O Rebu
Eu ia fazer um elogio a Baby do Brasil, cujo show, ao lado do filho, Pedro, é um acontecimento de dimensões míticas. Mas guardei o impacto para o nível cósmico. Sucumbi ao drama terreno.
O quebra-quebra da quinta-feira histórica comia solto na retrospectiva da TV quando foi interrompido pelo intervalo comercial. Um reclame sobre a inclusão social exibia torcedores de verde e amarelo, a pátria de chuteiras tomando as ruas a caminho da Copa das Confederações.
Diante da violência do noticiário, a alegria dos figurantes soava mais como uma piada de mau gosto.
A famosa marca de carro seguiu na mesma linha, convocando a população a tomar as esquinas. Multidões gritavam o gol das telefônicas, todo o planejamento publicitário, realizado com base na cartilha do que feliz é quem tem, desafinava no "Jornal das Dez".
Lembrei de uma aula do Mobral do Millôr Fernandes, onde a professora primária prima por não ensinar coisa nenhuma. A lição termina com um primor de paradoxo sobre o Brasil: "É, enfim, um país do futuro, sendo que esse se aproxima a cada dia que passa".
Passou mais rápido do que eu imaginava.
Um mês antes da Primavera Tropical, eu estava no carro, engarrafada, a caminho não sei do quê, quando os acordes de "O Guarani" anunciaram "A Voz do Brasil". A locutora elencou os tópicos do dia, com destaque para o Bolsa Mobília. Gente humilde agradecia a chance de trocar os móveis e a televisão. A próxima eleição está resolvida, pensei.
Vale-Consumo, emprego em alta, Eike na Forbes e Anderson campeão invicto, não havia motivo para insatisfação, só indícios. Pouco antes da grita, ouvi uma senhora distinta se referir a Mantega como Margarina. Não era um bom sinal. O trocadilho ácido me fez lembrar da descrença jocosa com que tratávamos o Funaro e o Maílson, do ódio que tínhamos da Zélia. Temi o retorno do bicho-papão.
O aparelhamento político das empresas estratégicas, a crise na infraestrutura, o inchaço da máquina governamental, o PIBinho e o retorno do zumbi inflação, até ontem assuntos por demais elitistas, irrelevantes para o perde e ganha do jogo democrático, de repente se tornaram questões mais que urgentes.
A rede de Anonymous as colocou em pauta, atropelando a versão arco-íris dos tradicionais meios de propaganda; públicos e privados.
As agências de publicidade enfrentam, agora, o desafio de substituir a imagem do consumidor ávido por carro, fogão e geladeira, pela do patriota consciente. Terão que moderar o orgulho cívico esportivo com certa dose de engajamento.
A política, tão ligada à propaganda, encara a pressão de, um ano antes da eleição, espelhar a vontade do povo. O problema é que a vontade do povo parece exigir o fim da própria política; ou, pelo menos, da política pela política.
A praça pede mais administração e menos política. A redução dos 39 ministérios, criados para satisfazer alianças partidárias, seria um gesto bem-vindo.
Suspeito do plebiscito redigido a toque de caixa, para ser votado logo e posto em prática já nas próximas eleições. A precipitação tem sido a marca das ações do Planalto.
Nos dias seguintes ao estouro da boiada, aguardei com ansiedade o pronunciamento oficial. Ele veio frio, protocolar. Lamentei que Dilma não tivesse memorizado, ou mesmo redigido, o texto.
A garantia de que estava atenta à voz da nação, e acredito que estivesse, e esteja, esbarrava na leitura pausada e vacilante, no sorriso triste e na falta de convicção do conteúdo da fala. Pareceu discurso de candidato.
Faltou a estadista e sobrou o assessor de marketing.
Se o Congresso insistir em levar a família para passear de jato, temo que algum bufão travestido de Henrique 5º com o discurso do dia de São Crispim bem decorado na boca se aproprie da indignação da plebe e nos arraste para o horror populista.
Sou grata a quem saiu às ruas contra a PEC 37 e espero que as manifestações não sirvam de trampolim para o chavismo endêmico na América Latina.
Aí, vai ser a bancarrota.
Fernanda Torres é atriz e colunista da Folha desde 2010. Escreve aos sábados, a cada duas semanas, na versão impressa do caderno "Ilustrada".
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