quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A noite dos rebeldes [Capinan] - Walter Sebastião

O compositor e poeta baiano José Carlos Capinan ganha homenagem em BH. Ao lado dos parceiros Jards Macalé e Roberto Mendes, vai relembrar seu cancioneiro e o amor pela palavra


Walter Sebastião


Estado de Minas: 08/08/2013 

O Brasil tem um poeta muito especial: o baiano José Carlos Capinan, de 71 anos, que coloca toda a sua arte a serviço da música popular. São dele letras de clássicos da MPB como Papel machê (parceria com João Bosco), Soy loco por ti América (com Gilberto Gil), Ponteio (com Edu Lobo), Coração imprudente (sucesso de Paulinho da Viola) e Gotham City (com Jards Macalé).

Capinan é também autor de celebrados livros de poesia, que permanecem injustamente distantes do público. Seja na música ou na folha de papel, ele escreve textos densos e poemas singulares. Sua palavra interpela e celebra a vida. Hoje à noite ele estará em Belo Horizonte, ao lado dos parceiros Jards Macalé e Roberto Mendes, para apresentar o show Conta, poeta.

O repertório traz canções como Farinha do desprezo (escrita com Macalé), Aos portugais e Flor da memória (com Roberto Mendes, baiano de Santo Amaro da Purificação e autor de hits de Maria Bethânia). O homenageado pensa em ler fragmentos de seu poema “Uma canção de amor às árvores desesperadas”. A beleza do título traduz a verve desse baiano.

“Sinto-me bem em espaços onde a poesia é respeitada”, afirma Capinan, creditando esse prazer à generosidade dos parceiros. “É muito bom estar no palco na companhia de dois intérpretes de alta performance”, acrescenta.

A origem de Roberto Mendes são as formas musicais do Recôncavo Baiano, explica Capinan. É o caso da chula, “gênero anterior ao samba, que está com o povo desde a senzala”, diz. E elogia Macalé, tropicalista com linha de produção própria, que se encontra tanto com Moreira da Silva como Maria Bethânia. “Ele é filho da bossa nova”, observa Capinan.

Três rebeldes subirão ao palco, avisa o homenageado. Mendes traz a rebeldia cultivada por meio de manifestações tradicionais. Macalé cultiva a independência pessoal, underground. “Também sou rebelde. Acredito que qualquer verdade tem o seu ponto de quebra, de relatividade. Em minhas criações, dou margem para não ser tão exatamente de acordo com o que a teoria quer”, resume Capinan.

Há muito tempo, ele e Macalé não compõem. “Vivemos juntos momentos difíceis nos anos 1970, quando a ditadura militar esvaziou o Brasil de inteligência”, recorda Capinan. Esse clima se faz presente em parcerias como Movimento dos barcos e Gothan City. Ele adora também Massemba e Beira-mar, escritas com Roberto Mendes.

Doutor tropicalista

Nascido em Esplanada (BA), José Carlos Capinan mora em Salvador. Formado em direito, é poeta desde a adolescência. Ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Torquato Neto, foi um dos criadores do Tropicalismo. Na década de 1960, fez carreira artística no Rio de Janeiro e em São Paulo. Voltou para a capital baiana no início dos anos 1970, época em que vários artistas se exilaram devido à ditadura militar. Cursou medicina, mas não exerce a profissão.

“Como poeta, sempre tive proximidade com a medicina por causa do tema da dor. Como tenho medo dela, pensava em me proteger não só com palavras, mas com terapias anestésicas”, explica. O compositor lembra que vários artistas são médicos, farmacêuticos e dentistas que por temer a dor se valem da poesia. O mineiro Guimarães Rosa é um deles, lembra.

Os primeiros trabalhos de Capinan, na metade dos anos 1960, eram síntese de poesia moderna e engajada. No fim daquela década, ele absorveu a vertigem trazida pelo pop. Mais tarde, experimentou as angústias existenciais dos anos 1970. De volta à Bahia, abriu-se a todas as formas de música popular da sua terra – inclusive, foi parceiro do sambista Batatinha.


Três perguntas para...

Capinan
poeta

Por que você gosta do verso e de textos longos?
Minha poesia parece muito racional. Mas é, de fato, lógica, dialética, da física quântica, consciência de que tudo provoca imantações na estrutura, rompimentos com o conceito dado inicialmente. E assim vai criando dúvidas. O texto dialoga com o que vai sendo dito, então vai se encompridando. O entendimento vem a partir de diversas contrariedades postas em cada capítulo.

Como você vê o trabalho em parceria?
Parceria é encontro pelo diálogo. Junto-me a quem tem coração, alma, fibra e cabeça. E dou sorte, componho com amigos. Nunca seria parceiro de alguém de cuja visão de mundo não partilho. Alguém racista, por exemplo. Meus parceiros me acham muito infiel, que bebo água de todos os potes e moringas. Sou mesmo. Escrevo o tempo todo, tenho muita coisa. Um parceiro só não daria conta de tudo.

Como é ouvir as variadas interpretações de suas canções?
Na voz de intérpretes, as canções se transformam, para o bem ou para o mal. Ouvir o que se criou na voz de um bom cantor faz a gente esquecer prováveis desvios.

HAIKAI
Capinan traz a BH seu novo livro, Balança mas haikai. É admirador desse gênero tradicional de poesia japonesa por seu poder de síntese, soluções surpreendentes e iluminadas, além do tom filosófico. “A própria vida de Bashô, que criou o haikai, inspira. A certa altura da vida, esse homem saiu andando pelo mundo e registrou seu contato direto com a natureza.”


CONTA, POETA
Show de Capinan, Roberto Mendes e Jards Macalé. Hoje, às 21h.
Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3279-1500.
Inteira: R$ 100 (setor 1), R$ 80 (setor 2) e R$ 60 (setor 3).

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