ROBERTO RODRIGUES
Um novo mercado agrícola
O acordo entre Estados Unidos e União Europeia gera riscos para o Brasil. Podemos perder posição na exportação de produtos agrícolas
Neste mês de julho de 2013, começaram os estudos tendo em vista a criação de um acordo de livre-comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia. Trata-se de um gigantesco projeto inserido na crescente onda dos chamados RTA's (Regional Trade Agreements).
A União Europeia também pensa em outro acordo, desta vez com o Japão. Aqui na América Latina foi criada recentemente a Aliança do Pacífico, juntando em uma RTA o Chile, a Colômbia, o Peru e o México.
Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), em 1995, cerca de 123 RTA's haviam sido notificados. Em janeiro deste ano, já eram 546. Trata-se de aumento notável, que explica outro número: 40% do comércio agrícola e de alimentos no mundo todo já se dão no âmbito de acordos regionais, sejam bilaterais, sejam entre países e blocos.
Isso tudo pode representar uma profunda modificação nos padrões atuais de comércio agrícola, estabelecidos desde a Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e que não avançaram nada na Rodada de Doha da OMC, inaugurada em dezembro de 2011. Quase 12 anos de discussões infrutíferas.
Um acordo bilateral ou regional como esse entre Estados Unidos e União Europeia pode ter concessões tarifárias maiores do que as estabelecidas no Gatt, porque estas servem para o comércio global e não bilateral, pelo menos supostamente.
E não são só concessões tarifárias (ou até mesmo completa liberação de tarifa): temas como patentes, denominações de origem, medidas sanitárias e fitossanitárias, padrões de bem-estar animal e outros mudam radicalmente o cenário atual.
E tem mais: aquecimento global, emissão de gases de efeito estufa e o velho tema do ambiente ou da sustentabilidade também podem surgir como novas barreiras não tarifárias, ajudando a perturbar ainda mais as relações comerciais na agricultura.
Claro que por trás disso tudo está a tese defendida por muitos economistas segundo a qual os preços agrícolas atingiram um novo patamar do qual não baixarão muito. Para esses economistas, é preciso reduzi-los de alguma forma, e os RTA's poderiam ajudar nesse objetivo.
Embora essa tese dos novos patamares seja discutível --já foi apresentada antes e os preços caíram de novo quando a oferta se equilibrou com a demanda--, há razões para apoiá-la: é difícil aumentar a produtividade agrícola como se fez no século passado.
Terras agricultáveis diminuem, a demanda cresce com a urbanização das populações, aumentam os custos de produção, a produção de alimentos concorre com a de biocombustíveis por questões ambientais etc. Todos esses temas são discutíveis, uma vez que bons preços estimulam a produção no mundo todo.
Mas o fato é que estão em andamento os tais acordos. E esse entre Estados Unidos e União Europeia afeta diretamente o Brasil agro. E não apenas nós: o acordo seria a maior zona de livre-comércio do mundo, com mais de 800 milhões de pessoas que já trocam produtos e serviços, no valor de R$ 2 trilhões por ano! Ora, com menos impostos de importação, a parceria pode mesmo reduzir os preços, aumentando o consumo e produzindo empregos e renda que caíram desde 2008.
Mas 23% das nossas exportações do agro vão para a Europa, e competimos com os americanos em soja, carnes, produtos florestais e açúcar. Podemos perder posição. E para os Estados Unidos vão 7,3% do total exportado pelo Brasil, inclusive café (é que a União Europeia vende café torrado e moído para eles). Enfim, há riscos no horizonte e precisamos estar atentos.
Aliás, já se discute abertamente a possibilidade de o Brasil negociar um RTA com a União Europeia sem levar junto os países do Mercosul...
PAULO SCHMIDT
Manifestações e a magistratura do Trabalho
Defendemos o direito de greve no serviço público. Em um país sem leis trabalhistas, a "mão invisível" conseguiria conter a inexorável revolta das massas?
Está no preâmbulo da Constituição da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que "a paz, para ser universal e duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social" (1919). Nos anais da ciência política, poucas assertivas são tão infalíveis quanto essa.
A despeito do caráter "difuso" das manifestações atuais, as bandeiras que se veem eriçadas bem demonstram o seu pendor para os direitos sociais, previstos na Constituição Federal: direito ao transporte público acessível, à educação e à saúde pública, democratização dos meios de comunicação, entre outros.
A rigor, o que os movimentos sociais reclamam, com inegável razão e oportunidade, é que os direitos constitucionais deixem de ser direitos de papel e sejam efetivamente incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos. Isso obviamente não justifica excessos. Mas explica o clamor popular, aliás tardio.
Nesse plexo de valores, a magistratura do Trabalho solidariza-se com os movimentos sociais. Mais que isso, apresenta-lhes outras bandeiras do associativismo trabalhista, há décadas já tremuladas no Parlamento e nos ministérios.
Conclamamos o Congresso à definitiva aprovação da proposta legislativa que prevê a desapropriação de terras onde houver exploração do trabalho escravo. Defendemos o fim do fator previdenciário e da contribuição injusta dos aposentados e repudiamos as políticas públicas de sucateamento da previdência pública.
Repudiamos, ainda, as iniciativas legislativas tendentes a precarizar o trabalho e a esmaecer os direitos sociais constitucionais (mirando agora o projeto de lei nº 4.330/2004, que pretende "regulamentar" a terceirização). Do mesmo modo, rechaçamos o Simples Trabalhista, danoso aos trabalhadores.
Pugnamos, enfim, pela definitiva regulamentação dos tantos direitos sociais que a Constituição de 1988 consagrou e que há 25 anos estão relegados ao esquecimento institucional: o direito à proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, as garantias sociais no trabalho penoso, a proteção contra a automação, o direito de greve no serviço público e a participação do trabalhador na gestão da empresa, entre tantos outros.
Do mesmo modo, apostamos e apoiamos os projetos que tramitam no Congresso que objetivam trazer maior celeridade para a Justiça do Trabalho por meio da racionalização do sistema recursal e da execução das sentenças.
Decerto estas linhas escandalizarão juristas e economistas formados na cartilha thatcherista. Dirão que o Estado não tem condições de suportar mais despesas, evocarão a reserva do possível e acenarão com o catastrofismo intergeracional.
A todos eles, propomos um desafio: imaginem um país sem direitos sociais, um mercado de trabalho sem legislação trabalhista. Terão chegado ao paraíso neoliberal. Restará saber se, no pico da ebulição social, a "mão invisível" conseguirá conter a inexorável revolta das massas.
É necessário responder aos desafios de forma efetiva e socialmente aceitável, recobrando-se a memória de que o poder é sempre exercido em nome do povo. Que os ouvidos dispersos estejam atentos a esse comando constitucional.
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