consumidor estava clara nos índices captados por institutos privados como a Fundação Getúlio Vargas.
Fazia eu também um diagnóstico sobre as causas da perda de energia da economia brasileira nos primeiros dois anos do governo Dilma.
Ressaltava o erro cometido pelo governo em não entender que a política econômica dos anos Lula tinha se esgotado e que a falta de investimentos -privados e públicos- em áreas importantes do tecido produtivo estava levando a um estrangulamento da oferta.
Nessa situação, a insistência no estímulo ao consumo apenas exacerbava a perda da credibilidade da política fiscal do governo e, principalmente, um aumento perigoso na inflação.
De lá para cá, esse quadro ficou ainda mais claro, com a revisão para cima das expectativas da inflação e para baixo do crescimento econômico neste ano e em 2014.
Com isso, a tendência de aumento dos rendimentos reais dos brasileiros, que ocorria desde 2004, foi interrompida de forma definitiva.
Nos quatro anos do governo Dilma -a se verificar as previsões de hoje para o crescimento do PIB em 2013 e 2014- as medidas mais importantes de renda per capita mostrarão uma estagnação clara. Muito parecido com o que aconteceu no segundo mandato do governo FHC, depois que o apagão forçou uma recessão econômica importante.
Neste quadro econômico, preocupa o analista o aparecimento no horizonte de uma nova crise externa que chega aos países emergentes.
Para usar uma imagem criada pelo ministro Mantega, a do tsunami monetário gerado pelas políticas expansivas nos Estados Unidos e Europa, estamos sofrendo agora os efeitos deletérios de uma volta das águas para o leito natural do mar de dólares, que é o mercado americano de títulos e ações.
Entre a cotação de R$ 1, 70 reais por dólar que tínhamos em fins de fevereiro de 2012 e o possível teto de R$ 2,50 por dólar que poderá ser atingido se este movimento continuar, teremos uma desvalorização de quase 50 % em pouco mais de um ano.
Para uma economia que passa por um surto inflacionário grave por questões de desequilíbrio entre a oferta e a procura nos mercados de bens e serviços, um choque externo desta dimensão não pode ser minimizado. Nem ser visto pelo lado positivo dos eventuais estímulos que ele cria para nossa combalida indústria via exportações maiores e maiores dificuldades para a entrada de produtos em nossos mercados.
Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações (governo FHC). É sócio e editor do site de economia e política 'Primeira Leitura'. Escreve às sextas, a cada duas semanas, no caderno 'Mercado'.
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